Michael Novak, filósofo católico que ajudou a abrir espaço para a religião na política moderna, na diplomacia e na economia, propondo o argumento de que o capitalismo seria o sistema econômico que mais teria chances de conseguir as conquistas espirituais de vencer a pobreza e encorajar a criatividade humana, morreu nesta sexta-feira (17) em sua casa, em Washington. Ele tinha 83 anos.
A causa da morte foram as complicações de um câncer de cólon, segundo sua filha, Jana Novak.
Novak, que passou seus anos de formação no seminário, era reconhecido amplamente como um dos teólogos católicos mais influentes de sua geração. Ele recebeu, em 1994, o prêmio Templeton, que homenageia figuras que ofereceram “contribuições excepcionais para a afirmação da dimensão espiritual da vida” e é acompanhado por uma compensação monetária que excede a do Prêmio Nobel.
Como indicação do tamanho da influência de Novak na Igreja Católica, basta dizer que ele foi recebido e consultado pelos papas João Paulo II e Bento XVI. Ele foi por vezes professor, colunista, chefe da delegação dos EUA na Comissão de Direitos Humanos da ONU e, ao longo de várias décadas, pesquisador do American Enterprise Institute (AEI), um “think tank” conservador de Washington.
Novak constava entre os vários pesquisadores que “trouxeram para Washington o pensamento religioso sério, de um modo que não estava presente aqui antes”, disse, em entrevista, George Weigel, um membro distinto do Ethics and Public Policy Center de D.C.
Weigel credita Novak por ter demonstrado a “um público de figuras de fora (da Igreja)” um “modo de pensar que não era meramente estatístico ou ideológico, mas que talvez refletisse mais profundamente as eternas questões e problemas humanos”.
Capitalismo democrático
Novak foi autor de toda uma biblioteca de livros sobre assuntos que vão desde armas atômicas ao ateísmo e até a justiça social nos esportes. Mas o que o tornou famoso foram os seus escritos econômicos, em particular o livro “O Espírito do Capitalismo Democrático” (1982).
“O capitalismo democrático”, diz ele, “não é o próprio Reino de Deus, tampouco um sistema sem os seus pecados. Porém, todos os outros sistemas conhecidos de economia política são piores. As esperanças que temos de aliviar a pobreza e combater a tirania opressora – talvez a nossa última e melhor esperança – repousa nesse sistema tão desdenhado”.
“O capitalismo democrático não é o próprio Reino de Deus, tampouco um sistema sem os seus pecados. Porém, todos os outros sistemas conhecidos de economia política são piores. As esperanças que temos de aliviar a pobreza e combater a tirania opressora – talvez a nossa última e melhor esperança – repousa nesse sistema tão desdenhado.”
O livro de Novak encontrou ressonância no mundo inteiro. Ele foi distribuído ilegalmente na Polônia, onde o movimento Solidariedade ajudou a vencer o comunismo. Seus escritos influenciaram Vaclav Havel, o dramaturgo dissidente que se tornou o primeiro presidente da Checoslováquia pós-comunista, e a Primeira Ministra Margaret Thatcher, na Inglaterra.
Em questões em todo o Atlântico, Novak foi um crítico vigoroso da Teologia da Libertação, tal como posta em prática na América Latina, onde muitos aderentes argumentam que a Igreja deveria fornecer libertação econômica para os pobres através de ideologias políticas de esquerda.
Raiz da dignidade humana
Os críticos de Novak o acusam de ignorar as desigualdades severas que são muitas vezes obra do capitalismo: “Michael Novak prega as virtudes do capitalismo para os cristãos”, escreveu Arthur Jones, colunista do National Catholic Reporter. “Uma mudança de verdade será quando ele pregar simultaneamente as virtudes cristãs para os seus apoiadores capitalistas”.
Novak reconheceu que “o judaísmo e o cristianismo não precisam do capitalismo democrático”. Mas, continuava, “acontece só que, sem ele, eles seriam mais pobres e menos livres”.
Na esfera dos negócios internacionais, Novak travou embates com os líderes da igreja sobre os ensinamentos católicos em torno do tema da “guerra justa”. Ele via o elemento intimidador da ameaça nuclear como um meio moral de prevalecer contra a União Soviética na Guerra Fria e derrotar o que Weigel disse que ele e outros pensadores alinhados a ele consideravam a “visão defeituosa e degradada da pessoa humana” mantida pelo comunismo.
“O judaísmo e o cristianismo não precisam do capitalismo democrático. Acontece só que, sem ele, eles seriam mais pobres e menos livres”
Foi sob o presidente Ronald Reagan que Novak serviu no órgão de direitos humanos da ONU. O comunismo, diz Weigel, explicando o posicionamento seu e de Novak, “negava que a pessoa humana era feita à imagem e semelhança de Deus, e, segundo propomos, é essa imagem em nós que é a raiz da dignidade humana da qual brotam os direitos humanos”.
Na arena cultural, Novak escreveu com sinceridade sobre “o feminismo radical, a libertação gay, o socialismo utópico e o neutralismo geopolítico” e “o radicalismo barato dos recém-formados... das universidades católicas”. Mas ele também atraiu elogios pelo modo aberto com o qual abordou o diálogo religioso em livros como o seu “No One Sees God: The Dark Night of Atheists and Believers” (“Ninguém Vê Deus: A Noite Escura de Ateus e Crentes”, em tradução livre, publicado em 2008, ainda inédito no Brasil).
“A linha entre a crença e a descrença”, ele escreveu, “não é traçada entre uma pessoa e a outra, normalmente, mas no âmago das almas de todos nós, em vez disso”.
Biografia
Michael John Novak Jr. nasceu numa família de ascendência eslovaca em Johnstown, Pennsylvania, no dia 9 de setembro de 1933. Seu pai era vendedor de seguros e sua mãe era dona de casa. Um dos seus irmãos, Richard Novak, se tornou padre e morreu em meio ao caos político de Bangladesh em 1964.
Novak entrou para a Congregação de Santa Cruz aos 14 anos e estudou para o sacerdócio, mas acabou abandonando a ordem.
“Não é raro que meninos católicos inteligentes, idealistas, queiram entrar para o sacerdócio, apesar de o seu círculo imediato de amigos achar que você é meio doido por isso”, disse Novak ao New York Times em 1982. Ele disse que tinha aspirações para ser romancista, mas “não conseguia ver como seria possível a independência para pensar e viajar como eu queria estando dentro da comunidade e sob votos de obediência”.
Seu primeiro livro, um romance chamado “The Tiber Was Silver” (“O Rio Tibre é Prateado”, 1961), girava em torno de um seminarista norte-americano que viajava para Roma e se debatia com as dúvidas sobre se seria possível seguir sua vocação religiosa junto com seu amor pela pintura.
Novak se formou com um bacharelado em filosofia pela Stonehill College em Easton, Massachusetts, em 1956, depois um bacharelado em teologia sacra pela Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma em 1958 e um mestrado em história e filosofia da religião pela Harvard University em 1966.
Ele se posicionava inicialmente dentro do que descrevia como a “esquerda anticapitalista”. Nos primeiros anos da sua carreira, ele lecionou numa lista de universidades que incluía a Stanford University, a State University of New York e a Syracuse University, e trabalhou com políticos do Partido Democrata, incluindo o Senador George S. McGovern, S.D., defensor das políticas liberais, apesar de ter perdido de lavada as eleições para o presidente Richard M. Nixon, em 1972.
Novak apoiava a liberalização da Igreja Católica suscitada pelo Segundo Conselho do Vaticano na década de 1960 – um posicionamento que ele mesmo renegou depois – e se opôs a ensinamentos da Igreja como a proibição de métodos contraceptivos. Seus primeiros escritos de tendência liberal incluíam um livro chamado “The Open Church” (“A Igreja Aberta”, 1964), sobre os efeitos do Conselho, e “A Theology of Radical Politics” (“Uma Teologia da Política Radical”, 1969).
Virada à direita
Ao longo dos vários anos que se seguiram, Novak passou a pender para a direita, econômica e culturalmente – uma evolução que ele mesmo detalhou em seu livro de memórias, “Writing from Left to Right: My Journey From Liberal to Conservative” (“Escrevendo da Esquerda para a Direita: Minha Jornada de Liberal a Conservador”, 2013).
A recepção fria do seu livro “The Rise of the Unmeltable Ethnics” (“A Ascensão de Etnias Não Misturáveis”,1972) contribuiu para a sua crescente desilusão com a esquerda. Nesse volume, ele criticou o que enxergava como a marginalização dos imigrantes da classe trabalhadora vindos do leste europeu, bem como outros grupos étnicos, pelo establishment da elite de maioria protestante.
Em 1978, Novak entrou para o AEI, do qual se aposentou em 2010. À época de sua morte, ele trabalhava no corpo docente da Catholic University.
“Ele não é ‘o Cara lá de cima’, nem a voz altissonante que nos filmes de Hollywood passa por Deus... Há multidões de falsas imagens de Deus: o Relojeiro por trás do céu, o titereiro da história. Se você quiser encontrá-lo, procure por ele em quietude e humildade – talvez entre as coisas destituídas e esmigalhadas da terra”
A esposa de Novak, com quem foi casado por 46 anos, Karen Laub, morreu em 2009. Ele deixou três filhos, Richard L. Novak, de San Antonio, Tanya Holton, de Boston, e Jana Novak, de Oklahoma City; uma irmã, Mary Ann Novak, de Washington; um irmão, Benjamin Novak, de Ave Maria, Flórida; e quatro netos.
Com sua filha Jana, Novak escreveu “Tell Me Why: A Father Answers His Daughter’s Questions About God” (“Diga-me o Porquê: um Pai Responde às Perguntas de sua Filha Sobre Deus”, 1998). Nesse volume, ele articulava a sua ideia do que é – e o que não é – Deus.
“Ele não é ‘o Cara lá de cima’, nem a voz altissonante que nos filmes de Hollywood passa por Deus... Há multidões de falsas imagens de Deus: o Relojeiro por trás do céu, o titereiro da história”, ele escreveu. “Se você quiser encontrá-lo, procure por ele em quietude e humildade – talvez entre as coisas destituídas e esmigalhadas da terra”.
“Há pessoas”, ele continua, “que olharam nos olhos dos mais abandonados dos pobres e lá enxergaram tesouros infinitos, tesouros sem preço, e lá encontraram a morada de Deus”.
Emily Langer é a repórter dos obituários do The Washington Post. Já escreveu sobre líderes nacionais e mundiais, figuras célebres na ciência e nas artes e heróis de tudo quanto é tipo.
Tradução: Adriano Scandolara