Não é de hoje que o Festival de Curitiba é alvo de críticas, vindas dos próprios artistas ou da imprensa. A maior parte se direciona ao Fringe, a mostra paralela que comporta centenas de espetáculos sem seleção. Outras se voltam à Mostra Contemporânea, como a que a Folha de São Paulo publicou esta semana, considerando a programação "morna" uma reverberação da opinião de Alberto Guzik, para quem falta ousadia ao evento, do qual já foi curador.
A reportagem da Gazeta do Povo procurou outros jornalistas especializados em teatro, que vêm há mais de uma década à capital paranaense em março, para ampliar o entendimento de como o festival é visto pela imprensa do país. A percepção em comum é de que o evento realmente funciona como uma vitrine da produção nacional, refletindo inclusive suas ausências.
Espelho
Se a programação se concentra em espetáculos do eixo Rio-São Paulo, é porque assim também se configura a cena teatral, com o reforço de Minas Gerais como a terceira ponta desse triângulo (o que se tem notado pela projeção de montagens de Belo Horizonte nas edições recentes do evento). A emergência da produção em grupos, tomando o lugar dos grandes encenadores, primeiro em São Paulo e, depois, se espalhando pelo país, igualmente se vê espelhada.
Refletindo o que já existe, o festival deixaria de se arriscar. "Acho que ele não tem a ousadia de apontar coisas", observa Beth Néspoli, jornalista de O Estado de São Paulo. "Talvez falte ser um pouco mais revelador. Se pensarmos no panorama cênico do mundo inteiro, o teatro se renova a partir da periferia, que, em algum momento, faz o caminho para o centro, e só então ganha destaque. O festival poderia ser esse caminho, que no Brasil é complicado, porque o poder público não está voltado para o teatro periférico", diz.
A jornalista do Estadão relembra a edição 2007 do Riocenacontemporânea, um festival de caráter internacional, mas que ousou levar ao Rio de Janeiro a sequência completa de Os Sertões, do Teatro Oficina, e o espetáculo BR3, do Teatro da Vertigem, que já tivera dificuldades de produção no Rio Tietê, e só pôde ser visto na Baía de Guanabara devido ao suporte do evento carioca.
Valmir Santos, atualmente convidado a escrever no blog do FC, após frequentá-lo por anos como repórter da Folha de S. Paulo, acredita que o festival se mantém coerente com sua proposta inicial. "Nunca foi ousado em termos de conceitos nem de caráter mais experimental. Ter uma peça como Rainhas é uma dissonância mais recente".
O jornalista observa ainda que a presença de celebridades televisivas tampouco é novidade. "Quando os curadores se reúnem, devem pensar em quem levar para o Guaíra para contemplar o gosto do público. O que acontece é que, às vezes, esses artistas transitam pelo lado experimental. O caso do Thiago Lacerda procurar um diretor com trabalhos respeitados pela crítica e pelo público. Assisti ao espetáculo da Marília Gabriela (Aquela Mulher) e achei bastante digno", comenta.
Ele discorda da avaliação de "morno", citando a participação da Cia. dos Atores e do grupo Armazém. "É uma inversão de valores, porque a cidade tem o direito de ver o que não viu ainda. É muito justo se preocupar com o público local e proporcionar trabalhos de qualidade. Já tive a sensação de a programação estar mais fraca em anos anteriores", diz o paulista.
A favor do festival, Beth destaca o fato de que "joga o holofote sobre o teatro". Uma virtude rara, acredita, levando-se em consideração a baixa popularidade dessa arte no país, comparada à música popular, por exemplo.
Precariedade
"O festival conseguiu uma coisa importante, que temo que acabe perdendo, apostando na quantidade e não na qualidade. Cem das 290 peças (do Fringe) não valem a pena que sejam vistas sob nenhum ângulo, são precariedades. Não é crescimento, é inchaço", diz Beth.
Mais satisfeito se mostra Miguel Anunciação, do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, por conta da produção de grupos, que tem ganhado espaço, e da presença de três montagens do Nordeste na mostra.
"É um festival feito por uma produtora, não ligado a um grupo. Não tem relação intrínseca com o teatro. Isso faz diferença. Mas vejo dignidade na escolha da programação", pondera.
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