Medo de ser a eterna Bebel

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Na primeira tentativa de entrevista, Guta Stresser não pode falar muito. Está dirigindo. É um dia cheio, com gravações em estúdio do novo episódio de A Grande Família. No outro dia, no horário marcado, atende em tom de quase intimidade, já chamando o repórter pelo nome, pedindo para ligar dali a dez minutos: agora ela está comendo. Antes de dar certo, ainda mais uma pequena confusão. A atriz pede para ligar no fixo de sua casa, no Rio de Janeiro, onde mora há dez anos. Mas quem atende é um homem, que vai logo pedindo para discar de novo em meia hora. Mais uma vez no celular, Guta se explica. "Desculpa, não sabia que meu irmão estava usando o telefone".

De celebridade global, a atriz cultiva pouco. Não é de frescuras, não se cerca de assessores disso e daquilo. Mora com o irmão que atendeu o telefone, também seu secretário. Ao contrário da maioria de seus pares, dá o número do seu celular para a imprensa, sem pensar duas vezes. E, na conversa, não fica de meias-palavras: diz o que lhe vem à cabeça. E fala muito, o tempo todo, quase sem parar. Chega a dizer que está constrangida com isso, vai pedindo desculpas por se alongar nas respostas. Mas, quando o repórter esboça uma nova pergunta, ela não dá nem chance: se não terminou de dizer o que queria, continua sua linha de raciocínio até o fim. Portanto, um aviso: essa entrevista está editada para poder caber na página.

Nesta semana, Guta estréia em Curitiba uma peça de Domingos de Oliveira. O título da montagem é longo como uma resposta da atriz: De Como a Jovem Atriz Rita Formiga, Minha Amiga e Vizinha, Ocupa Meu Telefone Todos os Dias de Quatro a Seis da Tarde, Que É Justamente o Meu Horário Predileto de Escrever. Para encurtar, todos os envolvidos se referem ao projeto apenas como Rita Formiga. A montagem fica em cartaz nos fins de semana, quando ela está de folga da Rede Globo, onde grava de segunda a quarta-feira, há cinco anos. Aliás, ela acaba de saber que A Grande Família, série da qual participa desde 2001, continuará sendo exibida no ano que vem.

Na entrevista, a atriz diz que tem o melhor emprego do mundo, mas já começa a ficar com medo de ser sempre escalada para fazer a mesma personagem. Mas acima de tudo, diz estar feliz com a sua vida. Leia abaixo os principais trechos da entrevista. Só os principais. Porque o resto realmente não coube.

Gazeta do Povo – Você faz o papel da Bebel há cinco anos. Por um lado, isso te deixou nacionalmente famosa. Por outro, você não tem medo de ficar presa demais à personagem?

Guta Stresser – É uma faca de dois gumes, né? É o melhor emprego do mundo. Eu trabalho com as melhores pessoas com quem eu poderia estar trabalhando, a gente adora fazer o seriado, adora os personagens. Ttodos os atores já se apegaram a seus personagens de uma forma irrecuperável. A gente faz com os pés nas costas e é muito divertido. A resposta do público é impressionante. Há um lado maravilhoso. E tem outro lado que é complicado. Se os outros, o (Marco) Nanini, a Marieta (Severo) já são o Lineu e a Nenê, imagine eu, que apareci fazendo a Bebel! Eu nasci Bebel, não tem jeito. E isso é complicado para mim – e perigoso. Eu imagino que as pessoas podem pensar no meu nome para um papel num filme e aí dizer: "Ela imprime muito a Bebel". Na verdade, o medo não é de eu ficar me repetindo. O medo é de que as pessoas só me aceitem assim. É louco isso. Mas, isso não quer dizer que eu quero que o seriado acabe, não. Pelo contrário. E acho que não vai acabar logo, não. A gente deu 42 de Ibope na semana passada. Se descontar a novela das oito, é a atração mais querida do povo brasileiro no momento.

Até por isso você procura fazer papéis diferentes, como a personagem do filme Nina, uma história bem mais dramática.É. Rita Formiga nâo é muito diferente, não. Mas Nina foi uma grande oportunidade, espero que venham outras até para mostrar um outro lado pro público. Outro dia adorei fazer um quadro no Fantástico. Fiz totalmente diferente pra mudar, botei óculos, fiz sotaque de curitibana, igual o nosso, assim, normal.

Aliás, como você perdeu o sotaque rápido assim?Foi por causa da Grande Família mesmo. Eu ia gravar a série e eles me pediram que eu tomasse cuidado. Eles (os personagens) são cariocas. Eles têm a casa deles aqui no Rio, a gente sabe onde é. Tem endereço. No primeiro ano a gente gravou lá, depois construíram uma igualzinha no Projac. E acaba que você acostuma. Grava toda semana. Eu tinha sotaque bem curitibano. Mas, na vida, eu falo uma mesma frase com uma palavra com sotaque curitibano e outra com sotaque carioca.

Você trabalhou vários anos com o Antônio Abujamra. Você sente falta de fazer trabalhos mais ousados, como os que ele faz?– Eu sinto falta, sim. Pretendo fazer. O trabalho de pesquisa é muito gratificante. Eu gostaria de um ano parar tudo e ir fazer Antunes (Filho) em São Paulo, sabe? Mergulhar num trabalho mais de linguagem. Me interessa muito. É onde você foge do lugar comum, do naturalismo, que é mais tosco. Mas é difícil. O tempo é uma coisa que luta contra a gente. Ele tinha que virar nosso aliado pra gente poder fazer as coisas.Você grava três dias por semana. É mais difícil do que fazer novela?O pessoal que faz novela fala que seriado é moleza, porque não grava todo dia. Mas uma novela dura seis meses. Bota todos os dias que a gente grava um do lado do outro pra ver quanto tempo você está naquele Projac. Você acaba não tendo muita vida fora. E eu gosto de ter vida. Até porque ator tira o seu material da vida. Eu sou contra ator que não tem vida. Eu gosto de andar com pessoas que não são atores, de ter vida bem cotidiana. Ppoder observar, me reciclar. E às vezes não dá tempo, às vezes é cruel.

Para você está fora de Curitiba há dez anos. O que você sente falta daqui?Primeiro lugar, da família. Quando eu estou aí, a primeira coisa que eu quero é ficar com eles. E aí tem os amigos. Quando eu morava em Curitiba, eu era amiga da cidade inteira. Agora, eu tenho poucos amigos aí. De Curitiba mesmo, eu gosto de alguns lugares. Lugares arborizados, a Rua XV, frio com sol. Adoro esses dias assim. Um cheirinho bem que fica na cidade, às vezes. Não sei se ainda tem, mas tinha.

Você acredita que se tivesse ficado aqui, teria uma vida parecida com a que tem hoje, inclusive financeiramente.Eu não sei como está hoje. Mas na época em que eu estava aí eu conseguia. Eu fazia O Vampiro e a Polaquinha (peça de Ademar Guerra, baseada em contos de Dalton Trevisan) e mais um infantil. Dava pra ganhar uma graninha. Acho que ninguém ficou rico com isso. Eu não teria a vida que tenho hoje. Eu ainda não enriqueci, mas a televisão dá uma segurança financeira muito boa, sim.

Você já foi indicada três vezes para o principal prêmio do teatro nacional, que é o Prêmio Shell. Você acha que dessa vez sai.Acho que não (risos). Acho que eu sou um azarão de prêmio. Acho que é uma sina boa, por um lado. A primeira vez que eu fui indicada para um prêmio foi para o de revelação do Gralha Azul, pela peça O Vampiro e a Polaquinha. Eu fiquei toda achando que eu ia ganhar. Todo mundo achava. E eu não ganhei. E, na hora, quando muitos atores da peça ganharam e eu não ganhei, eu me lembrei muito do Ademar (Guerra), que tinha morrido pouco tempo antes. Ele dizia que prêmio era uma bobagem. "Prêmio para ator é estar trabalhando, é estar em cena", ele dizia. Eu me apeguei a isso. E, olha, eu já escutei muitas vezes o meu nome, não só no Shell. Agora, com o Nina, até em Lima (Perú), Marraquesh (Marrocos), e nunca ganhei. Mas tudo bem, adoro ser indicada. Outro dia estava competindo com a Fernanda Montenegro, achei chique. Falei: "Olha só eu indicada com a Fernanda Montenegro, quem diria". Ela, por O Outro Lado da Rua, eu por Nina. Eu acho ótimo. Entre todos os trabalhos da temporada, as pessoas lembrarem de você, ficar entre quatro nomes. E ganhar é tipo loteria. Eu nunca tive sorte em rifa, nunca tive sorte em pescaria de festa junina. Então por que é que eu ia ganhar prêmio (risos)? Não ganho, só sou indicada.

Serviço: Rita Formiga. Guairinha (R. XV de Novembro, s/n.º), (41) 3315-0979. Texto de Domingos de Oliveira e Maria Gladis. Direção de Domingos de Oliveira. Com Guta Stresser e Claudio Tizo. Dias 23, 24, 29 e 30 de setemrbo às 21 horas e dia 25 às 19 horas e às 21 horas.