Sob a imagem de Chico Buarque sorrindo, a frase: “Fui jantar no Leblon”. A legenda se completa, abaixo da foto do compositor com uma expressão sisuda, ao lado: “Encontrei playboy leitor da ‘Veja’”. A referência ao episódio recente em que o artista foi agredido verbalmente por seu posicionamento em defesa da presidente Dilma Rousseff é apenas um dos últimos exemplos de um dos memes mais populares nas redes sociais há anos – o da capa do disco “Chico Buarque de Hollanda”, seu primeiro álbum, que em 2016 completa cinco décadas.
O meme – que já ultrapassou as fronteiras brasileiras e foi compartilhado com legendas em inglês pela cantora Patti Smith e pela dupla de humoristas Cheech & Chong – se aproveita da expressividade da capa, tão marcante hoje quanto na época do seu lançamento. E qualquer um pode facilmente criar o seu, em ferramentas como o Chico Buarque Meme Generator.
Apoiado na ideia simples de algo bom/algo ruim, faz graça com o noticiário futebolístico (“Chico Buarque de Hollanda” sorrindo e “Chico Buarque de Espanha” sério, depois da goleada que o time de Robben aplicou no de Iniesta na Copa de 2014), com relações sociais na internet (“comentou” sorrindo, “não curtiu” sério) e defesa do uso da maconha (o “antes e depois” do cigarro representado, respectivamente, pelo peso da expressão sisuda seguida da leveza sorridente).
O meme chegou a ser usado na publicidade de um shopping do Piauí, o que levou Chico a processar o estabelecimento por uso indevido de imagem – apesar de o cantor não ser contrário à brincadeira de uma maneira geral, como deixou claro num vídeo em seu site, uma conversa com João Bosco na qual comentava que “meme é do cacete”.
Produtor do disco “Chico Buarque de Hollanda”, de 1966, Manoel Barenbein não se lembra de onde partiu a ideia de fazer as duas faces antagônicas do compositor na capa: “Nessa época, eu cuidava apenas da gravação em estúdio. A parte de arte era do Júlio Nagib (morto em 1983)”, conta Barenbein. “Imagino que ele, Chico e Dirceu Corte-Real (que assina as fotos e o lay-out na ficha técnica do álbum) conversaram e chegaram juntos a essa ideia do Chico sorrindo e do Chico triste.”
Naquela época, aos 22 anos, Chico era saudado como uma revelação altamente promissora. Por um lado, pelos compactos que já tinha lançado com “Pedro pedreiro”, “Sonho de um carnaval”, “Olê, olá” e “Meu refrão”. Por outro, por seu trabalho musicando o poema “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo Neto, para o teatro. Mas, sobretudo, graças ao fenômeno “A banda”, vencedora, em outubro de 1966, do 2.º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record (empatada com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, cantada por Jair Rodrigues) – o compacto de Nara Leão com a música vendeu 100 mil cópias em uma semana.
A gravadora RGE sabia que não poderia dispensar aquela popularidade – havia chegado a hora de lançar um álbum completo com a primeira safra das canções de Chico. O compositor já morava no Rio na época, e o estúdio era em São Paulo. Como Chico tinha outros compromissos na capital fluminense ao longo da semana, fizeram um esquema especial de gravação, abrindo o estúdio excepcionalmente aos domingos.
“Foi uma dificuldade conseguir reunir no domingo os técnicos de gravação e os músicos”, lembra Barenbein. “No primeiro dia, marcamos às 14h. Chico não chegava, alguns músicos reclamando que ‘pô, o cara nem tem um disco e já é astro’... Quando bateu 15h30, que era o nosso limite de espera, ele ainda não tinha aparecido. Eu disse: “Vambora”. Quando abrimos a porta do estúdio, o táxi de Chico parou, ele desceu correndo, pediu desculpas e voltamos todos correndo para gravar ‘A Rita’ e ‘Juca’, as primeiras que registramos.”
O álbum – que trazia canções que nasciam clássicas, como “A banda”, “A Rita”, “Pedro pedreiro”, “Olê, olá” – foi louvado pela crítica. No jornal “O Globo”, Sylvio Tullio Cardoso, que o chamou de “um disco perfeito” escreveu: “Lá está relativizada e mais otimista a filosofia de um Noel, lá está a riqueza melódica de um Vadico, lá está o balanço de um Janet de Almeida, um Vassourinha, um Ciro, um Mário Reis devidamente atualizado pela batida moderna de Toquinho (...). A música popular brasileira se reencontrou com Chico Buarque de Hollanda”.
No texto do encarte do disco, o próprio Chico lança seu olhar sobre as canções: “É preciso confessar que à experiência com a música de ‘Morte e vida Severina’, devo muito do que aí está. Aquele trabalho garantiu-me que melodia e letra devem e podem formar um só corpo. Assim foi que procurei frear o orgulho das melodias, casando-as, por exemplo, ao fraseado e repetição de ‘Pedro pedreiro’, saudosismo e expectativa de ‘Olê, olá’, angústia e ironia de ‘Ela e sua janela’, alegria e ingenuidade de ‘A banda’ etc”.
No fim, brincava com as imagens da capa que, 50 anos depois, mantêm sua força: “Enfim, cabe salientar a importância do limão galego para a voz rouca de cigarros, preocupações e gols do Fluminense (só parei de chupar limão para tirar fotografias)”.
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