Lenda das baquetas traz turnê comemorativa para Curitiba| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Há os que dizem que para conhecer uma lenda é necessária uma grande jornada. Às vezes, no entanto, ela nos leva ao quintal de casa. Quando o carro de reportagem chegou ao estúdio Old Black – localizado em uma viela minúscula do bairro Batel – para a entrevista, o baterista Rolando Castello Júnior, o Júnior, que escreveu seu nome na história da música ao lado de nomes como Arnaldo Baptista e Pappo Napolitano, pitava um cigarro indolente na soleira da porta, ao som de uma música inédita de Ivo Rodrigues.

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Ao violão, Fábio Elias – vocalista da Relespública – preparava a canção que ganhou de presente da família do falecido frontman do Blindagem para o repertório de um evento comemorativo dos “50 anos de bateria e rock” de Júnior, que vai acontecer no dia 12 de dezembro no palco do Teatro do Paiol. Tudo isso velado por um quadro a óleo de Chuck Berry no fundo da sala.

Show

Rolando Castello Júnior - “50 anos de Bateria e Rock”

Local: Teatro do Paiol (Praça Guido Viaro, s/nº, Prado Velho)

Data: 12/12/2016, às 21h

Ingressos: R$ 30 (inteira) R$ 15 (meia)

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Entre piano e bateria, no aquário do estúdio, Júnior se sente mais à vontade para passar a limpo uma carreira de mais de 60 discos – com bandas como Parada Suprimida, Tarantula, Three Souls In My Mind (as três do México), Made In Brazil, Patrulha do Espaço, Aeroblues e mais uma longa lista. Toda essa inquietude lhe rendeu em 2015 o posto de terceiro baterista brasileiro mais influente pela Roadie Crew, revista especializada em metal e rock clássico.

Apesar do orgulho pela solidez da carreira e reconhecimento dos pares, Júnior não esconde um “temor recolhido pela audácia que é permanecer na estrada tocando rock and roll”. Mesmo tendo feito parte de projetos que ajudaram a definir a identidade do rock brasileiro, ele revela um arrependimento por não ter focado esforços na carreira internacional. Na Argentina, por exemplo, onde lançou um único disco do projeto “Aeroblues” (1977), formando um power trio ao lado de Pappo Napolitano (já falecido em um acidente de moto) e Alejandro Medina, o baterista é recebido com honras de rock star.

No Brasil, esteve na primeira formação do Made In Brazil, tocando no icônico “disco da banana” lançado em 1974. No entanto, o trabalho mais marcante – e que impõe um legado que já dura 40 anos – foi assumir as baquetas da Patrulha do Espaço, banda formada em 1977 por Arnaldo Baptista (ex-Mutantes) que contava também com Oswaldo “Cokinho” Gennari e o irlandês John Flavin. Com a saída de Arnaldo após nove meses e algumas formações, Júnior assumiu o posto de comandante da patrulha, mantendo o som no talo e o nome vivo. Só este ano são múltiplos lançamentos simultâneos (e independentes) com a chancela da banda: o relançamento do “Patrulha do Espaço 4 - Baratos Afins”, “Patrulha do Espaço - Aventuras Rockeiras no Século XXI”, “Rolando Castello Junior - 50 anos de Bateria e Rock” e “Patrulha do Espaço - Capturados Vivos em Buenos Aires”.

Arnaldo Baptista

Sobre a experiência dessa parceria, Júnior prefere um tom político: “A oportunidade de tocar com o Arnaldo – assim como com o Alejandro Lora, no México – é um privilégio, é como tocar com um gênio. Os caras são geniais, mas os gênios são problemáticos. O ser humano pode ser muito diferente do artista em muitos casos”.

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O baterista fala ainda do peso do legado do nome Patrulha do Espaço. “Cara, no Brasil é muito difícil, tanto que estou pensando seriamente em largar o fardo. Ano que vem a banda completa quarenta anos e acho que esse é um bom tempo de vida para um projeto. Se bem que, com o que temos gravado e de arquivo, o material garante ainda uma sobrevida de uns quatro anos”, comenta.

Estilo próprio

Quem acompanha essa carreira de sucesso e a perícia do instrumentista pode não imaginar que ele teve de vencer um desafio a mais. Uma poliomielite, contraída ainda na infância, limitou o movimento de um dos braços, o que obrigou Júnior a desenvolver um estilo próprio de tocar. Passou a repousar a baqueta por sobre o dedo médio, usando os antecessores como prensa. “O instrumento por si só já tem sua limitações técnicas e, por ter tido a pólio, tive que me adaptar. Desenvolvi um repertório de viradas para escapar um pouco dos paradiddles [sequências ritmadas na bateria], com os quais tenho alguma dificuldade. O engraçado é que pensei que eu era único, mas quando fui a um show do Vanilla Fudge, notei que o Carmine Appice (de quem era muito fã) tocava exatamente como eu”, recorda.

Todas essas histórias somente ajudam a criar a lenda em torno do gênio das baquetas, que já morou em Curitiba e produziu bandas locais como Relespública e Beijo AA Força. Fábio Elias, integrante da Relespública e parceiro de composição de Júnior, lembra: “além de produzir nosso álbum, temos várias histórias bem rock and roll. Lembro da composição conjunta de ‘Garota Rock and Roll’, que fizemos em um bar e era sobre uma garota muito explosiva com quem eu estava na época. Participar desse evento comemorativo e ser amigo desse cara é uma honra”. Elias termina a frase erguendo um brinde em homenagem a Júnior.

O show do Teatro do Paiol, assim como todos os demais da turnê comemorativa, estão sendo captados para o posterior lançamento em CD e DVD, o que torna o evento uma oportunidade para o público fazer parte da história de uma lenda do rock. E para aqueles que pensam que o rock morreu e precisa de salvação, Júnior manda um recado: “o rock não precisa de salvação, até porque o rock é perdição”.