A seu modo, Osni Bermudes foi um inventor. Nos primórdios da televisão paranaense, quando ela parecia mais um teleteatro, ali no início da década de 1960, ele começou a construir traquitanas para ampliar as possibilidades televisivas e resolver um problema que não era modesto: os primeiros e sensíveis telespectadores se irritavam diante da longa espera que havia entre uma atração e outra.
O que fez o editor e diretor no Canal 12? Criou engenhocas e mecanismos para dar vida às aberturas e, sobretudo, aos intervalos intermináveis. De modo artesanal, ele sobrepunha desenhos, criava roldanas, bonecos se acionavam por engrenagens e fez até o Pato Donald chorar, usando uma bisnaguinha na tela, no dia da morte de Walt Disney. E ainda registrava os bastidores do trabalho (foto 2).
Apesar da história da televisão brasileira remontar a 1950, com a inauguração da TV Tupi de São Paulo, Curitiba só foi saber o que era ter uma emissora oficial em 28 de outubro de 1960, através da TV Paranaense, Canal 12. Abriu-se um ciclo. "Curitiba era uma capital típica. Todo mundo se conhecia. O surgimento da televisão criou uma nova demanda e movimentou a classe artística", afirma a historiadora Maria Luiza Gonçalves Baracho, autora de Em Preto e Branco, O Início da Televisão em Curitiba. "As fotografias de Osni contam o cotidiano dessa incipiente televisão, como uma crônica de bastidores", completa (foto 3).
Osni também trabalhou na TV Paraná, Canal 6, inaugurada em 19 de dezembro de 1960. Era um agregador e sua casa recebia músicos, atores, produtores e diversos jornalistas. "Nossa sala vivia cheia de artistas. Lembro-me de Ary Fontoura sentado no sofá, comentando de seu dia de trabalho", relembra o filho e cinegrafista Gil Bermudes.
A Curitiba do início de carreira de Ary Fontoura era pautada por uma cena cultural convergente. A televisão fazia uso dos recursos do teatro e do rádio, e não apenas na hora de transpor as novelas. Muitos atores importantes da cena teatral paranaense, como Odelair Rodrigues e Lala Schneider (foto1), participavam de programas de auditório. Quadros em que espectadores interagiam com atores eram muito comuns na década de 1960, como no programa de júri em que Lala Schneider atuava.
"Nessa época, meu pai fazia o trânsito entre companhias de fora, que vinham divulgar suas peças e conhecer Curitiba, e os artistas locais. Acabavam conhecendo as grandes atrizes e gente como os Irmãos Queirolo [foto 4]", relembra Osni Bermudes Jr. Seu pai morreu em 2001, deixando um legado de peças, inventos e registros de uma certa Curitiba mitológica.
A força bruta de Odelair Rodrigues
Odelair Rodrigues (1935-2003) tinha um humor peculiar, personalidade marcante e um jeito frenético de falar. Sempre comentava que seu nascimento em Curitiba já tinha sido uma tragicomédia. "Comecei a sair em casa e fui terminar na maternidade". Antes da carreira como atriz, foi empregada doméstica e assistente de escritório de contabilidade, área que se formou posteriormente. Sofria de asma, bronquite crônica e preconceito.
Em uma cidade de forte imigração europeia, viveu na pele o tríptico mulher, negra e atriz, como ela contou no programa Memória Paranaense, em 1998, ao jornalista José Wille. "Eu passava na rua e as pessoas diziam olha a negra, uma nuvem escura... Vai chover". Para lidar com o espírito do tempo, a célebre garota-propaganda do Café Damasco costumava dar uns sopapos nos mais irritantes.
Sua estreia nos palcos se sucedeu em 1952, pelo Corpo Cênico do Colégio Estadual do Paraná. Foi descoberta por Ary Fontoura, que a levou em turnê com a peça Sinhá Moça Chorou. Com ele fez rádioteatro, peças, programas humorísticos na televisão e discos musicais. É um desses raios que Curitiba produz e esquece clinicamente. Sobre as escolas de teatro, dizia que para representar um papel no palco tem que ter um pouquinho de talento também.
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