David Bowie completou 69 anos, porém, como anuncia qualquer propaganda preguiçosa, quem ganha o presente é você. O inglês lançou hoje “Blackstar”, ou simplesmente â , 28.º disco da carreira, primeiro deles desprovido de seu rosto na capa. Sucessor de “The Next Day” (2013), “Blackstar” chega chutando a porta e mostrando como é que se faz — a essa altura, nada além de um padrão na discografia do ser humano com mais chances de se revelar um alienígena infiltrado.
Se “The Next Day”, ainda que eficiente, foi pouco inovador na abordagem, “Blackstar” apresenta o enésimo rompimento com a zona de conforto, mergulhando no jazz ao longo de meras sete faixas, todas impactantes. Para tanto, o frenético quarteto do saxofonista Donny McCaslin foi recrutado — curiosamente, é Bowie quem se adapta ao grupo, e não ao contrário. Adaptar-se, claro, não corresponde a uma grande dificuldade para o músico, cujo primeiro instrumento, ainda na infância, foi o próprio saxofone (é dele, por exemplo, o solo de “Soul Love”, no icônico “Ziggy Stardust”).
Apesar de experimental – essa palavra já bem duvidosa –, “Blackstar” não se torna inacessível. Sua degustação talvez exija um pouco mais de paciência, mas não o afasta completamente do grande público, ou soa como Scott Walker, de quem Bowie é fã assumido. Praticamente metade do disco, aliás, já havia sido liberada, considerando o lançamento da faixa-título, além de “Lazarus” – cujo clipe despontou ontem – e “Sue (Or in a Season of Crime)”, single de uma compilação de 2014, posteriormente regravado e reduzido.
Nos pouco mais de quarenta minutos da obra, presenciamos atmosferas caóticas, e também melodias cantaroláveis, como em “Girl Loves Me” ou na própria “Lazarus”. Por sua vez, “Dollar Days” e “I Can’t Give Everything Away”, as duas últimas faixas, não se distanciam tanto dos discos “Outside” e “Heathen”, ambos, assim como “Blackstar”, alguma vez definidos como esquisitos — outro fator comum à carreira de Bowie.
O inglês, enfim, segue surpreendendo em uma frequência ridícula. Não há, pois, palavra que traduza com maior eficácia a capacidade de um só músico apresentar tantos trabalhos renovados sem se perder na tentativa de mudança. David Bowie não escreve letras minimamente explícitas, não aborda questões políticas, muito menos tenta “passar uma mensagem” – credo. Sua vagueza proposital apenas favorece a conservação da própria mitologia, constantemente atemporal. Adicionando a esses fatores o ostracismo voluntário, não há artista capaz de tirar tanto proveito do silêncio.
Em “Blackstar”, ouvimos um músico que jamais se satisfaria com a condição de “atualizado”. Muito além disso, Bowie expõe seu talento em diversas esferas, indicando estar longe da atrofia criativa. Com seu novo disco, portanto, o jazz apenas se junta ao soul, à música eletrônica e às diversas subdivisões do rock já exploradas por ele. Nada que já não tenha sido dito; nada que já não tenha sido feito. Eis David Bowie: como sempre, nada mudou, e, como sempre, tudo mudou.
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