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O violão de Gil marca a apresentação gravada no Rio | João Wainer / Divulgação
O violão de Gil marca a apresentação gravada no Rio| Foto: João Wainer / Divulgação

Entrevista

"Fomos na direção da linha evolutiva e estamos com ela até hoje"

Gilberto Gil, músico

Há referências recentes prestando tributos ao Tropicalismo, em especial o disco Tropicália Lixo Lógico, de Tom Zé. A Tropicália ainda inspira trabalhos vigorosos?

Este disco é muito bom. Ele retoma e aprofunda um papel muito forte que Tom Zé teve no Tropicalismo, que era trazer as matrizes clássico-medievalistas, armoriais e etc. Papel ao qual ele se manteve fiel, com algumas escapadas para coisas ligadas ao rock-and-roll. Mas ele sempre foi um sertanejo, ligado àquelas tradições da musica medieval, renascentista, que povoou partes importantes do interior brasileiro, na Bahia inclusive. Este disco recupera e enfatiza isso. O modo de compor as canções, os temas, a maneira de ver, à distância, a fenomenologia do mundo moderno, ver a partir daquele olhar interiorano, sertanejo. Tudo isso está no disco dele e faz desse disco muito importante.

Ele parece utilizar a estética do Tropicalismo de uma forma até mais assertiva do que você e Caetano.

Diferentemente um pouco do Tom Zé, e mais aparentemente identificado com Caetano, eu fui fazer, já no Tropicalismo, e depois, no decorrer dele, um trabalho de expansão de horizontes, de misturas, de perspectivas da música, que traziam os elementos clássicos, esses elementos interioranos brasileiros, mas trazia também toda a música que se desenvolveu na faixa litorânea do Brasil – de Dorival Caymmi a Lupicínio Rodrigues. Toda essa coisa da música popular, e mais as influências que vieram de fora. Pixinguinha, Caymmi, João Gilberto, bossa nova, influências da música americana. Tudo isso culminando com as influências do rock-and-roll e do jazz.

Esta abordagem que remete ao início do Tropicalismo faz sentido hoje? De que forma você a situa no seu trabalho?

Eu e Caetano escolhemos uma linha de processamento desses elementos díspares, variados. Diferentemente um pouco de Tom Zé, que fez isso, mas numa dose muito menor. Vejo hoje uma espécie de continuidade dessa tarefa. Continuo tropicalista nesse sentido, como acho que Caetano também continua. É o que ele chamava já na ocasião de linha evolutiva. Nós fomos nessa direção e estamos com ela até hoje.

  • Lançamento:Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo. Gilberto Gil. Biscoito Fino. R$ 29,90. MPB

Gilberto Gil já declarou que não gosta de comemorar o fato de ficar mais velho quando perguntado sobre os 70 anos comemorados em 2012, e que a festa fica por conta dos amigos. Ainda assim, não evita o contexto de projetos comemorativos que o envolve junto com Milton Nascimento e Caetano Veloso, dentre outros ícones da música.

Esta é a principal faceta do show Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo, gravado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no fim de maio, e lançado em CD neste mês.

O disco registra 15 das 21 músicas da apresentação, que reuniu músicas de várias fases da carreira de 50 anos do músico baiano.

Repertório

Gravadas por Gil, ao lado da banda formada por Bem Gil (violão e guitarra), Gustavo di Dalva (percussão), Nicolas Krassik (violino), Eduardo Manso (efeitos eletrônicos) e pelo violoncelista Jaques Morelenbaum – responsável pelos 13 arranjos orquestrais sinfônicos executados pela Orquestra Petrobras Sinfônica –, as canções formam um quadro memorialista.

Estão ali "Eu Vim da Bahia" e "Juazeiro" (de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira), que remontam às origens culturais e musicais de Gil – o sertão baiano e a grande referência do Rei do Baião.

A bossa nova, representada por "Outra Vez" (1954), de Tom Jobim, marca a posição em que a música brasileira foi retomada pela Tropicália, de acordo com a tese da "linha evolutiva", de Caetano Veloso.

"Panis Et Circenses", gravada pelos Mutantes em Tropicália ou Panis et Circensis (1968) e nunca registrada antes por Gil, e "Domingo no Parque", marco tropicalista no festival da TV Record de 1967, voltam a ganhar arranjos sinfônicos, em referência à contribuições à obra do baiano por músicos importantes como Rogério Duprat (1932-2006).

O icônico álbum pós-exílio em Londres (1969-1972) Expresso 2222 (1972) marca presença com "Oriente", e os dois últimos discos de inéditas de Gil – Quanta (1997) e Banda Larga Cordel (2008) são contemplados com o restante do repertório, que ainda tem o hit "Andar com Fé", de Um Banda Um (1982) e a inédita "Eu Descobri", feita a pedido do Sérgio Dias para o próximo disco dos Mutantes.

Historicidade

"Tinha muito a ver com a expectativa no meu entorno de que fizéssemos uma comemoração dos 70 anos", contou Gil, em entrevista para a Gazeta do Povo durante sua última passagem por Curitiba, no início de outubro. "Por isso mesmo traz a ideia de épocas, períodos, uma historicidade. Isso tudo acabou informando um pouco a maneira de escolher a direção do repertório."

Apesar da presença impactante da orquestra e dos refinados arranjos de Morelenbaum, é o violão de Gil, uma referência estilística do instrumento na MPB, que centraliza todos estes elementos laterais. "No final do show de gravação do DVD, Caetano tinha assistido ao show, veio ao camarim e me disse que a beleza do projeto é porque está toda centrada no meu violão, que ele admira, gosta muito", conta Gil. "Quando viu que tudo nascia do violão, ele se tranquilizou" conta o músico, aos risos.

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