São Paulo - Morreu terça-feira, aos 103 anos, por insuficiência respiratória, o dançarino japonês Kazuo Ohno. Nascido na cidade de Hakodate, Hokkaido, em 1906, ele foi referência no mundo por ter criado, nos anos 1960, junto com Tatsumi Hijikata, o gênero de teatro-dança conhecido como butô.
Ohno estava internado em um hospital em Yokohama e morreu às 16h38 de terça-feira (horário do Japão). Em São Paulo, vários representantes da dança e do teatro estabeleceram forte conexão com o estilo criado por ele.
Foi o diretor Antunes Filho que o apresentou ao Sesc, na década de 1980, o que resultou em três memoráveis apresentações do dançarino em São Paulo e outras cidades, em 1986, 1992 e 1997.
O butô, no entanto, já havia sido introduzido no Brasil na década de 1970 pelo japonês Takao Kusuno (1945-2001), que, por sua vez, influenciou artistas brasileiros como Emilie Sugai, José Maria Carvalho, Key Sawao, Ricardo Iazzetta, Ismael Ivo e Denilton Gomes.
O estilo criado por Ohno, manifestação artística que articula uma espécie de comunhão entre o plano espiritual e o organismo, fazia emergir, de movimentos retorcidos e lentos, às vezes trêmulos mas firmados pela precisão de maquiagem branca, imagens tétricas, maliciosas e inebriantes. As marcas deixadas pela Segunda Guerra nos japoneses e a tragédia provocada pelas bombas que atingiram Hiroshima e Nagasaki foram relacionadas à sua criação, que, de fato, buscava brechas e sugestão de imagens do inconsciente coletivo.
O nu e o travestimento também são legados que Ohno disseminou por gerações que seguiram à sua. Uma de suas principais influências, além do trabalho de Tatsumi Hijikata, foi a dança moderna e, em especial, o trabalho da dançarina argentina de flamenco Antônia Mercé.
Há registros importantes de seus trabalhos no Brasil, incluindo fotos e imagens em vídeo guardados pelo Sesc e pela Fundação Japão. A Cosac Naify também publicou, em 2003, uma coleção de fotografias de Emidio Luisi, com textos de Inês Borgéa, em um livro de 160 páginas.
Coreógrafo tinha força cênica "inigualável"
Dançarino e coreógrafo, Kazuo Ohno teve grande influência nas artes dramáticas no Brasil. Ele se apresentou no país em algumas ocasiões a primeira em 1986 e era celebrado entre dramaturgos como Antunes Filho, que o chamou de "meu guru".
"O grande legado dele é a luz. Ele me ensinou a trabalhar com o inconsciente, foi fundamental em meu trabalho. Estive com ele em sua festa de cem anos, em Tóquio. Sua morte me deixa em pânico. Perdemos uma presença espiritual, que mexia com arquétipos, impulsos, pulsões desejantes dentro da gente. Deu uma nova cartografia aos nosso desejos. Hoje, não há mais espaço para criadores como ele. Estamos na sociedade da hiperrealidade: é muito materialismo, um capitalismo cada vez mais devastador", diz Antunes Filho. diretor de Foi Carmem, inspirado por Ohno.
"Simplicidade, profundidade, concentração: daí vem a perfeição na arte. Toda a conexão que tenho com essa filosofia veio a partir dele, e conectada com a língua de movimento que ele desenvolveu", diz a coreógrafa Deborah Colker. "Tudo começa no organismo, nas vísceras, no movimento interno. E o trabalho do Kazuo Ohno tem relação com o que está acontecendo dentro do corpo, na natureza do próprio indivíduo. A essência da dança é essa".
Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do Grupo Corpo, diz que Kazuo Ohno criou uma nova dinâmica cênica, que era a "não-dinâmica". "Ele mostrou que o gesto podia ter um outro tempo, muito mais lento, e que poderia haver até mesmo uma economia quase total de gestos no palco. Ele mexeu com tudo que se pensava sobre dança, ao mostrar essa dança econômica, na qual um pequeno movimento, o menor gesto, pode dizer muita coisa."
Sagrado
"A força cênica de Kazuo Ohno era inigualável. Quando ele subia num palco, parecia transcender a tudo com sua riqueza física. Para mim, ele está num lugar sagrado, num lugar a que nenhum outro criador da dança chegou até hoje", diz Sandro Borelli, coreógrafo da companhia que leva seu nome. E continua: "Vê-lo se movimentar me fazia entrar numa outra esfera, num outro mundo, diferente de tudo que eu já tinha assistido ou vivido. Para mim, a dança ficou mais pobre".
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