São Paulo (Folhapress) - A guerra americana no Iraque fez uma vítima inesperada: o filme do neozelandês Andrew Niccol sobre o tráfico internacional de armas. Não era um bom momento para fazer um longa que inclui críticas aos EUA, e Hollywood tampouco se interessou em uma obra com um "mercador da morte" como protagonista.
Mas o financiamento foi obtido e também as armas. O diretor e roteirista não só entrou em contato com comerciantes de armas: "Eu os usei até na feitura do filme", como disse em entrevista por telefone. Além de Nicolas Cage, milhares de fuzis AK-47 estrelam O Senhor das Armas.
Como você teve a idéia de fazer este filme? Não é o tipo de filme que se vê a toda hora, com um vendedor de armas como personagem principal...
Andrew Niccol - Ainda bem que não se vê a toda hora! Eu estava interessado nesses personagens, eles têm códigos morais diferentes, diferentes padrões éticos. Eles não vêem as conseqüências de suas ações e de certo modo são uma extrapolação radical de nós mesmos. Eles conseguem se divorciar do fato de que estão vendendo armas, porque não são eles que apertam os gatilhos.
E o personagem principal não é um vilão estereotipado.
Eu queria pegar a platéia com isso. Ele pode dar armas a crianças ou fazer um comentário espirituoso sobre Osama bin Laden. É como um diabo charmoso. Nenhum vilão pensa em si como um vilão, então tem uma epifania e se torna um homem mudado. Ele não quer mudar.
Você entrou em contato com comerciantes de armas?
Sim, eu os usei até na feitura do filme. Todos aqueles tanques pertencem a um negociante privado de armas tcheco. Ele disse que eu os podia usar, mas queria de volta, pois estava vendendo em seguida para a Líbia.
Ele viu o filme? Gostou?
Não sei se ele viu. Mas acho que não vai gostar; o filme não pinta com boas cores os comerciantes. E aconteceu uma coisa interessante enquanto eu escrevia: gostei dessas pessoas, eram charmosas, engraçadas. E muito eficientes. É um mundo meio insano. Nunca sabia se eles estavam fazendo negócios legais ou ilegais.
Como foi feita a caracterização dos lugares na África? Você visitou alguns desses lugares?
Estive antes na África do Norte. Quanto à África Ocidental, estudei gravações de jornalismo, porque a região era muito perigosa enquanto estava fazendo minha pesquisa. Por questões financeiras, tive de recriar a África Ocidental na África do Sul. Mas as imagens são realistas. Por exemplo, o tapete de balas disparadas pode parecer uma fantasia de produtor de design, mas é na verdade baseada em uma foto de um jornalista num combate em Mon-róvia. Pessoas sem experiência podem achar exagero, mas não é. É o caso do "brown-brown", uma mistura de cocaína e pólvora, que é o que fazem para deixar os garotos excitados para o combate.
Certa vez eu achei uma bala produzida na Alemanha nazista em um esconderijo de armas da guerrilha em Moçambique e fiquei imaginando como ela teria ido parar ali 50 anos depois da guerra.
É interessante que o AK-47 tem esse nome porque foi feito em 1947 e ainda é a arma mais escolhida na África. São baratos, são confiáveis. Fico espantado de ver como uma arma tão antiga ainda é tão usada, em meio à tecnologia que existe hoje. Mas é como se morre na África. Isso me choca.
Você veio ao Brasil para trabalhar com Antônio Pinto na trilha. Não ficou preocupado em andar em uma cidade com uma reputação violenta como São Paulo?
Não, existem vizinhanças ruins em toda parte. Já fui a muitos lugares e tudo depende de como você se comporta. Se parece que não pertence ao lugar, alguém pode querer tirar vantagem de você. Eu sempre ajo como se fosse o dono do lugar (risos).
Por que foi tão difícil vender a idéia do filme em Hollywood?
Um pouco por aquilo de que já falamos: ter um comerciante de armas como herói, ou melhor, anti-herói. Além de o filme não se esquivar de apontar o envolvimento americano no comércio de armas. E, quando o script estava pronto, o timing era o pior possível: estava acontecendo a Guerra do Iraque e não se queria ver nada que não fosse patriótico.
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