Memória da Cana mescla paixão, ódio, inveja e morte em um espetáculo perturbador| Foto: João Maria / Divulgação
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Dona Senhorinha encara, passiva, as traições do marido com adolescente
Glória, alvo da paixão de seu próprio pai, é expulsa do colégio interno
Irmã de Senhorinha, Ruth é quem encontra as amantes para o cunhado
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Na sala de jantar de uma casa nordestina, o marido negocia, em frente à mulher, uma adolescente de 16 anos que satisfaça suas necessidades sexuais. Esta é uma das cenas perturbadoras que o espectador de Memória da Cana (confira o serviço) estará sujeito ao longo dos 90 minutos da peça de Newton Moreno, adaptação do clássico "Álbum de Família", de Nelson Rodrigues.

Jonas é o patriarca que nutre uma paixão pela própria filha, Glória, que foi expulsa do colégio interno por beijar uma menina. Dona Senhorinha assiste às traições do marido com jovens arranjadas por sua irmã, Ruth, que já passou uma noite com o cunhado. Edmundo, o filho recém chegado, abandona a mulher por ser apaixonado pela mãe. E por aí vai.

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Amor, paixão, ódio, inveja, morte, incesto. Memória da Cana é uma mescla de tudo. Algumas cenas têm até o tom de ritual religioso. Ao contrário do que se possa pensar, entretanto, por mais que a peça perturbe, ela não age de forma grotesca. Perturba com inteligência, delicadeza.

O cenário peculiar impressiona. O teatro improvisado para o Festival de Curitiba na Arena da Baixada foi cercado com bambus. Não há palco, mas uma "casa" de sete cômodos, dividida por redes finas, como mosquiteiros. A plateia fica em uma arquibancada dividida em seis cômodos da casa, o que junto com o cheiro de mato leva o espectador a uma viagem para dentro da trama, ainda que não participe dela ativamente.

A viagem do espectador também tem direito a alguns sustos, pois Nonô, o filho louco, tem o hábito de correr em volta da casa com um sino. E quando menos se espera, um ator corre por trás dos bambus, atrás da plateia, e os barulhos são reais.

Quando a plateia já está habituada com o funcionar do cenário, Guilherme, um dos filhos, arranca todas as telas em uma crise de fúria, e os próprios atores mudam o espaço, que passa a ser iluminado apenas por velas. Um deleite.

Memória da Cana tem referências à família patriarcal brasileira e à civilização do açúcar de Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala. A peça não apenas adapta Nelson à roupagem nordestina. Ela mistura os universos de Rodrigues e Freyre para criar algo novo, e se dá bem nisso.

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