A espanhola Materia Prima tem no elenco quatro pré-adolescentes que cresceram junto com a peça| Foto: Juan Rayos/Divulgação

Entrevista

Peça de adulto, com crianças

Como funciona uma peça adulta com crianças no elenco?

Somos quatro diretores com formação de escritor, por isso temos um foco forte na palavra. Nosso método de trabalho envolve muita observação das pessoas e de sua beleza. Durante os últimos três anos, trabalhamos com essas quatro crianças, que por vezes traziam elas próprias algumas possibilidades que, se não aproveitássemos, seria burrice. Um trecho foi inclusive escrito em colaboração com uma das meninas, partiu de coisas dela.

As crianças já tinham alguma experiência com teatro?

Nenhuma. Escolhemos crianças de nove anos com quem podíamos conversar de igual para igual. Não nos interessava um exercício passivo a quem ensinássemos como pais. A peça fala de assuntos de adulto, preocupações adultas – casualmente não há violência nem sexualidade, é muito poético. Há muito do fato de estar em contato com a dor, ainda que isso não seja totalmente ruim. Uma das frases diz: "Antes de que cumplas onze años, te darás cuenta de que estás sola y que no hay justicia en el mundo". E são coisas que as crianças realmente conseguiram entender. O que havia de incompreensível para eles, e foram poucas coisas, tiramos fora.

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Opinião

La Tristura inverte biodrama com crianças

Valmir Santos, jornalista e crítico

Com frequência, elas são vistas participando ou protagonizando montagens infantojuvenis. Quando contracenam com adultos, não raro roubam a cena. Mas a presença de crianças em Materia Prima é justamente a substância motriz do projeto singular da companhia La Tristura, de Madri.

Duas meninas e dois meninos de 12 anos – eles tinham 9 na estreia – vivem situações alusivas ao universo dos adultos e dilaceram os corações daqueles que estão na audiência das sessões noturnas (e não vespertinas).

Não é redundante afirmar que estamos diante de um drama, apesar de parte dos espectadores brasileiros buscar desesperadamente o alívio do riso exaltado como sintoma da infantilização da sociedade acuada diante do espelho.

O quarteto impúbere nos faz acessar as origens do que fomos quando ainda não éramos. Se o vivido é imprescindível ao biodrama, como conceitua a argentina Vivi Tellas, a narrativa aqui assume o seu contrário: o porvir. Essa inversão desloca o que vemos ou ouvimos no palco para as memórias pessoais da infância.

Leia o texto completo em teatrojornal.com.br

A performance Viagem a Izu apresentada em um jardim

Num mundo em que as disputas se infantilizam cada vez mais, artistas estrangeiros que passaram pelo Festival Internacional de Londrina (Filo), encerrado ontem, viram na adolescência e suas transformações um elemento chave para suas criações.

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No caso de Materia Prima, apresentado nas últimas quarta e quinta-feira, são dois meninos e duas meninas nascidos em 2001 os atores a interpretar textos escritos por quatro cocriadores, na casa dos 30 anos, sobre questões existenciais – mas com palavras acessíveis.

"Partimos de ideias muito simples e, por isso, pensamos em nos trocar por crianças. Temos muita dança, canto em cena, e é um material que funciona melhor com pessoas inocentes, desculpáveis. Num adulto haveria um julgamento maior", contou à Gazeta do Povo o diretor Celso Gimenez.

O texto em questão fala da desesperança, dando voz a um pensamento que enxerga mais as formas como se está sendo prejudicado do que aquilo que se pode fazer de bom.

"Na Espanha, se diz que, aos 12 anos, você tem a cara que Deus te deu. Aos 30, a que merece. Ou seja, precisávamos de pessoas ainda puras, intocadas."

Mostrar crianças falando das possibilidades que o futuro apresenta, hoje, na Espanha, torna a peça, ainda que poética, muito realista. A crise financeira que esmaga os espanhóis desde 2009 está presente no texto pessimista do La Tristura – se faz ainda mais presente no espetáculo mais recente: El Sur del Mundo, Días de Amor Difíciles.

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Quando o grupo surgiu, em 2004, o país vivia uma aparente abundância. À medida que o grupo cresceu, sentiu, inversamente, os efeitos da crise e incorporou isso à dramaturgia. "Hoje nenhum amigo meu tem trabalho."

Escolha de memória

Para o francês François Kahn, a escolha de textos a montar é que costuma remeter à sua própria juventude. Foi o caso de Viagem a Izu, performance que ele apresentou sexta-feira e sábado em Londrina.

"Escolho temas que me toquem, e é muito comum que seja algo do passado", disse a jornalistas. "Você sempre volta às coisas de que gostou quando era muito jovem."

O francês de 69 anos con­­­ta que leu o conto "A Dançarina de Izu" quando tinha 16 ou 17 anos e foi muito tocado pela história de amor entre um jovem e uma menina saindo da infância, que o rapaz a princípio crê ter mais idade. Na história, a dupla integra uma trupe que parte numa viagem a pé – para o protagonista, trata-se de uma "busca por si mesmo e de um antídoto para a própria melancolia", conforme escreveu o crítico Renato Palazzi ao jornal italiano Il Sole 24 Ore.

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O espetáculo foi desenhado para ser encenado num jardim, para no máximo 50 espectadores. O texto é japonês – o autor, Yasunari Kawabata, inovou na literatura japonesa por falar de si mesmo e deu início ao modernismo em meio a uma tradição extremamente rígida. Mas Kahn gosta de frisar que não se pautou pelos também performáticos estilos nipônicos, com exceção de algumas nuances.

O diretor, que trabalhou com Jerzy Grotowski (1933-1999) na Polônia e dividia com ele o interesse por uma plateia bem próxima do ator, vive hoje entre Itália, França e Brasil – aqui, se apresenta desde 1988.

Leia nesta página um relato de seu método de trabalho e sobre o inovador experimento do grupo espanhol La Tristura.

Entrevista

"Grotowski sabia que éramos muito diferentes"

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François Kahn, diretor e ator

Por que escolheu montar esse texto japonês?

Quando li o conto "A Dançarina de Izu" tinha 16, 17 anos, um adolescente, e é uma história de amor que não é concluída... Me tocou muito. Fala de um jovem de 20 anos que busca a verdade sobre si mesmo. Ele se apaixona por uma dançarina que pensa ser uma jovem de 17 anos, mas no curso da viagem descobre ser uma menina, de 13. E a relação de amor se transforma em proteção.

Fale de seu estilo de teatro.

Fundamental para mim é ter poucos espectadores. Aqui em Londrina são 90, mas, quando apresento em jardins, faço para 40, 50 pessoas. Simplesmente porque não tem estrutura que permita ver o que acontece. A ação é muito próxima do espectador, e não tenho cenário porque prefiro que o espectador projete com a imaginação. O texto tem muita descrição de paisagens: é inútil criar uma cenografia para algo que existe na cabeça do espectador. Meu grupo de teatro, Da Camera, faz espetáculos que podem acontecer numa casa, num museu, biblioteca. Quando é numa casa privada, o efeito é estranho: as pessoas começam a ver o lugar de forma diferente. Mas a grande mudança é a proximidade do espectador com o ator. Muda a relação dos dois lados. Isso já existia no teatro que eu fiz com Grotowski.

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Como era trabalhar com Grotowski?

Meus espetáculos não têm nada a ver esteticamente com os dele. Ousei apresentar meu trabalho a ele, e sabíamos que éramos diferentes. Ele dizia "eu não quero ver uma imitação do meu trabalho. Quero ver outras coisas". Mas algumas coisas básicas do trabalho de ator, da carpintaria teatral, claramente vêm do trabalho com ele.

Como é dirigir a si mesmo?

Não trabalho nunca com espelho ou vídeo, não me registro. Mas sempre preciso ter um espectador.