Revelações
Leia alguns trechos do livro de André Midani.
> Primeiro encontro com Elis Regina, esposa de Bôscoli: "Poucos minutos depois, Bôscoli desceu do quarto e, pela primeira vez, tive o privilégio de assistir à explosão de uma briga monumental."
> Predileção de Midani por Erasmo Carlos: "Jantar após jantar, o mote era: Erasmo, você é bem mais interessante que o Roberto".
> Sobre o seqüestro de Washington Olivetto, em 2001. Midani, seu amigo íntimo, foi responsável pelas negociações: "Só pensava no Washington. Não havia programa de televisão, por mais burro ou inteligente que fosse, que pudesse desviar nosso pensamento.
Havia somente as perguntas: como estará ele? Será que ele ainda está com vida?"
Era uma tarde ensolarada no Rio de Janeiro de 1957. Interrompendo solos de sax de discos de jazz contrabandeados, meninos encabulados carregando surrados violões entram na sala de André Midani.
Roberto Menescal, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Oscar Castro-Neves, Luis Carlos Vinhas e Carlos Lyra estavam a poucos instantes de dedilhar os primeiros acordes do que seria chamado de bossa nova um ano depois. Midani olhou estupefato e pensou: "Aí está a música para a juventude brasileira".
Essa é uma das revelações que o maior executivo da indústria musical no país faz em sua autobiografia André Midani Música, Ídolos e Poder. Se não é algo relevante para a literatura é, sem dúvida, para a história da música pelas informações que contém.
"Não achei que seria um relato importante para a música. Se escreveu muito sobre a indústria fonográfica sob o ponto de vista de jornalistas, de artistas, mas não existia um livro sobre isso feito por um executivo de gravadora", explicou Midani, o predestinado.
Midani nasceu na Síria. Foi testemunha ocular do Dia D e trabalhou como confeiteiro em Paris antes de trombar com algo que mudaria a sua vida: o documentário Jammin' the Blues. Em preto-e-branco, o filme de dez minutos destacava, entre uma nota e outra, a fumaça do cigarro do saxofonista Lester Young.
"Fiquei tão emocionado que você não pode imaginar", disse Midani, que decidiu na saída do cinema que queria trabalhar com "aquela coisa chamada música".
Para isso, desertou o exercito francês que lutava na Guerra da Argélia, em 1955. O destino foi o Rio de Janeiro, e lá, em de 5 de dezembro daquele ano, foi a sorte quem o encontrou. O sujeito de 23 anos, com sotaque estranho e sem experiência alguma no mercado, foi confundido com um executivo estrangeiro e contratado pela Odeon.
"Foi pura sorte. Na verdade, foram duas sortes. Uma quando cheguei e fui recebido e outra quando me disseram que havia uma vaga na gravadora", explicou, agora em bom português. Assim tinha início a carreira do homem responsável pela difusão da bossa nova, da Tropicália e do "brock" (o rock brasileiro).
Bossa nova
Logo na primeira audição de "Chega de Saudade", música de Vinicius de Moraes e Tom Jobim na qual Midani apostou suas fichas para emplacar o estilo que aflorava, o gerente de vendas da Odeon jogou o disco de acetato no chão aos brados: "Isso é música de veados!".
Midani sabia que tinha algo especial ali, e não desistiu. "Existia naquele ritmo uma atmosfera muito similar ao que sentimos quando ouvimos música francesa que se tocava naquela época. Senti que estava salvo das minhas inquietações e pensava que aquilo é que deveria ser a música para a juventude brasileira", disse o produtor, que dividiu muitos uísques com Vinicius, Tom, Edu Lobo e Baden Powell.
Tropicália e Brock
Já na Companhia Brasileira de Discos, filial da Philips, André Midani foi o responsável pela contratação de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gal Costa, Elis Regina e Chico Buarque.
O executivo esteve à frente de festivais históricos, como o Phono 73. Envolveu-se com seus contratados. Dividiu alegrias como a implementação da noite brasileira no Festival de Jazz de Montreux, na França e tristezas, como a morte de Elis Regina.
"Artistas são todos rebeldes por natureza. Artista é teimoso, narcisista e ambicioso. Mas esses adjetivos, para um verdadeiro artista, tornam-se todos positivos", comentou. A resposta sobre o mais "difícil" deles, não surpreende. "O mais complicado era o João (Gilberto). Para ele atingir a perfeição do tocar e cantar... ah, ele tem muito preciosismo. Praticamente nunca ficou contente com nada", revelou.
Depois de passar pela Phonogram, chegou a Warner Music e tinha sob sua responsabilidade mais de uma dezena de gravadoras em toda a América Latina. No Brasil, lançou Kid Abelha, Barão Vermelho, Titãs, Ultraje a Rigor e Arnaldo Antunes "o maior poeta de sua geração" , além do cubano Céspedes, do argentino Fito Paez e do mexicano Luis Miguel.
Nesta época, teve de descolar cocaína para Rod Stewart em uma festa no Rio e uma garota, capa da Playboy, para o tímido Prince.
Tendo sorte e paixão pelo que fazia, além de nata competência, é de se perguntar o que seria da música brasileira sem André Midani.
"Em nenhum momento posso supor ou ter a pretensão de que eu mudei o curso da história. Ela teria acontecido de qualquer maneira, mas talvez de não uma forma tão clara, marcada pelos movimentos musicais todos", resumiu. "Como diria Gilberto Gil, há várias maneiras de se fazer música brasileira. Eu prefiro todas."
E o que chama a atenção do ex-executivo no cenário musical brasileiro hoje? "Tem uma menina que ouvi outro dia. Céu: espetacular. Tem o Pedro Luis, que é menos novo. A Adriana Calcanhoto é um bom exemplo de criatividade. No rock, não ouço nada que me surpreenda desde Chico Science. Mas talvez seja defeito meu", contou o brasileiro, que credita parte da crise da indústria musical à submissão mercadológica de seus líderes criativos.
Midani trabalhou por 12 anos em Nova Iorque. Não nasceu em terras brasileiras, mas já as adotou há muito tempo. "Aqui é o meu lugar."
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