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Em entrevista recente concedida à revista semanal Época, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), ao ser indagado sobre qual teria sido sua maior desilusão nos últimos anos, respondeu sem titubear: "O socialismo". Vinda de um ex-militante de esquerda, que lutou contra o regime militar na clandestinidade e permaneceu exilado vários anos por conta de suas crenças políticas de juventude, a afirmação é significativa e digna de reflexão.

A verdade é que homens e mulheres inteligentes, capazes de compreender seu tempo e as mudanças ao seu redor, têm de estar preparados para mudar de opinião, alterar o rumo de seus ideais, sob o risco de se tornarem anacrônicos, petrificados ao insistirem em metas inatingíveis, utópicas, e idéias que já não fazem tanto sentido dentro de uma nova ordem geopolítica.

Diante dessa constatação, o relançamento de obras como A Revolução dos Bichos (Companhia das Letras, 152 páginas; R$ 22), de George Orwell, é muito pertinente. Sobretudo por conter a visão de um intelectual de esquerda que se viu estarrecido diante dos rumos autoritários, corruptos e desumanos tomados pelo comunismo na Rússia pós-1917.

A Revolução dos Bichos é um inventivo misto de sátira e parábola, lançado nos derradeiros momentos da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Orwell, cujo verdadeiro nome era Eric Blair, embora fosse socialista confesso, criticava abertamente o comunismo. Tanto que o alvo do livro é a União Soviética e o autoritarismo stalinista. Vale lembrar que, à época da sua primeira publicação, em razão de a URSS ser aliada da Inglaterra contra o nazi-fascismo, o autor teve sérias complicações ao publicar a obra.

O enredo

A trama de A Revolução dos Bichos se desenrola numa pequena fazenda do interior da Inglaterra. Em seus últimos dias de vida, um porco, conhecido como Velho Major, convoca os animais da propriedade com o objetivo de expor um sonho que havia tido na noite anterior. Começa por criticar o fato de os bichos sempre terem sido subjugados ao homem, apesar deste ter capacidades inferiores às de todos eles. O suíno reforça seu ponto de vista, afirmando que "o ser humano é a única criatura que consome sem produzir".

O sonho do Velho Major, portanto, é que os animais se libertem uma vez por todas do homem e construam, livres, a sua própria História. Alguns dias depois, ele morre, deixando no ar suas palavras, que reverberam e fazem com que os animais pensem na ruptura de sua relação milenar de servitude aos humanos. Assim nasce o Animalismo.

Todos os animais da propriedade se reúnem em segredo, planejando um levante. Desde muito cedo, no entanto, os porcos assumem a liderança do movimento, de onde se distinguem o autoritário Napoleão, em clara referência a Stalin, e o mais racional e democrático Bola-de-Neve, que representaria Trotski. Aos poucos, portanto, o Animalismo toma forma e ganha donos.

A primeira vítima do movimento é o dono da propriedade: o sr. Jones, agricultor que costumava tratar bem dos seus animais, mas que, devido ao alcoolismo, passa a negligenciá-los. Um dia, quando volta da taberna, completamente embriagado, esquece-se de alimentar os animais, o que desencadeia a revolta. O fazendeiro acaba expulso pelos animais, que destroem todos os símbolos da sua opressão e comemoram a nova vida de liberdade com uma generosa dose de ração extra.

Mandamentos

Como conseqüência do motim, os porcos, que já tinham sido líderes da revolução, por serem considerados "os mais inteligentes", materializam a doutrina do Animalismo. Aprendem a ler e a escrever com os livros que encontram na casa do sr. Jones, mas negam o mesmo acesso aos demais animais, e escrevem na porta do celeiro os sete mandamentos que passarão a reger a vida de todos os bichos da propriedade. São eles :

1.º – Tudo o que tem duas pernas é inimigo.

2.º – Tudo o que tem quatro pernas ou asas é amigo.

3.º – Nenhum animal usará roupas.

4.º – Nenhum animal dormirá numa cama.

5.º – Nenhum animal beberá álcool.

6.º – Nenhum animal matará outro animal.

7.º – Todos os animais são iguais.

A casa de Jones, numa alusão ao Kremlin, é transformada em um museu onde nenhum animal entrará. Também fica decidido que nenhum animal travará em contato com os humanos. Já negando o sétimo e fundamental mandamento, os porcos tomam a liberdade de resumir aos "menos inteligentes" as regras em uma só: "Quatro pernas bom, duas pernas mau!", frase que se torna uma espécie de mantra repetido pela ovelhas, tidas como as mais limitadas intelectualmente entre as espécies da fazenda.

No primeiros tempos da revolução, os porcos melhoram as condições de trabalho e organizam a produção da propriedade. Pouco a pouco, contudo, se colocam em um patamar distinto.

Enquanto os demais animais labutam, os suínos se dedicam a aprender o que encontram nos livros do sr. Jones. Quando o fazendeiro tenta retomar suas terras, Bola-de-Neve, que tinha estudado nos livros as táticas de guerra dos romanos, organiza um exército e enfrenta o inimigo, formado por Jones e fazendeiros vizinhos, e vence a batalha, sendo condecorado. A partir deste momento, numa inevitável batalha de egos, ele e Napoleão começam a divergir cada vez mais em suas propostas para o futuro da fazenda.

Semelhanças

Enquanto Bola-de-Neve pensa em modernizar a fazenda, para aliviar os animais de exaustiva rotina de trabalho, Napoleão se declara contra a idéia e, fazendo uso de seis ferozes cães, tirados em pequenos da mãe e criados secretamente por este, tenta matar o rival que, como Trotski, consegue fugir e nunca mais volta. Napoleão termina por convencer os outros animais que o adversário era um traidor da revolução e se torna o único líder.

As condições de vida pioram, cada vez se trabalha mais e as rações são progressivamente diminuídas. Os porcos, por sua vez, continuam bem alimentados, guardando todos os alimentos necessários à sua saúde, justificando o privilégio como um reconhecimento de "sua importância para a revolução".

Algum tempo depois, os porcos também começam a negociar com os agricultores da região, recusando a existência da regra de não contatar os humanos. Não há, aqui, como não traçar paralelos com as alianças perversas feitas pelo governo Lula com partidos e interesses que o Partido dos Trabalhadores sempre combateu. Tudo em nome da governabilidade.

O pior é que os suínos, seduzidos pelo poder, passam ainda a viver na casa do antigo dono e começam a modificar, em benefício próprio, os mandamentos que estavam na porta do celeiro: dormem numa cama com lençóis; bebem até cair e descobrem que matar pode fazer parte do jogo que os manterá no topo.

É inevitável que os porcos, traindo suas bases, passem a se identificar mais e mais com seus opressores ao ponto de os outros animais já não conseguirem distingui-los dos homens. O slogan das ovelhas muda ligeiramente, "Quatro pernas bom, duas pernas melhor!". O último mandamento, que havia sido considerado o mais importante, muda e se torna único: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.

Qualquer semelhança com os tempos de políticos populistas e autoritários como Hugo Chávez e Evo Morales, que tentam estender a vida útil do legado anacrônico de Fidel Castro, não é mera coincidência. Os porcos continuam entre nós.

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