Cabeças para pensar o Fringe
O ineditismo de ter algumas cabeças pensando o Fringe permite vislumbrar o que a mostra paralela pode se tornar, mas ainda não é. No início do ano, cogitava-se ter, além de Chico Pelúcio e Beto Andretta, também os diretores Paulo de Moraes (do Armazém) e Enrique Diaz (da Cia. dos Atores) como programadores de salas teatrais. É uma perspectiva a ser mantida e ampliada, de modo inclusive a que se possa cobrar desses curadores uma linha de pensamento sobre teatro, como se cobra dos responsáveis pela Mostra Contemporânea.
Não foi um ano de grandes surpresas na mostra paralela, porém a seleção prévia garantiu uma cota de bons espetáculos superior à que se via nas últimas edições: A Noite dos Palhaços Mudos, no Cleon Jacques. Cachorro! e Não sobre o Amor, no reaberto Teatro HSBC. De Como Fiquei Bruta Flor, no Novelas Curitibanas. Todos esses, trabalhos de grupos já consolidados.
Se uma "revelação" pode ser apontada é o grupo Quatroloscinco, de Belo Horizonte, com o espetáculo É Só uma Formalidade. Ganhou público dia-a-dia no Mini-Guaíra, estabelecendo uma relação cúmplice com a plateia, numa montagem inventiva na estrutura (rounds de um combate) e no recurso às metáforas para revistar o fracasso das relações sentimentais, trocando o sentimentalismo pela sutileza até no uso da ironia. A peça já veio reconhecida da capital mineira. Curitiba se tornou sua primeira vitrine fora de casa, e, espera-se, há de catapultá-la para outros festivais e palcos do país.
Fora das salas programadas, o Fringe se estende como uma vasta mostra da produção curitibana, portanto, sujeita aos altos e baixos das companhias locais. O Teuni concentrou alguns bons espetáculos da temporada passada, com destaque para o solo The Cachorro Manco Show, grande momento do ator Leandro Daniel Colombo. No TUC, a reunião de companhias iniciantes resultou em uma programação de qualidade irregular.
O excesso de oferta ou "excesso de democracia", como se responde nos bastidores à concepção de que o Fringe seja um espaço democrático aberto a qualquer um se traduziu em falta de público até para comédias comerciais.
É bater na mesma tecla, mas como evitar? Espectadores que caem em montagens precárias ano a ano desistem do Fringe. O investimento crescente em programadores e a cobrança do registro profissional, para afastar amadorismos, se impõem urgentes.
O 19.º Festival de Curitiba se fez de momentos. Uma panorâmica pela programação revela mais produções medianas do que a Mostra Contemporânea deveria comportar. No entanto, em determinados trabalhos encontrou-se um nível de qualidade recompensador, por ser capaz de instigar realizadores e público a refletir sobre o teatro que desejam ver e fazer, para além dos dias de março.
O mais emblemático dos exemplos é In on It, da Cia. dos Atores. Em apenas duas apresentações, a montagem dirigida por Enrique Diaz valorizando ao máximo os movimentos entre ficção e real propostos no texto do dramaturgo canadense Daniel McIvor planta um interesse renovador sobre as potencialidades de um teatro contemporâneo. Feito em concordância com a expectativa de compensação emocional do público.
Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, é outra a desprender-se do drama em favor do jogo teatral por maior importância que dê ao texto, à palavra trabalhada na tensão do instante do diálogo. Os atores levam mais de si à cena do que apenas a construção fechada de personagens, e as demais texturas da composição criativa, em especial a luz e a cenografia, não se submetem ao texto.
O cenário ganha autonomia também em Memória da Cana, oferecendo uma imersão sensorial na mais controversa das tragédias rodrigueanas. Armou-se no terceiro andar da Arena da Baixada uma casa de múltiplos cômodos separados por véus, dentro dos quais os espectadores se dividiam para assistir à encenação. Ao caírem os tecidos, a cana-de-açúcar cerca o ambiente com o odor doce e o assovio do vento. A ambiência altera o contato com a família desvairada que se perde em incestos, representada intensamente pelo grupo Os Fofos Encenam.
Ainda em Cinema, o ensaio aberto realizado pela Sutil Companhia, a cenografia e a sonoplastia são os elementos essenciais de um espetáculo que propõe uma outra maneira de portar-se como espectador, atenta ao ato de ver. E em Travesties, cenografia e luz dão grandiosidade a um texto denso de Tom Stoppard, que coube aos atores da Ópera Seca desmitificar pelo humor.
Houve espaço para produções que seguiam moldes mais tradicionais, nesse caso, sobressaltando o talento de intérpretes como Beth Goulart, aplaudida com entusiamos ao fim do monólogo Simplesmente Eu, Clarice Lispector; e Renata Sorrah, indicada como o ponto alto de Macbeth.
Quanto aos grupos mais jovens, mostraram trabalhos que ainda os enquadram na categoria de promissores, como Rebu, O Ruído Branco da Palavra Noite e Escuro.
Dias de desordem
O Festival de Curitiba se tornou um evento de tais proporções que não se tem conseguido dar conta de organizá-lo. Este ano, choveram reclamações por parte do público e dos artistas.
Algumas delas ultrapassam a alçada do evento. Ao fim da primeira apresentação de In on It no Guairinha, o ator Emílio de Mello falou, em um discurso inflamado, do esforço feito para se apresentarem num local "que cheira a mofo, é cheio de ácaros e não tem ar-condicionado". As condições no Mini-Guaíra não eram melhores: nem papel havia à disposição das companhias. A Ópera de Arame e o Teatro Positivo mais uma vez foram alvo de críticas quanto à acústica, em apresentações de A Loba de Ray-ban e Till.
O festival, contudo, responde por uma série de contratempos. Por ser editado com muita antecedência, o guia muitas vezes presta um desserviço ao espectador, informando horários e endereços errados. Assim, perdeu a última apresentação de Cachorro!, às 20 horas, quem confiou no programa impresso, que a anunciava para as 21 horas.
O endereço trocado do Teuni rendeu dores de cabeça às companhias e ao público. E longos atrasos irritaram espectadores de Música para Ninar Dinossauros (um recorde: começou 2h42 minutos depois do horário), O Papa e a Bruxa, Exotique e As Meninas.
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