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Um dos grandes mistérios da música, no século 18, era a partitura de uma composição executada apenas na Capela Sistina. O Miserere, composto pelo italiano Allegri dois séculos antes, fazia parte das celebrações da Semana Santa. Era tocada duas vezes por ano, na quarta-feira da Paixão e na Sexta-feira Santa. O Papa considerava a obra como parte do patrimônio da Igreja. Nem mesmo os cantores tinham o direito de copiar a partitura, da qual supõe-se que existiam apenas três cópias. O segredo não teria como ser violado. O menino Wolfgang Amadeus Mozart, de apenas 14 anos, porém, conseguiu a partitura para ele. Como? Simples. Foi à Capela Sistina, assistir à cerimônia na quarta-feira. Chegando em casa, escreveu tudo de cor – e pronto. Na Sexta-Feira Santa, voltou e corrigiu um ou outro detalhe.

A história dá uma idéia do assombro que as habilidades de Mozart sempre provocaram. São famosas as histórias de seu gênio precoce: o garoto que compôs a primeira obra aos 4 anos era capaz, aos 12, de escrever uma ópera encomendada pelo imperador e regê-la ele próprio. Só uma coisa na história de Mozart é mais espantosa do que a precocidade de seu talento: o fato de ele ter evoluído ainda mais com o tempo, tendo se transformado – mesmo quando adulto – em um compositor inexplicável. É como se ele tivesse atingido a maturidade muito cedo. E depois de adulto, tivesse chegado a um outro estágio ainda superior.

O gênio de Mozart será celebrado em todo o mundo a partir de amanhã, quando se completam 250 anos de seu nascimento. Nascido em 1756, em Salzburgo, na Áustria, o compositor terá um ano de homenagens em todo o mundo. O motivo é simples. Nos 35 anos que teve para viver, Mozart conseguiu criar uma obra que influenciou toda a história da música. Fez algumas das óperas mais importantes de todos os tempos, criou dezenas de concertos considerados perfeitos, escreveu um dos mais impressionantes conjuntos de sinfonias da história e se transformou em um dos maiores compositores de música de câmara.

"Cada pessoa tem suas razões específicas para gostar de Mozart", afirma o oboísta Alex Klein, fã declarado do compositor. "Pessoalmente, acho que ele é admirável por ter seguido fazendo em sua vida aquilo em que acreditava, apesar das contestações", diz. Para os padrões do século 18, dizia-se que a música de Mozart era um pouco exótica: tinha modulações demais. Tinha notas demais. "Ele respondeu a isso dizendo ao imperador que não havia notas demais, apenas o número exato", conta Klein.

O maestro Osvaldo Colarusso, que considera alguns trechos da música de Mozart "caso de polícia", pelo grau de perfeição atingido, costuma dizer que um dos fatos impressionantes sobre o compositor é ele ter conseguido fazer tudo o que fez justo na época em que a burguesia tomava o poder na Europa. Menos preparados para as sofisticações do Barroco, os burgueses exigiam uma música mais simples de ser entendida, o que impunha restrições ao trabalho de um compositor. Sempre lembrando que até esse período os músicos normalmente trabalhavam sob encomenda: eram como funcionários de luxo, que faziam suas obras para atender ao gosto desse ou daquele grupo.

As limitações podem até mesmo ter impelido Mozart a criar algumas das características mais marcantes de sua obra. "A música dele é de uma clareza impressionante", afirma o compositor Harry Crowl. "Ele tinha uma facilidade muito grande com melodia, mas sempre equilibrando isso com o uso da harmonia, do contraponto", lembra. Ou seja: conseguia fazer música altamente sofisticada sob uma aparência de simplicidade. "Isso tem muito a ver com o pensamento iluminista da época, que pedia idéias diretas, sem o rebuscamento do Barroco", comenta.

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