Opinião
O crime dos ossos
Yuri AlHanati, repórter
A Islândia, país localizado em uma remota ilha próxima da Groelândia, foi considerado a nação mais pacífica do mundo. A taxa de homicídios por ano gira em torno de 1,5 por 100 mil habitantes. Talvez isso justifique o mote do livro O Silêncio do Túmulo, de Arnaldur Indridason. No romance, três policiais, entre eles o detetive Erlendur, personagem clássico do autor, investigam durante um bom tempo uma ossada encontrada na periferia da capital Reykjavyk, que como eles descobrem posteriormente já está ali há mais ou menos 60 anos. Impensável deslocar tamanha força policial para um crime tão antigo.
O mérito de Indridason, portanto, é fazer uma literatura policial que se atém à realidade de seu país diferentemente de sua conterrânea e colega de gênero literário, Yrsa Sigurdardóttir, que cria verdadeiras carnificinas islandesas. O grande desafio para o escritor neste romance era, portanto, criar uma trama eletrizante a partir de um crime já arrefecido pelo tempo algo que o sueco Stieg Larsson havia feito no segundo volume da trilogia Millenium.
Não se pode dizer que o autor tenha conseguido cumprir sua proposta perfeitamente. Apesar da escrita fluída e da trama paralela que se desenvolve misteriosamente ao mote principal, Indridason peca com cenas excessivamente artificiais, cinematográficas até provavelmente pela sua longa experiência como crítico de cinema e por protelar os desfechos ao máximo e de maneira nada sutil. Nada que um bom editor com uma boa tesoura não resolvesse. GG
O escritor sueco Stieg Larsson escreveu, antes de sua morte em 2004, a trilogia Millenium, uma grande saga policial moderna que tinha como protagonistas o jornalista Mikael Blomkvist e a jovem hacker Lisbeth Salander. O sucesso internacional chegou postumamente: a tradução do primeiro livro da série, Os Homens que Não Amavam as Mulheres, chegou à França em 2006, mas só em 2008 a obra adentrou no grande mercado inglês. No mesmo ano, o livro foi o segundo mais vendido no mundo, atrás apenas de O Caçador de Pipas, do afegão-americano Khaled Hosseini. De acordo com o site do escritor sueco, 60 milhões já foram vendidos no mundo, traduzidas para mais 40 línguas. Tal fenômeno desbravou o caminho para a popularização do chamado romance policial nórdico: autores suecos, noruegueses e islandeses que arrecadam prêmios e recordes de vendagens.
A aproximação geográfica que não necessariamente sugere uma corrente literária gerou um dos mais bombásticos movimentos editoriais dos últimos anos. A editora Marta Garcia, responsável pela edição dos livros de Larsson e por O Silêncio do Túmulo, do islandês Arnaldur Indridason, ambos publicados pela Companhia das Letras, concorda que Larsson abriu o caminho para os outros autores, mas que o policial nórdico era um grande nicho que ainda não era devidamente explorado: "Existem muitos autores sendo publicados por lá, mas não temos acesso à maioria por causa da língua", diz, referindo-se ao fato de a maioria dos livros ser traduzida a partir de versões em inglês ou francês.
Por essa razão, Marta afirma que o principal critério para a chegada dos autores em outros países, inclusive no Brasil, são os prêmios. Além de Indridason, que conquistou um Dagger concedido aos escritores policiais pela organização britânica Crime Writers Association a Companhia das Letras lançou também alguns livros do sueco Henning Mankell. O autor é conhecido em seu país principalmente pelos dez livros que têm como personagem central o detetive Kurt Wallander, adaptados para a televisão pela BBC e garantindo a Mankell uma vendagem que já ultrapassa os 30 milhões. A editora também assume que a corrida para descobrir o novo Stieg Larsson é grande: "acabamos de comprar os direitos do livro Healer, de um autor finlandês chamado Antti Tuomainen. Decidimos pela compra a partir de um trecho do livro, quando o normal é analisarmos a obra inteira. Precisamos tomar uma decisão rápida porque o mercado está mesmo aquecido".
Semelhanças
Talvez o fato mais curioso a respeito da literatura policial nórdica seja a disparidade entre a sociedade aparentemente perfeita, com baixíssimos índices de criminalidade (neste ano, a Islândia ocupou o primeiro lugar na lista dos países mais pacíficos do mundo) e a enorme profusão de crimes ficcionais. "Tanto Stieg Larsson quanto Arnaldur Indridason querem mostrar que a sociedade bem-resolvida em que eles vivem não passa de uma aparência. O romance policial aqui funciona como uma porta de entrada antropológica para conhecê-las", conta Marta Garcia. Ela diz que uma das principais semelhanças entre esses autores é a constante presença da violência contra as mulheres (em Os Homens que Não Amavam as Mulheres, cada parte do livro era aberta com uma estatística alarmante referente a agressões domésticas e estupros na Suécia).
A atualidade dos elementos dos romances é outra marca distinta, e não apenas no que se refere a aspectos tecnológicos. O racismo, a misoginia e a solidão são outros temas ressaltados pela editora Luciana Villas Boas, da Record, responsável pela publicação de quatro autores policiais suecos e um norueguês, Jo Nesbo. "Em Garganta Vermelha [primeiro romance de Nesbo publicado no Brasil], o autor praticamente já previa a terrível e dramática explosão de ódio racial que viemos a observar recentemente na Noruega", afirma, sobre os ataques terroristas que aconteceram na capital Oslo em julho deste ano que deixaram 76 mortos. Luciana completa, sobre o fascínio que Stieg Larsson e outros escritores exercem sobre os leitores do resto do mundo: "Esses autores têm uma capacidade extraordinária de criar enredos originais e reveladores, em torno de personagens com densidade psicológica em um cenário de grandes questões contemporâneas, que preocupam a todos".
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