Um músico equilibra o trombone no queixo ao fim de um pot-pourri de valsas de Strauss. Logo ganha uma flor, que devora. O público ri enquanto assiste ao concerto, que acontece em frente a um castelo barroco, em um palco decorado com arranjos de flores e enfeites dourados, e é tocado por uma orquestra em smokings e vestidos de baile multicoloridos.
A cena em questão é de um dos últimos números do show Roses from the South, de André Rieu, que passava no DVD de um restaurante de Santa Felicidade, em Curitiba, no último sábado. Ainda estavam na fila os DVDs I Lost My Heart in Heidelberg e André Rieu Live in Sydney, dentre outros que Rudolfo Schneider, o anfitrião do 10.º Encontro dos Amigos de André Rieu & Johann Strauss Orchestra, havia levado para passar durante toda a reunião. O encontro havia começado às 11 horas e iria até o fim da tarde o horário das tortas.
"Vamos sair para tirar a foto oficial do encontro", diz Rudolfo.
O Amigos de André Rieu, um grupo de cerca de 160 pessoas organizadas para trocar informações sobre o violinista holandês por e-mail, se reunia para aproveitar a data do concerto que a soprano Carmen Monarcha apresentaria no dia seguinte, no Teatro Positivo. Carmen foi solista do grupo de Rieu por cerca de dez anos. "Nesse Roses from the South, ela faz apresentação belíssima", comenta Rudolfo, um dos responsáveis pela a decoração do local e pela montagem da fotografia que concorreria ao prêmio de "melhor foto de fã" no site oficial do holandês. O grupo já emplacara uma vencedora, que foi gravada a laser em cristal e estava exposta ao lado dos DVDs.
Entre bandeiras do Brasil e da Holanda e banners com os nomes de Rieu e Carmen, o grupo se reuniu em volta de um carro branco emprestado pela loja especialmente para a foto e adesivado com fotos e assinaturas de Carmen e Rieu, e com mensagens de todos os presentes escritas à canetinha especial. Todos queriam aparecer na foto e pediram por um voluntário para fotografar. Em segundos, o repórter da Gazeta do Povo tinha cinco câmeras penduradas nos braços.
Engajamento
"Isso tudo é porque queremos visibilidade", diz Angela Momm, que é de Blumenau (SC). "É um movimento para trazer o André Rieu ao Brasil. Queremos sensibilizá-lo", diz a militante literalmente uma fã de carteirinha. Tirando da bolsa um cartão dourado, estampado com uma foto do holandês, Angela explica que, além do broche em forma de violino dourado com os dizeres "Gold Member" (Membro de Ouro), a anuidade de 50 euros que paga ao site oficial também a abastece com novidades diretamente de Maastricht, cidade natal do violinista.
Angela conseguiu um autógrafo do violinista em uma livraria, em 2009, quanto Rieu esteve no Domingão do Faustão, da Rede Globo.
Pertencimento
"Hoje em dia os encontros são mais pelos amigos do que pelo próprio André Rieu", diz Rejane Rodacki, conterrânea de Angela. "É para a gente se encontrar, para conversar, para aquele que viaja contar alguma coisa. Hoje, envolve mais o nosso grupo, nossa amizade que foi despertada pelo maestro André Rieu. As pessoas ficam meio parecidas por gostar do mesmo tipo de música", diz.
O perfil parecido, para Edison Drefahl, de Rio Negrinho (SC), tem a ver com "calma", "tranquilidade" e a identificação etária. "Os filhos começam a se afastar, começam a ter seus próprios problemas, mudam de cidade. Aí você procura pessoas com mesmo nível de idade e gostos", diz Drefahl. Perguntado se os Amigos iriam ao concerto de Carmen a caráter todos usavam camisetas com estampas de Rieu e botons de Carmen , respondeu que não, em tom grave. "Lá, é outra coisa", diz. "O André sai da formalidade, vai para algo mais alegre, mais feliz. Não é que os tradicionais não toquem com o coração. Mas os músicos são mais formais", diz Drefahl, que não costuma ir a concertos de música clássica.
Contra os puristas
As fileiras ao centro do pequeno auditório do Teatro Positivo haviam sido reservadas para a manhã de domingo. Cerca de 90 amigos de Rieu aguardavam por Carmen Monarcha, enquanto o pianista Gilberto Tinetti explicava o concerto, que teria obras de Franz Liszt, Villa-Lobos e do paraense Waldemar Henrique (1905-1995).
Cada apresentação foi calorosamente aplaudida pelo público um dos maiores da série Domingo no Campus, do Positivo. "Essa receptividade acontece em qualquer lugar. Em abril, cantei na Sala São Paulo, uma das mais tradicionais de lá. Foi a mesma coisa no final", diz Carmen, depois de atender, por cerca de uma hora e meia, a fila de fãs que queriam fotografias e autógrafos. Carmen fala sobre o seu público, que a conhece dos DVDs de Rieu, se comportar de maneira diferente que o dos concertos tradicionais. E critica os "puristas", que "detonam o André por acharem que é superficial, pela roupagem de show" que dá à música clássica.
"Mas essa é uma diferença boa para o clássico tradicional. Porque o tradicional poderia espantar, mas não espantou. Esse povo todo que veio aqui, domingo de manhã, ouviu Liszt. Eles gostaram, e quem gosta vai atrás. Isso vai abrindo uma rede e as pessoas vão, aos poucos, se familiarizando com a música clássica", diz a cantora. "O estigma vem do show, entretenimento e do humor que acho fundamentais", diz Carmen. "Se os puristas acham que está errado, danem-se eles", brinca.
Interatividade
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