• Carregando...

A Música Popular Brasileira (assim mesmo, com letras maiúsculas,tamanha sua importância dentro do cenário da cultura nacional) reproduz um paradigma onipresente na história do país desde os tempos das capitanias hereditárias. Da política – Antônio Magalhães Neto e Aécio Néves (neto de Tancredo) estão aí para provar – às artes, o caminho é quase sempre mais fácil para quem tem um sobrenome famoso e cresceu cercado de gente que manda ou tem influência.

Na música, esse "fenômeno" talvez seja ainda mais evidente. Se no chamado pop brega, Wanessa de Camargo (uma das netas de Francisco) e Sandy (filha do sertanejo Chororó) são princesas com ambição de chegar à coroa, em esferas mais elevadas, na chamada MPB séria, exemplos transbordam. Maria Rita é a herdeira de Elis Regina; Moreno Veloso tenta construir uma carreira alternativa, sem tantos vínculos com Caetano; e Daniel Jobim, neto de Tom, acaba de emplacar um tema na novela das oito.

E a lista prossegue – ad infinitum.

Seria leviano e preconceituoso negar aos rebentos de artistas consagrados a chance de provar a que vieram. Afinal, são filhos de Deus e merecem seu lugar ao sol, ainda que os atalhos proporcionados pela genética privilegiada sejam tão inegáveis quanto inevitáveis. Mas, se houver talento comprovado envolvido, essa modalidade de nepotismo light torna-se mais palatável (ou desculpável, conforme o ponto de vista). Esse é o caso da filha do sambista Martinho da Vila, a cantora carioca Mart’nália.

Por seu antecedentes e influências familiares, a artista estava destinada a ser cantora de samba e ponto final. A seu favor, o livre acesso aos bambas do gênero do qual seu pai é um dos maiores expoentes vivos. Acontece que Mart’nália resolveu tomar novos rumos. Seu novo CD, intitulado Menino do Rio, prova que, embora tenha samba correndo nas veias, a moça quer sobrevoar outros territórios. Buscando fugir de estigmas, a cantora disse ao Caderno G que não se prende a apenas um gênero musical: "Claro que canto samba, são minhas raízes falando alto, mas também quero estar em contato com música da minha geração", afirma, assumindo seu flerte com a chamada "nova MPB" e com vertentes com pop nacional.

"Quando eu era criança, eu viajava à Bahia com meu pai, onde ouvi muito samba-de-roda e tive muito contato com candomblé. Mas, como muita gente da minha idade, aprendi a adorar Michael Jackson, Stevie Wonder, funk, rock. Caminho por tudo", diz.

O desejo de concretizar essa proposta de diversidade, que reflete suas preferências musicais, foi fortalecido com o encontro com a cantora baiana Maria Bethânia, produtora de Menino do Rio. "Ela pediu que eu trouxesse toda minha bagagem, sem preconceitos. Que eu tentasse montar um repertório que reproduzisse minha sensibilidade, tudo que faz a artista que eu sou".

O samba, como não poderia deixar de ser, é presença forte no CD. O diferencial está no fato de que Mart’nália foi beber em fontes diversas: cariocas ("Pra Mart’nália", de Fred Camacho/Jorge Agrião, e "Origem da Felicidade", de Celso Fonseca, por exemplo), no estilo do samba-de-roda do Recôncavo Baiano ("Nas Águas de Amaralina", de Martinho Vila/Nelson Ruffino, e "Casa da Minha Comadre", de Roque Ferreira/Jorge Agrião) e de compositores pop, como Ana Carolina ("Cabide").

Por conta do pedido de Bethânia, a filha de Martinho passou a mão na sua agenda de telefones e, sem pudor, foi procurar compositores que gosta, que têm ressonância em sua sensibilidade. Procurou Adriana Calcanhotto, Marisa Monte e Marina Lima, entre outros. Gravou Zélia Duncan, Paulinho Moska e Leoni.

Duncan, com quem já havia escrito a belíssima "Benditas", aparece em "Sem Perdão a Vida É Triste Solidão", parceria com Ana Costa e a própria Mart’nália. Moska e Leoni assinam "Soneto do Teu Corpo", sensualíssima canção que canta as delícias e mistérios do corpo feminino. Moska é, ainda, parceiro de Mart’nália em "Essa Mania", versão para uma canção que ela ouviu na ilha de Reunião, no oceano Índico, onde ministrou um workshop de percussão.

Mombaça, parceiro em "Pretinhosidade", e Totonho Villeroy, autor de "São Sebastião", completam esse painel de geração de Mart’Nália, hoje com 40 anos.

Canção-título

A escolha de "Menino do Rio", clássico oitentista de Caetano Veloso, para intitular o disco foi sugestão de Bethânia. A canção surge no CD, em uma mesma faixa, como "Estácio Holly Estácio", de Luiz Melodia. "No início não entendi bem e não me vi cantando ‘Menino do Rio’. Depois, percebi que eram duas cidades: o Rio solar, das praias, e o Rio do samba, do Estácio", diz.

Gravar Caetano, para ela, também foi uma maneira de fazer uma ligação entre o novo disco e Pé do Meu Samba (2002), CD produzido e batizado pelo irmão de Bethânia. "Para mim, que sou espiritualista, é uma maneira de tudo se encaixar. Caetano é meu padrinho artístico", diz.

A grande contribuição de Bethânia ao projeto, entretanto, foi a ênfase dada à Mart’nália intérprete. "Ela me disse que era hora de eu mostrar a minha voz. Ensinou-me a sentir o significado das letras, porque sempre fui mais ligada às melodias. Alegou não querer muitos instrumentos: ‘Quero Você’, foi o que ela disse" , conta Mart’nália.

Para conseguir o que desejaria, Bethânia escalou como diretor musical Jaime Alem, seu braço direito e maestro em todos os seus trabalhos mais recentes. GGGG

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]