Alice Ruiz: visita guiada da mostra sobre Leminski| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

180 mil pessoas

visitaram a exposição Múltiplo Leminski desde 27 de outubro de 2012. A partir de 11 de julho, a mostra estará aberta para visitação no Ecomuseu, em Foz do Iguaçu.

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Leminski costumava andar sobre muros estreitos para aperfeiçoar seu equilíbrio. No início dos anos 1970, em uma tarde de outono, lá estava ele, de braços abertos e bigode a postos. Caminhava lentamente sobre o muro que meiava sua casa com a do vizinho quando viu um táxi encostando. Caetano Veloso e Gal Costa chegavam para visitar pela primeira vez o casal Alice Ruiz e Paulo Leminski. Quase fizeram meia volta, de tão assustados.

O causo foi um dos que brotaram na última quintafeira, quando a companheira do inquieto poeta acompanhou cerca de 50 pessoas em uma visita guiada pela exposição Múltiplo Leminski, que, depois de receber 180 mil espectadores, encerra amanhã sua temporada no Museu Oscar Niemeyer (MON).

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O fim da exposição também coincide com o feito de Toda Poesia, antologia de poemas do bigodudo. "Não me surpreendo com o fenômeno, porque o interesse pela obra sempre existiu. Mas não sabia que ele iria derrubar, com um golpe de karatê, um best-seller indecente, machista e de mau gosto", disse Alice, se referindo ao livro Cinquenta Tons de Cinza, da inglesa E. L. James.

Para a pessoa que mais conviveu com um sujeito "cheio de contradições", estar em meio a tanto Le­­minski não foi como estar em casa. "Levei muitos anos para aprender a me distanciar. Isso aqui, hoje, é o meu trabalho", disse.

Com a ajuda de um microfone portátil, Alice conduziu a turma de idade sortida por pouco mais de uma hora. "Paulo sempre gostou de falar", afirmou, apontando para uma foto em que o polaco aparecia ao lado de Haroldo de Campos. "Foi com essa carinha que eu o conheci."

Colega de profissão, Alice correu o risco natural de ficar eternamente à sombra de seu marido. Por isso, talvez, surjam rompantes de autoafirmação. "Poderíamos passar uma hora falando sobre isso porque entendo à beça. Mas vamos só dizer que Paulo era virgem com ascendente em peixes com uma lua sem-vergonha em escorpião", contou, apontando para o mapa astral do autor de Catatau. "Para ler esse livro, você precisa entrar na frequência dele. Não basta apenas chegar com a sua frequência."

Perguntas surgiram, e Alice fez questão de corrigir um interlocutor que chamou Helena Kolody de "poetisa" e não de poeta; e de declarar afeto instantâneo a outro visitante, que inverteu o jogo e perguntou a influência de Alice na obra de Leminski. "Vou pular por cima dessa vitrine e te dar um beijo. Sim, porque é a coisa mais rara do mundo as pessoas fazerem esse tipo de pergunta," entusiasmou-se.

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Depois de explanar sobre a "sensação de exílio na Terra", experimentada pelo poeta, Alice quis saber que horas eram. "Oito", alguém respondeu. "Estamos perdendo a apresentação musical das meninas lá na outra sala. Vamos?", perguntou, ansiosa, antes de ouvir as palmas de despedida.

Repercussão

Coral Brasileirinho suspende ensaio para fazer "olhos brilharem"

Entre os que acompanharam a visita guiada por Alice Ruiz, havia senhores interessados na religiosidade do poeta ("quando o levei ao candomblé, ele levou um soto-gari de um Oxóssi incorporado", lembrou Alice), admiradores fiéis (como a senhora que caminhou por todo o MON com o livro Toda Poesia junto ao peito), desavisados (como a jovem estudante de psicologia Ana Clara, para quem Paulo Leminski pouco significava até então), e inúmeras crianças, que se surpreenderam, principalmente, quando a esposa de Leminski mostrou a veterana máquina de escrever em que o poeta trabalhava.

O público infantil fazia parte do Coral Brasileirinho, que cancelou o ensaio da última quinta-feira para acompanhar a exposição. "Olhos brilharam", contou Milton Karam, regente do coral.

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O primo do escritor Manoel Carlos Karam diz que, com a visita, conseguiu absorver um pouco mais do processo criativo de Leminski. E entender suas diversas motivações para fazer tudo o que fazia – de poesia concretista a HQs com toques pornográficos. "Saio daqui com vontade de compor e de escrever. A exposição nos estimula a percebermos o mundo de outra forma. Saio embebido disso", contou Karam, satisfeito.

Antes do encerramento da visita, o músico parou por um longo tempo em frente a uma poesia. "Dai-me/ senhor/ uma só asa/ e nunca mais/ volto pra casa." Karam se perguntou como podia, em tão poucas palavras, um sujeito dizer tanta coisa. "É isso que precisa transbordar para o mundo", afirmou, com um largo sorriso no rosto.