ENDEREÇOS
Navegue pelos blogs citados na reportagem:
Pra Romper o Dia Ana Carolina Caldas - http://www.praromperodia.blogspot.com/ Gislaine e os Paranamas - Gislaine Bueno - http://gislaine0305.blig.ig.com.br
Felizes São os Cães - Milena Emilião - http://www.felizessaooscaes.blogger.com.br
tá. e daí? - Milana Bernartt - http://www.milana.blogger.com.br
Os diários cor-de-rosa com chave e cadeado ficaram para trás, as identidades femininas não cabem mais em formatos fixos e enquadrados. Guiadas pela necessidade de expressar-se, as mulheres têm à disposição no ambiente virtual um espaço mais adequado para externar pensamentos e delinear a própria personalidade: os blogs. A relevâncias dessas páginas pessoais na construção da identidade da mulher contemporânea é o tema da pesquisa realizada pela escritora Luiza Lobo para o livro Segredos Públicos Os Blogs das Mulheres no Brasil (Rocco, 152 págs., R$ 23,50), em que Teoria da Comunicação, Filosofia e Antropologia unem-se a trechos escritos por blogueiras para uma análise aprofundada dos diários eletrônicos femininos.
"O blog se insere na história do cotidiano e responde ao desejo de autocompreensão e afirmação da identidade, mas também de recuperação da memória pessoal e cultural. Mesmo na forma passageira que assume, sem dúvida já se constitui uma linguagem nova na história das mentalidades do cotidiano", escreve Luiza sobre o veículo que, segundo a autora, facilita a inserção social das mulheres.
Os blogs são páginas pessoais acomodadas em servidores, em que um "blogueiro" publica fotos e escritos os "posts", que originaram o verbo "postar", isto é, atualizar a página com novas informações. O autor pode identificar-se ou usar um pseudônimo, tem a liberdade de postar textos próprios ou linhas de poemas, livros e músicas alheios, em troca dos comentários de visitantes. A página assume as feições do dono, com templates (apresentação visual) exclusivos e estilos de escrita que vão da tendência literária ao coloquialismo abreviado.
"Os blogs masculinos, de acordo com a minha pesquisa, diferem radicalmente dos blogs de mulheres", afirma Luiza Lobo. A autora explica: "Os blogs de autoria masculina não possuem o aspecto de espaço confidencial para relatar o proibido, a dúvida, a insegurança, exatamente porque os homens não precisavam se esconder. Com a chegada da internet, passaram a escrever blogs políticos, crônicas e relatos de casos humorísticos ou críticos, mas sem o caráter confessional e autobiográfico do diário".
A privacidade é levada ao público em diferentes graus de exposição nos diários virtuais. Tudo depende da intenção da blogueira. Gislaine Bueno, 30 anos, criou o espaço Gislaine e os Paralamas para dar vazão a seus sentimentos. "Precisava escrever alguma coisa para que as pessoas pudessem ler o que acontece comigo e interagir. O blog serve para quando estou triste e não quero contar para ninguém, é uma forma de desabafar e deixar recados", conta. Ela explica a contradição de postar o que prefere não dizer ao vivo: "No blog tenho mais coragem de falar o que sinto, pessoalmente não consigo. Quando escrevo no blog, as pessoas não julgam na minha frente, não vejo a reação delas na hora. Se vier depois, é em forma de um comentário que posso excluir. O blog é uma proteção", assume.
O título escolhido homenageia a banda Paralamas do Sucesso. A blogueira sempre posta sobre as viagens que faz pelo país para assistir aos shows do grupo, mas tem o cuidado de só indicar o destino do passeio quando volta, por receio das conseqüências da divulgação do seu itinerário. Apesar da idolatria, o assunto principal nos "posts" tem sido o amor. Gislaine acessa o endereço diariamente, na ânsia de ler os comentários deixados pelos visitantes. "É uma necessidade de retorno. O nosso mundo ficou tão estranho que a internet faz com que você se aproxime das pessoas. A grande maioria dos meus amigos que acessam o blog estão morando fora. É um modo de eu dizer se estou bem ou não", comenta.
A constância das atualizações não é um requisito crucial para uma blogueira. Posta-se quando a vontade vence a preguiça. Milena Emilião, 24 anos, escreveu pela última vez no blog Felizes São os Cães em janeiro. Mas avisa: "Posso escrever amanhã. O blog é algo meu, por isso não o apaguei ainda, sei que posso contar com ele". O espaço substitui o caderno onde Milena costumava escrever em tom de desabafo. "Quando comecei, o tema era praticamente eu e minha vidinha no mundo. Passei a pensar em coisas para escrever e a reparar na vida. O blog é uma forma de expressão minha. Eu crio metáforas para não ser direta", conta.
O mesmo recurso lingüístico é a artimanha de Ana Carolina Caldas, 32 anos, para resguardar a intimidade no blog Pra Romper o Dia. "A maturidade leva a escrever de forma mais implícita. Nunca faria como as adolescentes que escrevem briguei com meu namorado. Minha forma de escrever é dúbia. Muitos poetas escreveram sobre suas vidas nas entrelinhas", diz. A referência à literatura não é sem motivo, Ana Carolina também usa o espaço do blog para exercitar dotes literários.
A recusa ao excesso de exposição pessoal nas páginas virtuais é compartilhada por outras blogueiras, como Milana Bernartt, 24 anos, dona do blog tá. e daí?. "Escrevo a minha opinião sobre as coisas que vejo e leio. Nada muito pessoal, não gosto de blog diarinho. É para ser engraçado, um blog de auto-crítica, geralmente irônico ou sarcástico", diz. O estilo da paranaense deu certo, "tá. e daí" foi indicado duas vezes como destaque do servidor em que está hospedado e recebe 60 acessos por dia. "Muita gente lê e não sei quem são. É uma forma de conhecer pessoas. Elas deixam comentários e eu leio o blog delas, acompanhamos como uma novelinha", diverte-se.
Para a pesquisadora Luiza Lobo, o blog assemelha-se ao teatro pela dramatização e a possibilidade de liberar fantasias e é uma importante ferramenta de afirmação da mulher, por permitir a readequação do discurso feminino, livre dos limites impostos pelo modelo masculino.
"Constitui um amplo campo de atuação feminista a mulher poder falar de si sem temer a sombra patriarcal de alguém poderoso. Estou convencida de que entramos numa nova era. Só lastimo que tão poucas mulheres dominem a arte da escrita literária no Brasil, pois embora ler e escrever seja algo realmente simples, expressar-se pela literatura pede um hábito e um treinamento de que o nosso povo está, infelizmente, alijado", conclui.
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