À esquerda, um de seus poemas mais famosos. À direita, o poema sobre Che que o fez sair do Brasil. Os dois são ilustrados pelo mexicano Atílio “Poma” Carrasco| Foto: Reprodução

Lançamento

Nos Rastros da Utopia

Manoel de Andrade. Escrituras, 910 págs., R$ 89. Biografia. Livrarias Curitiba do Shopping Estação (Av. Sete de Setembro, 2.775). Hoje, às 19h30.

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Manoel de Andrade:
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O livro Nos Rastros da Utopia, que o poeta Manoel de Andrade lança hoje, às19h30, nas Livrarias Curitiba do Shopping Estação, é sobre a história de um homem que escreveu poemas de liberdade e sobre como foi lutar para conquistá-la. Um deles o obrigou a se autoexilar do país e percorrer uma extraordinária trajetória como talvez nenhum outro poeta revolucionário de seu tempo tenha imaginado.

Veja o périplo americano do poeta

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Sua narrativa começa em outubro de 1968, quando o jovem advogado e jornalista mostrou o poema "Saudação a Che Guevara" ao livreiro José "Dude" Guignone. "Pólvora pura", avaliou Dude. O texto – homenagem à morte do guerrilheiro, que completava um ano – foi reproduzido em quatro mil cópias e se espalhou pelo país. Andrade vivia um auspicioso início de carreira e tinha acabado de negociar sua estreia numa antologia da editora Civilização Brasileira.

No fim daquele ano, porém, veio o AI-5. O regime militar recrudesceu e Maneco preferiu sair do país a ser preso.

A fuga teve colaboração do colega (hoje senador) Roberto Requião. Andrade escapou pelo Paraguai, chegou à Argentina e deu inicio de quatro anos intensos de uma "romaria solitária" em que levou seu canto a outras 14 nações do continente americano.

O livro é também o retrato de um tempo e de um lugar: a América Latina nas décadas de 1960 a 1970. "No exílio, não me acomodei com postos universitários ou empregos que nos eram arranjados, e continuei combatendo", disse.

As armas eram artigos e matérias de jornal, além de poemas escritos em espanhol que costumava declamar em audições pagas em teatros e universidades. Em 1970, publicou o livro Poemas a la Libertad, na Bolívia. O livro repercutiu no continente todo e lhe rendeu convites para novas viagens.

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Todas essas histórias estão no livro de quase mil páginas, com a perspectiva histórica do lado dos vencidos. "É sobre outros poetas que morreram perseguindo o ideal da liberdade", ressalta.

A narrativa é fantástica como a realidade do continente naquele tempo. Cercos policiais, fugas espetaculares, grandes personagens e insólitos lances de pequenas sortes e grandes azares.

Algumas das passagens são impressionantes – como a tentativa de avançar pelo chaco paraguaio até o cárcere do filosofo Regis Debray, então preso na Bolívia. No relato de viagem, a reboque de um grupo de contrabandistas, Andrade mostra o terreno pantanoso revolto com escombros da Guerra do Paraguai, memorabilia macabra da tragédia latinoamericana.

Quase tão incrível quanto sua aventura são as circunstâncias que o trouxeram de volta ao Brasil em 1972. Um complexo arranjo político e familiar – Andrade se comprometeu a viver longe das letras, do Direito e da agitação política. O retiro durou 30 anos, tempo que dedicou ao estudo do Espiritismo, orientação religiosa da qual é uma das maiores autoridades do país. "Vivi no anonimato completo, fora dos acontecimentos esse tempo todo", resume. À poesia, retornou em 2002 com o livro Cantares (Escrituras). Àqueles tempos duros, volta hoje, com o lançamento do livro.

Utopia

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A obra trata, acima de tudo, do sonho de Andrade por mudanças e igualdade. "O que é um homem sem sonho? Ainda mais um poeta. Nós somos feitos disso. Naquele tempo se um jovem, sobretudo poeta, não fizesse uma opção, estaria deslocado da história", conta.

Olhando para trás, Andra­­­de diz que faria tudo outra vez. "A utopia, como disse Fernando Birri, serve para que continuemos caminhando. Foi no rastro dela que eu percorri essa trajetória que me permitiu poder, hoje, dar a minha versão de uma memória da América Latina".