Pouco antes do início desta sexta (5), Chico Buarque, 72, cantou “Apesar de Você” no antigo Canecão, novo endereço não oficial do movimento Ocupa MinC RJ, que promove festa desde a tarde de quinta-feira (4).
Chico estava acompanhado do deputado federal Jean Wyllys ( PSOL-RJ) e fez a plateia cantar em uníssono o refrão “Apesar de você amanhã há de ser oooooutro diaaaa...”, mandando um recado para o presidente interino, Michel Temer.
A canção foi lançada inicialmente como compacto simples em 1970. Por abordar nas entrelinhas a falta de liberdade durante a ditadura militar, foi banida das rádios brasileiras pelo governo Médici. A liberação viria só oito anos depois.
Após Chico Buarque, a cantora Zélia Duncan assumiu o palco. Também passaram por ali representantes de movimentos de mulheres, indígenas, quilombolas, estudantes, professores, profissionais da saúde e outros.
Ocupação
O movimento nasceu em maio, após Michel Temer extinguir o Ministério da Cultura — decisão que reconsiderou, por causa da repercussão negativa. E se firmou como um foco permanente de protestos contra o presidente interino.
Expulso na semana passada, após 73 dias, do Palácio Gustavo Capanema — edifício que é a sede do Ministério da Cultura no Rio e da Funarte —, o grupo formado por cerca de 150 pessoas entrou na madrugada de segunda (1º) na antiga casa de shows de Botafogo (zona sul). E diz não ter prazo para sair.
“O desejo da saída de Temer é um ponto de partida, mas o que está acontecendo vai muito além”, diz a encenadora Bia Lessa, que se ofereceu para dirigir a festa.
“É uma ideia estética e ética de ocupação de espaços públicos. E conduzida de uma forma que é mais até do que democrática: eles decidem as coisas não por votação, mas por consenso”, ressalta ela, que realizou shows de Maria Bethânia no palco do Canecão.
“O ‘Fora Temer!’é um pretexto para construirmos novas formas de se fazer cultura e pensar a sociedade. A ocupação é um laboratório de políticas públicas”, afirma Dyonne Boy, do movimento Reage, Artista!
Ratos, gambás e escorpiões
Em três dias, o grupo limpou todo o terreno, afastou os bichos (ratos, gambás, escorpiões), consertou fiações, encanamentos. E encomendou um laudo técnico para saber se eles e os visitantes estão seguros ou se algo pode desabar.
“Ninguém está aqui por não ter casa, por falta de opção, e sim por opção. É uma decisão política”, diz a antropóloga Marcella Camargo.
Graças a uma rede wi-fi própria, muitos realizam seus trabalhos pessoais ali mesmo. Quem tem emprego com horários regulares aparece antes ou depois do expediente. Todos têm funções determinadas. A alimentação vem de doações.
“Sem documento, sem burocracia, sem hierarquia”, diz Dyonne.
Proteção dos militares
O grupo diz ter um canal aberto com a UFRJ. A reitoria, no entanto, soltou uma nota dura criticando a ocupação. Diz, entre outras coisas, que há riscos de segurança e que estranha ser alvo da iniciativa, pois condenou a extinção de “ministérios sociais” e “sempre abriu seus espaços acadêmicos para a realização de debates, seminários, atos sobre os grandes problemas sociais”.
Segundo a nota, “ao promover a ocupação, o movimento desconsiderou a forma democrática da livre expressão garantida pela universidade”.
Os seguranças contratados pela UFRJ para vigiar o local continuam trabalhando. Durante a Olimpíada, têm o reforço de soldados do Exército e da Força Nacional, que patrulham as redondezas.
É curiosa a cena de militares armados protegendo -involuntariamente- um movimento de oposição ao governo.
Deixe sua opinião