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O nome do galês Roald Dahl (1916 – 1990) é quase sempre relacionado à literatura para crianças. Talvez porque um de seus livros mais conhecidos, A Fantástica Fábrica de Chocolate, tenha rendido duas versões para o cinema. As duas geniais.

Mas Dahl escreveu ficção "adulta". É verdade que, em números, faz sentido as pessoas o caracterizarem como autor "infantil". Foram 19 livros para crianças contra nove coleções de contos. Escreveu também roteiros para a televisão e para o cinema, vários deles inspirados pela própria obra.

Das nove antologias que Dahl publicou em vida, a Barracuda promete lançar quatro, a começar por Beijo. Os próximos volumes devem ser Over to You, Switch Bitch e Someone Like You.

Dahl dizia que o segredo do seu sucesso com os leitores-mirins era encarar os adultos como "inimigos". Em suas histórias macabras, um dos objetivos era conspirar contra os adultos, a favor das crianças.

Já os textos que produziu para leitores crescidos, com freqüência, são criticados por serem anti-sociais e machistas – ou, mais especificamente, "antifeministas".

Os 11 contos de Beijo trazem amostras dessa face politicamente incorreta de Dahl. Em "A Sra. Bixby e o Casaco do Coronel", o autor oferece uma introdução virulenta contra o que acredita ser a nova forma de as mulheres fazerem dinheiro, o divórcio, "um negócio lucrativo, simples de fazer e fácil de esquecer".

"A Dona da Pensão" abre o livro para apresentar Billy Weaver, um jovem de 17 anos, alto, bonito e com dentes brancos. Ele chega na cidade de Bath e procura um lugar para passar a noite quando dá de cara com uma placa que diz "Hospedaria".

Fascinado com a coincidência, pois mal havia começado a busca, ele conhece uma senhora simpática, a dona da casa. Ela o recebe com chá e biscoitos, apresenta os cômodos impecáveis e o valor que cobra é ridículo de tão baixo.

Weaver não pensa duas vezes. Porém, é ingênuo demais para perceber que há algo estranho com a idosa. Ela adora taxidermia e tem dois belos animais empalhados na sua sala. E os dois últimos hóspedes que assinaram o livro de presença o fizeram anos atrás. Ao ler o nome dos dois últimos, o jovem pensa que os conhece de algum lugar, mas não consegue lembrar de onde (dos jornais?).

Dahl conduz a ação fazendo do leitor uma testemunha que percebe o perigo a que Weaver está se expondo, mas não pode fazer nada a respeito.

Algo assim acontece também em "A Ascensão aos Céus", sobre a sra. Foster, esposa dedicada que sofre de uma ansiedade extraordinária sempre que precisa pegar um avião ou um trem.

O problema é que o marido, o sr. Foster, parece sentir um prazer especial em torturar a mulher. Mesmo sabendo que ela está tensa porque vai pegar um vôo para visitar a filha em Paris – se pudesse, a sra. Foster trocaria os Estados Unidos pela França –, o homem não tem pressa nenhuma para se arrumar. Sempre lembra de apanhar algo no último minuto, caminhando lentamente em direção ao carro, parando no meio do caminho para sentir o ar fresco da manhã.

A sra. Foster toma então uma decisão inesperada que muda a maneira de se portar com o marido e termina em um final trágico, mas narrado com elegância. Dá para imaginar Dahl se divertindo diante da máquina de escrever.

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Serviço: Beijo, de Roald Dahl (Barracuda, 304 págs., R$ 39).

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