São Paulo John North é um escritor de sucesso, pois é o virtual vencedor do mais importante prêmio literário americano seu mais recente romance, publicado em vários países, é sucesso de crítica e público, e em breve ganhará versão cinematográfica. Também mantém uma vida equilibrada com a mulher, Lydia, médica renomada e esposa dedicada. Mas, mesmo cercado de felicidade, North está em crise. E é sobre esse momento delicado que trata o romance Naufrágio, de Louis Begley, que a Companhia das Letras lançou recentemente (240 págs., R$ 43).
Begley nasceu na Polônia, em 1933, quando foi registrado como Ludwik Begleiter. Trocou de nome quando emigrou para os Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial. Formou-se em Direito pela Universidade de Harvard, onde foi colega de classe do também escritor John Updike. Só estreou na literatura aos 57 anos, com A Infância da Mentira, editado no Brasil, assim como o restante de sua obra, pela Companhia das Letras. Begley é autor de Sobre Schmidt, levado ao cinema por Alexander Payne em Confissões de Schmidt, com Jack Nicholson no papel principal.
Oslivros de Begley seguem uma linha pungente, reflexiva, mas não se trata de uma literatura piedosa, tampouco cruel o autor oferece uma visão profundamente compreensiva da natureza humana. Em sua crise, John North coloca em dúvida a própria capacidade criativa, suspeitando dos elogios que recebe da crítica. Atormentado pela insegurança, ele conhece, em Paris, Léa Morini, encantadora jornalista por quem tem atração quase imediata. Disposto a evitar que a mulher desconfie de seu caso, North se equilibra em uma vida dupla, fato que ele narra para um desconhecido em um bar, o que torna Naufrágio uma longa confissão. Begley falou com a reportagem, em entrevista realizada por e-mail. Sobre a possibilidade de que John North esteja dialogando consigo mesmo e não com um interlocutor sem nome, Begley diz que se trata de uma possibilidade bem possível: "Ele é um novelista. Pode ser que esteja compondo um romance enquanto fala. Eu deixei, muito conscientemente, para o leitor a decisão se o narrador do livro é um ouvinte desconhecido que reconta a história que ouviu de um estranho que conheceu em um bar, ou se John North foi quem inventou o ouvinte sem nome para poder contar sua história".
Begley afirma que escrever qualquer coisa é difícil, seja sob a forma de monólogo ou não. "Sou um perfeccionista, então, preocupo-me com cada palavra, cada frase, cada parágrafo. Mas, contanto que se encontre o tom de voz apropriado, escrever o monólogo não é mais difícil que escrever diálogos normais. Por isso, entenda-se que tenho plena consciência de como John North deve falar, e também de cada diferente tom de voz que usa dependendo das interjeições de seu interlocutor, que ocasionalmente fala com ele", afirma.
O autor conta que teve a idéia para Naufrágio quando leu um grande poema de Samuel Taylor Coleridge, The Rime of the Ancient Mariner, que, segundo o escritor, nada mais é que um monólogo em que há um ouvinte passivo, quase silencioso, mas ostensivo ouvinte/narrador. O narrador ostensivo, e também ouvinte, no poema é um convidado de um casamento que acaba sendo pego, fisgado se você preferir, por uma figura que chega a lembrar um fantasma, um marinheiro que conta a ele a fantástica história de sua viagem em seu navio. Um navio amaldiçoado e condenado à ruína, uma vez que o mariner atira em um albatroz que estava seguindo o navio durante a viagem.
Mas como não confundir Louis Begley com John North? O autor de Naufrágio diz que "o leitor inevitavelmente procura pelo escritor, por rastros deixados pela biografia do escritor, no protagonista de um romance. Acaba virando uma perseguição de gato e rato". No entanto, argumenta, North explica cuidadosamente para a jornalista com quem ele tem o affair fatal o romance que está escrevendo: "meu novo romance, exatamente como seus irmãos e irmãs, é autobiográfico em um sentido: é feito de coisas que a vida depositou em mim. Mas minhas novelas não são sobre mim, e nenhuma delas é a história da minha vida."
Para muitos escritores, ter um desfecho é imprescindível antes de se debruçar sobre a escritura de uma nova obra.
Begley não é diferente. "Eu não ousaria começar a escrever sem saber para onde estou indo". A respeito do cenário do romance, um bar chamado LEntre Deux Mondes, Begley conta que o lugar é desconhecido até para ele mesmo. "Eu duvido que seja em Paris. Tal-vez seja em São Paulo, no centro antigo da cidade. Talvez não haja bar nenhum, mas apenas o banco do jardim de um asilo. O que você acha?". Há, em Naufrágio, uma aproximação com a obra do escritor oitocentista Henry James, mas Begley não crê que conhecer o trabalho de Henry James seja um pré-requisito para ler o seu. "Eu faço questão de que o leitor leia a história como ela é e seja capturado por ela. Claro que eu também adoraria que o leitor fosse familiarizado com a prosa de Henry James. Eu estou sempre muito preocupado com meus livros enquanto os escrevo. Eu sempre continuo reescrevendo-os. Então, depois de terminá-los, eu começo a me familiarizar com eles, como se eu nunca os tivesse visto antes. Se parecem bons, eu os envio ao meu editor e, a partir daí, mantenho minha fé neles".
Atualmente, Begley está trabalhando no lançamento de sua mais nova história, Matters of Honor, que acaba de ser publicada nos Estados Unidos e será editada na Alemanha em fevereiro. "Eu não comecei outro livro ainda, mas que isso vai acontecer certamente. Atualmente, estou escrevendo uma pequena biografia, na verdade um ensaio, sobre Franz Kafka", encerra.
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