É comum que os músicos no crepúsculo de suas carreiras voltem a fazer aquilo que sabem fazer melhor.
Os Rolling Stones estão prestes a lançar seu primeiro álbum nos últimos 11 anos, “Blue & Lonesome”, uma coletânea de covers de clássicos do blues. Para os Stones, que começaram como uma banda cover de blues, esse é o equivalente a um álbum de tributo ao Grande Cancioneiro Americano.
Para eles, bem como também para muitas outras bandas veteranas, esse retorno mais retrô às raízes – versões retrabalhadas de canções que os seus músicos conheceram depois de adultos ou que os influenciaram desde quando eram crianças – se tornou o equivalente musical de um “espaço seguro”. São as opções ideais para artistas que há tempos não lançam um novo álbum, mas que querem continuar relevantes ou que querem fazer um hit, mas não têm mais certeza quanto às suas próprias capacidades de compor um hit novo.
Álbuns de covers de retorno às raízes são um fenômeno tão velho quanto o próprio rock’n’roll. Alguns são muito bons. Alguns são caça-níqueis. E alguns são caça-níqueis que também são muito bons, ou quase. Os anos 70 nos renderam um punhado de clássicos: “Pin Ups” do David Bowie (covers de músicas de rock, em sua maioria do rock inglês), “A Little Touch of Schmilsson in the Night”, de Harry Nilsson (músicas populares americanas) e “Stardust”, de Willie Nelson (também músicas populares, tocadas com maestria). Nos anos 80, Linda Ronstadt lançou alguns álbuns de big-band com arranjos de Nelson Riddle que foram responsáveis por remodelar sua carreira, do mesmo modo que a série “American Recordings” viria a reinventar a de Johnny Cash nos anos 90.
Nos anos 2000, Rod Stewart publicou cinco álbuns com músicas do cancioneiro americano ao longo de oito anos. Eles venderam milhões de cópias e inspiraram incontáveis imitadores, cuja qualidade cada vez pior, no entanto, acabou acelerando a morte do gênero. Hoje, os álbuns de retorno às raízes não são as garantias de sucesso que eram no passado. Os consumidores não associam mais tanto esses discos retrô com sentimentos de autenticidade, e não dá para contar que os baby boomers, seu público-alvo, irão comprar os discos como compravam antigamente. “Não acho que tenha muito níquel para caçar”, disse Anthony DeCurtis, editor contribuinte da Rolling Stone. “Eu não acho que seja lá que esteja o dinheiro. Há quinze anos, quando Rod Stewart fazia esses álbuns de músicas populares, eles saíam em CD e você podia ir na loja e comprar. Ele vendia 5 milhões de cópias, o que pesa a favor. Mas as pessoas cansaram. Eles aproveitaram o poço até onde deu, antes de ele secar”.
Rod Stewart, “The Great American Songbook, Volumes 1-5” (2002-2010)
A maioria dos artistas que lançam álbuns de canções clássicas retrô têm sentimentos genuínos pelo material, ou pelo menos estão dispostos a fingir que têm. Mas os álbuns de Stewart são notáveis pela sua completa falta de entusiasmo e imaginação, bem como sua disposição em destrinchar as canções mais veneráveis da música pop para reciclá-las aos pedaços. Mesmo Bob Dylan, que costuma ser reticente, acabou lhe dando uma alfinetada: “Eu não vou falar mal do direito de ninguém de ganhar a vida”, ele disse à revista AARP no ano passado, “mas sempre dá para dizer quando a pessoa está se dedicando de corpo e alma na coisa, e eu não acho que o Rod estava se dedicando assim não”.
Aerosmith, “Honkin’ on Bobo” (2004)
Quando bem feitos, álbuns de covers de retorno às raízes servem para lembrar o público o que era que os artistas sabiam fazer melhor, antes de se perderem no caminho. Essa coletânea crua e bruta de covers de blues-rock de Sonny Boy Williamson e Willie Dixon têm o som clássico do Aerosmith, antes de eles começarem a sofrer com os excessos de drogas ou de músicas da Diane Warren.
Peter Gabriel, “Scratch My Back” (2010)
A maioria dos álbuns de covers de músicos veteranos visam apresentar o artista sob um novo olhar, mais refinado, cantando uma seleção escolhida a dedo de músicas que é muito possível que só eles estejam fingindo gostar desde a infância. É raro encontrar um que ofereça uma janela para as músicas contemporâneas que o artista ama e valoriza genuinamente. A coletânea de covers de Peter Gabriel tem a cara de uma playlist pessoal, com uma ênfase em bandas de indie rock, do tipo que toca num Starbucks, como Magnetic Fields e Bon Iver, com suas composições delicadas muitas vezes sendo reforçadas com arranjos orquestrais encorpados. É o raro álbum de covers que é uma obra de arte por si próprio. Em 2013 foi lançado o “And I’ll Scratch Yours”, que conta com os artistas de quem Peter Gabriel fez cover fazendo covers de canções suas.
Paul McCartney, “Kisses on the Bottom” (2012)
A ideia por trás disso de voltar às raízes é que o disco faça aquilo que os seus artistas não conseguem mais fazer sozinhos, como escrever músicas de sucesso comercial, que prendam os ouvintes, ou manter as vendas estáveis. A coletânea elaborada por McCartney, então recém casado, quase só de covers de canções icônicas compostas por Johnny Mercer e Irving Berlin é evocativa do tipo de música que ele mesmo costumava compor. É quase tão alegre quanto a música mais alegre do gênero de Merseybeat e quase tão sentimental quanto um disco dos Wings.
Tony Bennett & Lady Gaga, “Cheek to Cheek” (2014)
Gaga superou sua crise de começo de carreira pós-“Artpop” com essa coletânea autêntica. Estilisticamente, Gaga e Bennett nem sempre casaram muito bem – ele é do tipo charmoso e reservado, enquanto ela é puro teatro. É, no entanto, um lembrete de que o Cancioneiro Americano não é o território apenas de artistas veteranos, mas é útil também para os artistas mais jovens que só querem fazer um som mais envelhecido.
Bob Dylan, “Shadows in the Night” (2015)/“Fallen Angels” (2016)
Um disco duplo de canções populares clássicas, em que Dylan reinterpreta as músicas cantadas por Frank Sinatra. Dylan parece gostar genuinamente dessas canções, na medida em que dá para dizer do que é que Dylan gosta de verdade, e sua voz enferrujada casa muito bem com elas, mais do que deveria, inclusive. São dois discos enigmáticos, pungentes e esquisitos, por mais misteriosa que seja a força que os move.
Ryan Adams: “1989” (2015)
Essa reinterpretação, ao mesmo tempo soturna e carinhosa, feita por Ryan Adams, do monstro do electropop que é “1989” de Taylor Swift, fundamentado no seu estilo de rock acústico com o qual já estamos familiarizados, é um dos poucos álbuns de cover da história que confere uma quantidade idêntica de legitimidade tanto para o artista que compôs quanto para o que interpreta. Para Swift, ele demonstrou que, apesar de ela ser uma estrela pop hoje, suas composições ainda são substanciais o suficiente para serem levadas a sério por um dos maiores compositores da música norte-americana. E ela fez com que Adams chegasse a toda uma nova geração de fãs dela, que provavelmente logo depois o seguiram no Instagram.
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