As relações entre som e espacialidade intrigavam Hugo Zuccarelli desde os 10 anos, quando se salvou de ser atropelado enquanto caminhava distraído lendo um gibi do Pato Donald. “Se eu não fosse capaz de localizar o som, mesmo sem ver sua fonte, teria morrido”, lembra.
Na época, atribuiu o milagre ao fenômeno da binauralidade e da estereofonia explicado pelo pai, mas não se convenceu de todo. Teve de cursar engenharia eletrônica na Universidade de Buenos Aires, investigar sobre hologramas sonoros e estudar como bolsista no Politécnico de Milão — um pouco fugindo da ditadura argentina — para postular que cada ouvido é independente um do outro.
Outra hipótese era de que o ouvido humano não é passivo: além de captar, também emite sons — assimétricos, semelhantes àqueles que ouvimos ao aproximarmos uma concha da orelha — capazes de interagir com outros sons e gerar as interferências que determinam sua localização.
O próximo passo foi construir um tímpano artificial que funcionava como microfone. Depois de estudar a própria fisiologia e replicar eletronicamente sua percepção auditiva, melhorou o protótipo e criou uma cabeça-microfone batizada de Ringo, não em homenagem ao ex-Beatle, mas ao pugilista argentino Óscar Ringo Bonavena, com quem se parecia. “Ringo escuta, grava e reproduz sons nas mesmas condições físicas com que foram captados ao vivo”, diz.
Os primeiros experimentos foram há 30 anos: “eu entrava num armário escuro, colocava um fone e ouvia minha mulher do lado de fora sacudindo uma caixinha de fósforos em volta do Ringo. Mesmo tampando um ouvido era possível ter a localização exata da caixa de fósforos, porque a holofonia também pode ser ouvida em mono”, afirma.
Estes sons foram gravados — além de outros, como um secador de cabelo, fitas durex e lâminas de tesoura — e até hoje essa mesma faixa é reproduzida ao público num discman surrado que, segundo ele, já caiu mil vezes no chão. Intitulado Aldebaran, como a estrela, o CD é o “único demo holofônico da história”, e é vendido a 100 pesos na saída do teatro. O áudio parece tão real que quase se pode sentir o bafo quente do secador de cabelo. “Usamos gravadores cassete caseiros e um fone de ouvido que era uma porcaria. O que contava ali era Ringo”, explica, deliciando-se com a rima: “não é magia, é tecnologia”.
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