Riscos
Tendência é que haja profissionalização
O grande questionamento feito em relação à lei da música nas escolas é a não exigência de que o professor seja formado em Música. Há casos, como o presenciado pela professora de música da Universidade de Brasília Cristina Grossi, que esteve envolvida na criação da lei, de professores de disciplinas como Geografia que a procuraram porque foram designados para lecionar música sem estar preparados."Nesse caso, a música irá configurar uma distração, um passatempo, não educação musical", diz.
A exigência de profissionalização foi vetada na lei porque não há professores suficientes. Além disso, a lei não exige que a música seja ministrada em aulas exclusivas. Um contexto que traz riscos, na opinião do músico Felipe Ayres. "Até mesmo um músico sem especialização didática pode traumatizar uma criança", diz.
Mas especialistas concordam que a tendência é que cada vez mais profissionais assumam a área, e o campo está se abrindo gradativamente. "Agora sempre recebo e-mails de escolas procurando alunos formados", conta a professora da Faculdade de Artes do Paraná Solange Maranho Gomes.
Outro risco apontado pela professora de educação musical da Universidade Federal do Paraná Rosane de Araújo é o da discriminação de estilos. "A música na escola deve ser ensinada numa perspectiva multicultural. O aluno deve trazer a música com a qual tem contato em casa e ela não pode ser excluída."
A partir de agosto, os estudantes brasileiros começam a versão brasileira do seriado Glee. É isso que poderia levar a crer a entrada em vigor da Lei 11769/08, que torna obrigatório o ensino de conteúdos de música da educação infantil até o ensino médio, em escolas públicas e particulares. A descoberta de talentos, porém, será efeito colateral da democratização do ensino da música, na opinião de especialistas. "O lugar que busca e desenvolve talentos é o conservatório. O objetivo da música na escola é dar acesso a todas as crianças ao conhecimento", opina a coordenadora de extensão da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Renate Weiland.
Será que esse conhecimento está sendo transmitido? Nas escolas onde a educação musical já existe, é grande a diversidade de métodos e a lei dá liberdade para isso. As abordagens mais tradicionais incluem apenas o ensino de instrumentos.
Outras incluem ludicamente elementos da música na grade curricular, como as noções de grave e agudo, escala, ritmo e melodia. É o que Débora Pickle desenvolve na escola infantil Interpares. "Não é aula de música para formar artistas. O ensino da musicalização visa sensibilizar para a linguagem artística", defende.
Se o maternal parece um momento um tanto precoce para tudo isso, há quem defenda o contato com a música desde os primeiros dias de vida do bebê. "Depois, o currículo precisa promover o desenvolvimento musical, com a alfabetização musical por volta dos 6 anos", diz Solange Maranho Gomes, professora da Licenciatura em Música da Faculdade de Artes do Paraná.
Se você é cético quanto aos ganhos trazidos pela música, é bom lembrar que existem estudos científicos sobre o desenvolvimento cognitivo e até de áreas inteiras do cérebro promovido pelo contato com as notas e os acordes. Saber ouvir, aceitar opiniões diferentes das suas e desenvolver o afeto são benefícios trazidos pela música, na opinião de Renate.
É o que presencia na prática a professora de música da escola Atuação, Sarah Peixe. Ela dá aulas de música para crianças de menos de 2 anos até o início da adolescência. Na musicalização dos pequenos, ela passa noções de andamento, notas musicais, o funcionamento da música e como ela é composta. Os maiores já têm contato com instrumentos, teórico e prático, aulas de improviso e composição. "É o que eles mais gostam: soltar a criatividade à vontade. Alunos que em outros momentos não se destacam, de repente se soltam", conta.
Para que o ensino da música siga um critério lógico e crescente, a rede estadual do Paraná criou tabelas com conteúdos divididos por séries. "Em qualquer uma delas, a música pode ser trabalhada", diz Marcelo Cabarrão, coordenador de ensino fundamental da Secretaria de Estado da Educação. "O professor pode trazer uma peça para ser apreciada, depois fazer a contextualização, mostrar quais instrumentos são utilizados, explicar a época em que foi composta... depois, na produção, pode-se improvisar instrumentos musicais e por aí vai."
Para a maior parte dos músicos, o maior benefício da lei é, além da abertura de mercado para profissionais, a democratização do ensino musical. "Só em escolas particulares a música acaba elitizada", opina o músico, compositor e produtor Felipe Ayres.
De quebra, a lei acaba contribuindo para a formação de plateia. "Isso é que é importante: a criança conhecer a história da musica independentemente de gostar daquele estilo ou não", diz Ayres.
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