Sempre pensei que parques temáticos não eram para mim. Até o dia em que surgiu um convite para viajar a trabalho para a Flórida, nos EUA, e conhecer o Universal Orlando Resort.
Meu filho fez uma viagem dessas com a mãe dele, envolvendo a Disney, o Universal, o pacote todo. Ele gostou da experiência e achou irônico eu ter de enfrentar um roteiro muito parecido, só que a trabalho e sem ele. Apesar de ter só dez anos, ele usou exatamente essa palavra: “irônico”.
O terror da minha viagem se chamava Rockit. Hollywood Rip Ride Rockit, uma das montanhas-russas mais sensacionais dos Estados Unidos e a rainha de Orlando (o rei é a montanha-russa do Hulk).
A Rockit tem 1,2 quilômetro de extensão que você percorre em um minuto e 45 segundos a uma velocidade de até 105 km/h – e o ponto mais alto fica a 50 metros do chão. Existem outras montanhas-russas maiores, mais extensas e mais rápidas. Mas a Rockit tem personalidade e é uma referência em Orlando.
A questão é que você encontra o ponto mais alto da viagem logo nos primeiros 15 segundos porque a Rockit começa beeem devagarzinho com uma subida em 90 graus que chega a ser mais assustadora do que a descida, um pouco pelo suspense que cria. Não, não. Estou exagerando. A descida – o despencar lá de cima – também assusta muito.
E eu tinha andado de montanha-russa uma única vez na vida.
Eu devia ter uns sete anos e estava num desses parques mambembes de cidadezinha do interior, junto com a minha avó. Não lembro se eu pedi para ir ou se ela sugeriu que eu fosse. Acho que eu devo ter insistido. Ela concordou. A montanha-russa era pequena e não muito alta (na minha memória de infância, ela era enorme). O interessante é que nunca ninguém me contou detalhes desse dia, nem mesmo minha avó, que já morreu. As memórias que eu tenho, ainda que não sejam muito claras, são só minhas e devem ter ganhado uma pá de influências do tempo e de mim mesmo.
O parque estava deserto e fui sozinho na montanha-russa. Não havia nada parecido com cintos de segurança nem travas ou assentos especiais: era eu agarrado a uma haste de metal que parecia muito, muito longe de mim, sentado em um banquinho nada confortável. Eu sozinho.
Não lembro quase nada do trajeto. Com a montanha-russa só para mim, minhas lembranças saltam do momento em que entrei num dos carrinhos para o instante em que saí deles, cinza-pálido, mudo, como se estivesse numa espécie de transe. “Uma Coca-Cola vai fazer você sarar”, lembro que minha avó disse. Ela tratava uma quantidade absurda de problemas com Coca-Cola. Como um xarope milagroso vendido por um daqueles atores-cantores de filmes hollywoodianos dos anos 1950.
Nunca mais subi numa montanha-russa. Cresci com a memória mais ou menos vaga de que minha experiência com esse tipo de diversão não foi nada divertida.
Até o dia em que me deparei com uma montanha-russa de verdade.
De longe, a Rockit parecia legal. À medida que você se aproxima dela, os sons ficam mais claros e mais altos. Cada vez mais altos. Debaixo dela, onde se forma parte da fila, dá para ouvir os gritos e, mais impressionante, dá para ouvir os carrinhos rasgando rápido os trilhos, o peso deles sobre a estrutura de metal e aquilo tudo rugindo como se fosse um bicho furioso.
Uma vez que decidi enfrentar a coisa, não voltaria atrás. Esses brinquedos são seguros, certo? Na verdade, a sacada é justamente expor o público a um “risco controlado”. Do ponto de vista das pessoas que estavam comigo e sabiam tudo sobre parques temáticos e montanhas-russas, o brinquedo em que fui 30 anos atrás era muito mais perigoso que a Rockit.
Quando eles fizeram essa comparação depois de eu contar a história da minha infância, fiquei mais tranquilo. Se eu sobrevivi ao parquinho xumbrega e perigoso, é claro que sairia inteiro do passeio matador e hollywoodiano da Rockit.
Você sabia que existem macetes para andar de montanha-russa? Minha sorte foi entrar na fila ao lado de uma youtuber que conhecia absolutamente tudo sobre montanhas-russas. E ela caiu ao lado de alguém que adora macetes – sou do tipo que vê tutoriais no YouTube sobre como manusear direito uma caixinha de Tic Tac.
Carol Capel, dona de um canal na web sobre Orlando, conseguiu me preparar em cinco minutos. Depois da conversa com ela, eu poderia encarar a Torre do Terror, na Austrália. Ou a Leviatã, no Canadá. Mas estávamos na Rockit e ocupando os lugares da frente (!), com nossos narizes nos trilhos.
O macete tem a ver, como quase tudo na vida, com a respiração.
“Sabe respirar como cachorrinho? Igual mulher em trabalho de parto?”, me disse a Carol. “Isso diminui a pressão da descida sobre o diafragma – e diminui o ‘frio’ no estômago.”
Sério? Beleza. O que mais?
“A cabeça. Mantenha a cabeça encostada no assento. Sério.”
Nesse caso é preciso fazer um pouco de força. Mais ou menos como um piloto de Fórmula 1 – vi faz tempo uma reportagem que mostrava o treinamento do Emerson Fittipaldi: um cara forte entrelaçava os dedos na testa dele e puxava com força para trás e para os lados; hoje os pilotos devem ter aparelhos eletrônicos estupidamente avançados e específicos para esse exercício. O fato é que, se você não deixar o pescoço firme, a cabeça vai ser jogada de um lado para o outro. Essa dica, depois fui ver, aparece em plaquinhas ao longo da fila.
A artimanha da respiração curta é salva-vidas. Quando despenquei lá de cima, consegui pensar na mulher em trabalho de parto: puf-puf-puf-puf...
Ter lembrado foi uma proeza porque uma das coisas que essas montanhas-russas fazem com você é esvaziar completamente sua cabeça. É difícil pensar em qualquer coisa que não seja: “eu vou morrer”.
Você pode optar, claro, por sentir o frio na barriga. Então saiba que o efeito diminui bastante com a respiração de grávida.
A adrenalina produzida durante o passeio de 1 minuto e 45 segundos é depois rebatida por uma endorfina braba, no chão. É uma sensação de paz absoluta (ou talvez seja a alegria de ter sobrevivido).
Descobri que o impacto da montanha-russa é maior quando você não conhece o trajeto. Assim que o percurso se torna um pouquinho familiar – quando sei, por exemplo, que não vou morrer lá em cima –, a adrenalina diminui um tanto. Mas a sensação de sair andando no fim de tudo ainda é intensa, muito parecida com a de alguém que sai inteiro de um acidente de trânsito.
Repeti o passeio duas, três, quatro vezes.
E queria mais.