Em 2005, a refilmagem de Tim Burton para o filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” estreou no Brasil. Um dia antes desse lançamento, um bar abria as portas do seu porão no centro de Curitiba, prometendo experiências como as de Charlie, no filme, ao visitar a fábrica. Era 21 de julho, inauguração do Wonka Bar.
Passaram-se 11 anos e a dinâmica cultural da cidade mudou. Uma nova geração iniciou-se na vida noturna. Novos ritmos musicais entraram em alta. A lei anti-fumo, que entrou em vigor em 2011, induziu a clientela a ficar mais na rua. Tudo isso, somada à crise econômica que afeta o país desde 2014, gerou queda no número de clientes e pesou para que a proprietária da casa, Ieda Godoy, tendesse pelo seu fechamento.
Porém, foi depois que abriu o Dizzy Café Concerto, em 2014, que Ieda foi se afastando do Wonka. E como a casa toda carregava o toque de sua dona – como os quadros que trocava a cada noite - a coisa foi esfriando.
Ex-proprietária dos extintos Dromedário e Poeta Maldito, Ieda entende que as coisas mudaram. “Surgiram outros públicos, para outros cenários. A cidade como um todo está em outro momento. Inclusive eu. Acho que deu o tempo da casa”, explica, sem conter algumas lágrimas.
O legado não é só a história do bar, mas todas pessoas que se envolveram com música e arte por influência do dele. Muita gente que participa da cena atual de Curitiba nasceu lá. O legado do Wonka são os músicos que passaram por lá e estão espalhado pela cidade
O espaço, que ficou conhecido por acolher diferentes estilos de música e expressões culturais, não teve muito problema em se firmar na rua Trajano Reis. “Em questão de meses já tínhamos público em todos os dias, só no boca a boca. A partir dai, a casa passou oito anos em quinta marcha”, relembra Ieda. Mas brinca: “Agora chega de ir dormir depois das 6h da manhã”.
Um bar diferente a cada dia
“Não vi outro lugar na cidade abrir espaço para tantos movimentos artístico diferentes”, comenta Claudia Bukowski, DJ há 13 anos. “Comecei a tocar no sábado do Wonka logo no começo. Desde a clássica festa Rock2Rock, até a DownTown Tokio. Veio gente de ônibus, de Maringá, para dançar J-pop e K-pop”, comenta. “E por outro lado, o show de estreia de um das bandas em que sou baterista, a Heavy Metal Drama, também foi lá no porão”, afirma Claudia.
Valorizar diferentes tipos de arte foi a tônica do Wonka – melhor ainda, se a música fosse autoral e de Curitiba. E havia espaço para todos: do afro-samba do Grupo Molungo ao rock-indie do Copacabana Club, dos experimentos da banda Wandula ao rap moderno de Karol Conka (que, inclusive, teve o clipe de ‘Gandaia’ gravado na casa, em 2011).
Poucas casas do mundo tocam tantas horas de jazz, como o Wonka fez. E esse é o jazz verdadeiro, sem pasteurização, sem retoque. É um jazz artístico. O Wonka vai fechar e vai ficar a lacuna do jazz da madrugada – das 4 da manhã. E não vai ter mais em Curitiba
Na quinta-feira não tinha conversa: era dia de jazz. Depois de quatro anos ao som de Helinho Brandão e banda, o pianista Jeff Sabbag, que tocava há dois anos na casa, assumiu a coordenação do projeto e abriu o palco a todos os grupos da cidade que se dedicavam ao ritmo.
“A partir de 2009, foram mais de 15 bandas locais, várias atrações do Brasil e até de fora do país”, lembra o músico e marido de Ieda Godoy. O alemão Trio Elf e o francês Manu Fleur foram alguns dos estrangeiros que se apresentaram na casa, além dos locais Trio Sotak , Jazz Cigano Quinteto e Bernardo Manita Trio.
Programação de encerramento
Sexta 10 > Eu quero uma festa POP + WNKaraokê
DJs: Alex Franco, Rafael Zabotini e Ana Guimarães.
Sábado 11 > Rock2Rock
DJs: Bernardo Correia, Georgia Settanni e Claudinha Bukowski
Terça, 14 > Olhar de Cinema / festa de encerramento
Quarta 15 > O que viveu na poesia só pode terminar com poesia. O último VOX URBE e último dia do Wonka.
Poesia
O outro dia da semana que marcou época no Wonka não era dedicado à música. Desde a abertura da casa, os microfones das terças-feiras eram usados para recitar versos, interpretar textos, performar. “Não chegou a acontecer um movimento oficial, mas era um local de muita convivência e troca entre as cabeças da cidade”, esclarece o artista e frequentador Luis Felipe Leprevost.
O Wonka foi especialmente acolhedor. Sem distinção de gênero musical, sem selecionar poetas, democrático. É isso que fica. Foi um lugar de troca intensa e de convívios dionisíacos
Ele se lembra que o Vox Urbe, assim como o primeiro projeto de poesia, Porão Loquax, e o próprio Wonka foram como uma escola para os artistas locais. “Experimentos e encontros que aconteceram lá, culminaram em apresentações na Correte Cultural, no Música nas Ruínas, por exemplo”, afirma Leprevost.
Já o poeta Ricardo Pozzo, curador do Vox Urbe, ressalta a importância do projeto anterior. “Foi no Porão que poetas começaram a se conhecer pessoalmente e a trocar figurinhas. O Vox é consequência desse fortalecimento”, destaca. Pela casa, passaram nomes como o português Luis Serguilha e o francês Jean Foucault, além de Xico Sá e Chacal, e de curitibanos como Melina Mulazani, Alice Ruiz, Rodrigo Madeira e Thadeu Wojciechowski.
Em meio às programações fixas, houve, ainda, as quartas-feiras dedicadas ao samba; homenagens a cantores nos especiais Flores de aço, Mulheres Bárbaras e Homens de ferro; festas latinas; festas indianas; noite de mantras; Noite de Bandas – para as novas bandas autorais; o concorrido karaokê; e tudo aquilo que a cabeça sonhadora da proprietária, Ieda Godoy, conseguia inventar.
Eu acredito que um bar não pode ser só um bar. Tem que ser um lugar onde as pessoas aprendem, sem se dar conta de que estão aprendendo. Um lugar que emocione as pessoas e que elas compartilhem disso. Acho que o Wonka conseguiu ser assim
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