Um dos textos mais polêmicos da história do teatro brasileiro volta hoje a um palco de Curitiba. Navalha na Carne, escrita por Plínio Marcos em 1967, em plena ditadura dos militares, será encenada no Espaço Teatro Regina Vogue, no Shopping Estação. Mesmo 38 anos depois da estréia, parece difícil tomar a decisão de uma nova montagem. O texto forte, envolvendo prostituição, homossexualismo, violência e drogas, assusta até os atores mais experientes. "Falei com os meus filhos antes de decidir montar a peça", diz Regina Vogue, que interpretará a prostituta Neusa Suely, um dos personagens mais emblemáticos da dramaturgia nacional.
A trama da peça é ácida, sem muitas reviravoltas. Vado, o cafetão de Neusa Suely, está dormindo em casa, coisa que faz durante boa parte do tempo. Quando ela chega da rua, onde tenta arranjar alguns trocados, o gigolô parte para cima dela. Cobra o dinheiro do dia anterior. Ela diz ter deixado na gaveta. Não está lá. Os dois desconfiam de Veludo, um homossexual que limpa o quarto, e decidem tirar satisfações. A partir daí, o texto é um longo conflito entre os três personagens: cada um humilhando mais os outros, sempre que pode.
"Nunca fiz um papel como esse", diz Regina Vogue, que aproveita a ocasião para estrear como atriz no teatro que leva seu nome. Para ela, o texto é importante por revelar o mundo dos marginalizados brasileiros. "Tenho impressão de que devemos dar prioridade sempre aos autores nacionais. Acho louvável fazer peças de escritores estrangeiros, buscar informação sobre o que ocorre no mundo. Mas levar ao palco Plínio Marcos, Nelson Rodrigues, os nossos autores, é uma obrigação que temos", diz a atriz.
Na nova versão, o cafetão Vado é interpretado por João Luiz Fiani. "Ele tem o tipo certo para isso", diz Regina. E o terceiro personagem, Veludo, é interpretado por Nei Mendes, empreendedor do projeto, ao lado do produtor Isidoro Diniz. "O texto é super-atual", diz Diniz. "O próprio Plínio Marcos dizia uma frase sobre a qual nós temos comentado muito nos ensaios. A peça continua sendo válida, porque o próprio país não evoluiu muito nesses anos todos", comenta.
A montagem curitibana desafia um dos temas propostos por Plínio Marcos. Na montagem original, Vado acusa a sua mulher de estar velha demais para continuar na prostituição. Sem atrativos, não conseguiria sustentar um homem mais novo, com desejos e necessidades como os que ele tem. No machismo dele, ser muito velha queria dizer ter 30 anos. Neusa Suely nega, diz que só tem 23, mas não mostra os documentos para provar.
Regina Vogue leva a idéia para um outro patamar, ao fazer o papel aos 60 anos. "Acho que é uma discussão importante. A própria Tônia Carrero, que foi a primeira a interpretar o papel, depois de conseguir que a peça fosse liberada pela censura, já tinha 45 anos ao encarnar a Neusa Suely", diz ela. Ao mostrar uma mulher que garante poder continuar na rua garantindo os luxos de um homem, mesmo tendo de se prostituir com essa idade, ela mostra uma face ainda mais cruel do relacionamento dos dois. Afinal, montar Plínio Marcos de uma maneira que não traga novas provocações talvez tenha pouco sentido.
* Serviço: Navalha na Carne. Espaço Teatro Regina Vogue (Av. Sete de Setembro, 2.775 Shopping Estação, 2.° piso), (41) 2101-8292. Texto de Plínio Marcos. Direção de Sílvia Monteiro e Luiz Carlos Pazello. Com João Luiz Fiani, Regina Vogue e Nei Mendes. De 5.ª a dom., às 21h. R$10 e R$5 (meia). Até 18 de setembro.
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