Depois de enfrentar uma longa enfermidade, o escritor italiano Antonio Tabucchi morreu no último domingo, aos 68 anos, em Lisboa, Portugal. A notícia foi divulgada pelo seu tradutor francês, Bernard Comment, que não revelou mais detalhes sobre a doença. Ele deverá ser enterrado na capital portuguesa na quinta-feira.
Considerado um dos principais escritores italianos contemporâneos, Tabucchi deixa mais de 20 livros traduzidos para mais de 40 idiomas, obras como Noturno Indiano (1984), Réquiem (1992) e Afirma Pereira (1994). No Brasil, ele foi editado pela Rocco e, mais recentemente, pela Cosac Naify, que lançou O Tempo Envelhece, em 2010.
Naquele ano, aliás, Tabucchi foi convidado para vir à Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, mas cancelou a vinda por problemas lombares. Reconvidado em 2011, o escritor desistiu novamente, dessa vez por motivos políticos ele discordou da decisão da Justiça brasileira de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, acusado de participar de quatro assassinatos durante a luta armada que marcou a Itália nos anos 1970. Seu comprometimento político, aliás, era notório. Crítico do governo do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, Tabucchi foi convocado, em 2008, pelo presidente do Senado, Renato Schifari, para dar explicações sobre um artigo que publicara, no jornal diário LUnitá, no qual questionava o político sobre um passado duvidoso, marcado por negócios e amigos, como Berlusconi.
Pessoa
O principal legado de Antonio Tabucchi, no entanto, é o literário. O universo de sua prosa sempre compreendeu o território da ambiguidade, do equívoco, da fabulação, da teatralidade, do avesso e da mentira. Em Réquiem, por exemplo, ele trata da morte quase que com felicidade, ao narrar a trajetória de um homem que, ao ler O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, sofre uma alucinação e se vê em Lisboa, onde busca pessoas e coisas que desapareceram da sua vida. Uma espécie de Alice no País das Maravilhas em que Wonderland é a capital portuguesa.
E a menção a Pessoa não é fortuita Tabucchi descobriu a tradução francesa do poema "Tabacaria" (assinado pelo heterônimo Álvaro de Campos) em 1962, quando estudava literatura em Paris. Fascinado, voltou à Itália, aprendeu a língua portuguesa e se tornou o principal divulgador da obra de Pessoa em seu país, iniciando uma série de visitas a Lisboa até fixar a cidade como uma de suas moradias. "Devo a Fernando Pessoa minha fé na narrativa, porque foi por meio de sua poesia que consegui construir um universo literário", disse, certa vez, em uma de suas raras entrevistas.
É em Lisboa, por exemplo, que se passa a história de Afirma Pereira, transformado em filme pelo cineasta Roberto Faenza em 1995, protagonizado por Marcello Mastroianni. Pereira é um modesto jornalista de meia-idade, que troca uma rotina medíocre por atos corajosos contra a ditadura salazarista. Ambientado em 1938, o livro alcançou grande sucesso e Pereira se tornou um símbolo da defesa da liberdade de informação para os adversários políticos de todos os regimes antidemocráticos.
Já em A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro (1997), Tabucchi propõe uma reflexão sobre o abuso policial, a tortura, a marginalização e as minorias étnicas ao se inspirar na história verídica de um homem cujo cadáver foi encontrado decapitado em um parque da cidade do Porto descobriu-se depois que o homem havia sido assassinado em uma estação da Guarda Nacional Republicana.
Novamente, prosador de um estilo refinado, o escritor não abriu mão de uma crítica sutil permanente. E, como sempre, criou uma literatura com um delicioso sotaque cosmopolita, exibindo na prosa a elegância da poesia.
STF terá Bolsonaro, bets, redes sociais, Uber e outros temas na pauta em 2025
Estado é incapaz de resolver hiato da infraestrutura no país
Ser “trad” é a nova “trend”? Celebridades ‘conservadoras’ ganham os holofotes
PCC: corrupção policial por organizações mafiosas é a ponta do iceberg de infiltração no Estado
Deixe sua opinião