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Quando o assunto é o mito de Carmen Miranda (1909 – 1955), a conversa quase sempre toma dois rumos. Um deles é a forma como a cantora-atriz-estilista-bailarina exportou a cultura brasileira – para muitos, de forma estereotipada. Outro viés, comportamental, dá conta das atitudes da Pequena Notável, consideradas ousadas para as mulheres de sua época.

Autor de uma recém-lançada biografia sobre a artista, o escritor Ruy Castro se esforçou para mudar o foco do de debate. "O fato de eu aparecer na orelha do livro mostrando um disco gravado por ela não é à toa. Quis mostrar que a Carmen não é apenas Hollywood e banana na cabeça. Ela foi uma grande cantora, uma das maiores do Brasil", afirma Castro, autor de livros sobre Nelson Rodrigues e Garrincha.

Com 600 páginas, Carmen (Companhia das Letras, R$ 55) é a maior biografia de um artista brasileiro já publicada. Fruto de um intenso trabalho de pesquisas – que durou três anos e contou com cerca de 170 entrevistas –, o livro também serve como um interessante panorama do Rio de Janeiro dos anos 20 e 30. O mesmo vale para o ambiente hollywoodiano das décadas de 40 e 50, retratados por meio da "fase americana" da cantora.

Portuguesa de nascimento, Carmen Miranda chegou ao Brasil em 1909, aos dez meses. De família pobre e extremamente católica, desde sempre se interessou por moda, música, dança e atuação. Mas foi a partir da vivência na Lapa que seu talento desabrochou. Para Castro, um dos grandes destaques de sua pesquisa está justamente na conclusão de que o lendário bairro carioca foi fundamental para a formação da artista. "A Lapa daquele tempo resume a Carmen. De dia, era um lugar católico, com sua igreja, seminário, convento e colégio religioso, onde ela estudou. À noite, aquilo se transformava num ambiente mundano e altamente cosmopolita", explica.

Outro segmento revelador do livro dedica-se a narrar o dia-a-dia de Carmen nos EUA. Sua casa era uma espécie de mini-consulado brasileiro em Los Angeles, onde ela recebia personalidades de todas as áreas. Ao fim do livro, uma minuciosa descrição das últimas horas de vida da cantora surpreende até os maiores conhecedores de sua trajetória. "Conversei com testemunhas oculares, algumas delas morreram antes de eu terminar a biografia. Não tenho essa prepotência, essa presunção do Antunes Filho de falar de algo que eu não conheço", garante o escritor, alfinetando o diretor teatral que montou um espetáculo inspirado na diva (e exibido em Curitiba durante o Festival de Teatro deste ano).

Castro lamenta que, de forma geral, esse tipo de homenagem se limite aos "grandes clichês" relacionados a Carmen. Ele tem razão: pouco se fala da cantora moderna, divulgadora do samba e precursora da bossa nova. Tampouco da atriz elegante, dona de uma naturalidade e limpeza gestual impressionantes. "Para os críticos de cinema da época, qualquer filme americano, colorido e musical era ruim", diz o autor, referindo-se ao preconceito enfrentando pela artista a partir de sua transferência para os EUA. "Essa vergonha que o Brasil passou a ter da Carmen começou com o desenvolvimentismo dos anos 50 e 60. Com a onda de progresso a todo custo, ficou desagradável ter como referência internacional alguém que tinha como símbolo bananas na cabeça", acrescenta.

Os direitos de Carmen, a biografia, já foram comprados pela Rede Globo, que pretende transformá-la em minissérie daqui a dois anos. Enquanto isso, o agente de Ruy Castro negocia a publicação do livro no exterior e estuda propostas para adaptá-lo ao cinema – uma das companhias interessadas é a Fox Films. Cinqüenta anos depois de sua morte, Carmen Miranda ensaia uma volta triunfal.

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