Opinião
Um disco que já nasce clássico
André Egg, professor da Faculdade de Artes do Paraná
Divertimento não é a estreia em disco do Daniel Migliavacca, nem da Elizabeth Fadel. Mas os dois juntos, à parte da Orquestra à Base de Corda do Conservatório de MPB, isso é novidade. E posso adiantar que trata-se de coisa fina. Primeiro, pela qualidade dos músicos. Eles são jovens, carreira apenas começando. Mas já estão entre os melhores, seja pela qualidade técnica e limpeza de som, seja pela criatividade e capacidade de improviso. Ou seja, pela autoridade com que dominam os estilos musicais que escolheram para compor o repertório do disco.
E aí está mais uma das grandes qualidades deste disco: Divertimento intercala obras clássicas de Egberto Gismonti ("Karatê"), Radamés Gnattali ("Ernesto Nazarteth", da suíte "Retratos"), Astor Pizzolla ("Oblivion") e Hermeto Pascoal ("O Ovo"). Tudo executado com a maior competência, em arranjos primorosos, que se somam às composições dos próprios intérpretes e de seus amigos. Como Claudio Menandro, que deu "Capelinha", o ponto nostálgico e reflexivo do disco. Ou Osiel Fonseca, que compôs a música que dá título ao álbum compositor falecido precocemente, e justamente homenageado por tudo que significa para a música popular de Curitiba.
A gravação de "Karatê" deve ser a melhor já feita para essa música, com direito a uma improvisação modulante, feita à maneira das sonatas clássicas. O arranjo para o movimento da suíte "Retratos" conseguiu captar com maestria a música de Radamés em uma versão para piano e bandolim. A música foi composta originalmente para bandolim, regional de choro e orquestra de cordas.
Daniel Migliavacca e Beth Fadel impressionam como compositores. Ela no tango "A Fuego Rápido", ele no "Chorinho pra Ela" e em "Pé Quente". Outro ponto a se destacar é a maneira fluída com que Beth mescla os vários tipos de repertório nos quais ela é fluente: seus improvisos podem vir à maneira das sonatas de Mozart como em "Karatê", podem citar Chico Buarque como em "Café do Paço", Bach em "Pé Quente" ou Chopin em "Divertimento" tudo na mais perfeita familiaridade, como se esses caras estivessem numa roda de choro ali no Paço da Liberdade, onde o disco foi gravado praticamente ao vivo.
Definitivamente, o Daniel e a Beth sabem muito bem o que estão fazendo. Quem comprar o disco ou for assistir ao lançamento, estará diante de dois gigantes em seus instrumentos, e de um grupo que já provou que está entre os grandes encontros instrumentais da música brasileira.
Os instrumentos dos músicos Daniel Migliavacca e Elizabeth Fadel, tradicionalmente, habitam universos diferentes. Enquanto o bandolim de Migliavacca costuma remeter às rodas de choro, o cravo de Elizabeth, que também é pianista, é emblemático da música erudita barroca. Mas os músicos, que tocaram juntos na Orquestra à Base de Corda entre 2009 e 2010, também tinham em comum a vontade de explorar gêneros diferentes, e resolveram trabalhar juntos. O resultado, o CD Divertimento, poderá ser conhecido hoje e amanhã, às 20 horas, na Capela Santa Maria (confira o serviço completo do show). Os concertos marcam o lançamento do novo trabalho, que será apresentado na íntegra.
"Viemos de escolas diferentes. Eu venho mais do samba e o choro. A Beth, mais da erudita e do tango. Isso fica refletido no repertório, que é bem variado. Tem choro, gafieira, tango, valsa, composições eruditas, frevo. Tem de tudo", diz Migliavacca sobre o CD, que traz a incomum combinação de bandolim e cravo nas músicas "Pé Quente", "O Ovo" e "Capelinha". Além de composições próprias do duo, o novo trabalho traz músicas de diversos compositores (leia mais no texto abaixo) a maioria com arranjo para bandolim e piano.
Convidados
Participaram das gravações o violonista Yamandu Costa e o acordeonista Toninho Ferragutti que também estará presente nos shows de hoje e amanhã. De acordo com Migliavacca, tanto os convidados, que já eram conhecidos do duo, quanto os compositores escolhidos têm um trabalho em comum com as ideias que guiaram a concepção do disco: um repertório camerístico que pudesse abranger as diferentes influências da tradição popular e erudita.
"Mas nunca houve pretensão ou preocupação de misturar. Resulta numa mistura em que se percebe coisas de uma ou outra tradição, mas não foi um foco, um conceito. A gente só consegue fazer porque não tem essa preocupação", diz o bandolinista. "Deixamos acontecer sem preocupação de ser erudito ou popular ou buscar um rótulo para isso. A música vem em primeiro lugar."
O disco, que foi gravado de forma independente em um espaço cedido pelo Paço da Liberdade, estará à venda nos concertos. O preço é R$ 20.
Serviço:
Lançamento do CD Divertimento, com Elisabeth Fadel, Daniel Migliavacca e participação especial de Toninho Ferragutti (confira o serviço completo do show). Capela Santa Maria Espaço Cultural (R. Cons. Laurindo, 273), (41) 3321-2840. Hoje e amanhã, às 20h. Os ingressos custam R$ 15 e R$ 7,50 (meia-entrada). Na sexta-feira, às 14h, haverá um workshop gratuito com os músicos no local.
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