O pianista de jazz Elan Mehler andava em torno de uma máquina que grava masters para discos de vinil nos estúdios da Masterdisk enquanto um engenheiro de masterização colocava um disco em branco no aparelho e pausava por um momento, procurando sinais de interferência à medida que os sulcos eram marcados na superfície.
Ambos estavam em Peekskill, a cerca de uma hora ao norte de Nova York, criando masters para a Newvelle Records, o pequeno selo que Mehler, de 37 anos, fundou há dois anos com seu sócio, Jean-Christophe Morisseau. Os discos serão enviados para a França, onde vão ser replicados em massa e enviados por correio para os assinantes da Newvelle.
Bom, em massa talvez seja exagero. Assim como tudo na Newvelle, essas gravações serão lançadas apenas em vinil, em tiragens de 500 discos. Nenhum CD, nada de download digital, nem streaming.
Tudo isso faz parte do plano de Mehler de produzir discos de jazz de primeira linha em plena era digital. O fato de que, ao menos inicialmente, as músicas cheguem a apenas um punhado de ouvintes é um problema necessário, afirmou Mehler.
“É um modelo que sustenta a música. Eu cheguei a essa ideia de como gravar porque, na qualidade de músico de jazz, percebi o quanto era difícil gravar um disco.”
1%
O jazz corresponde a apenas um por cento de todas as vendas de discos nos EUA em 2015, de acordo com o relatório de fim de ano da Nielsen. Entretanto, seus fãs compram discos: quase metade deles foi comprada em forma física. Além disso, as vendas de discos de vinil continuam a crescer em todos os gêneros musicais; de acordo com o relatório de meio de ano da Nielsen, na primeira metade de 2016, os discos de vinil corresponderam a 12 por cento das vendas de álbuns físicos, um aumento de 3 por cento em relação ao mesmo período do ano anterior.
Financiamento no Kickstarter
Mehler teve a ideia de criar uma gravadora que atendesse ao público apaixonado pelo vinil há alguns anos, quando ainda vivia em Paris. Ele mencionou a ideia a Morisseau, empresário francês de 48 anos que fazia aulas de piano com ele. Os dois começaram a se reunir regularmente e desenvolveram um plano.
Os músicos receberiam um valor fixo para gravar o álbum, com a Newvelle adiantando os custos de produção em um estúdio de altíssimo padrão em Manhattan. A gravadora teria os direitos exclusivos do álbum por dois anos, oferecendo-o apenas em discos de vinil com encartes elegantes para os assinantes da gravadora, que pagam US$ 400 ao ano para receber seis discos ao todo, enviados bimestralmente.
Depois de dois anos, os artistas teriam o direito de lançar suas músicas de forma independente, desde que a Newvelle mantivesse os direitos exclusivos de distribuição dos discos de vinil.
Mehler e Morisseau lançaram a primeira temporada de álbuns ao longo do ano passado, chegando a 200 assinantes, e em novembro de 2016 a dupla realizou uma campanha no Kickstarter para financiar a segunda temporada. Com a campanha, angariaram 50 novos assinantes e mais de US$ 25 mil.
Os discos da Newvelle aderem à estética do “jazz de câmara”, que caracteriza boa parte da obra de Mehler como pianista, mas contam com inúmeros músicos, desde o primeiro escalão do jazz, até suas estrelas em ascendência.
Para a primeira temporada, o famoso baterista e esporádico tecladista Jack DeJohnette gravou seu primeiro disco solo de piano, “Return”, uma coleção de composições delicadas e austeras, muitas vezes em um tom menor contemplativo. Noah Preminger, jovem saxofonista tenor com um tom empoeirado e florescente, gravou baladas com um quarteto de estrelas do jazz.
Álbuns por centenas de dólares
Cada um dos álbuns da primeira temporada exibia imagens do fotógrafo francês Bernard Plossu, e poemas da vencedora do Prêmio Pulitzer Tracy K. Smith nas notas do álbum. Nesta temporada, que irá custar US$ 360, os álbuns exibirão fotografias do coletivo francês Tendance Floue. O romancista Douglas Kennedy está escrevendo um conto que será publicado em série no encarte dos seis discos, com uma parte diferente na capa de cada um deles.
O baixista Rufus Reid já gravou um álbum para a próxima temporada, acompanhado por seu trio de jazz e pelo Sirius String Quartet. Ele agradeceu a oportunidade de gravar um produto de tamanha beleza e ver suas ambições sendo encorajadas, ao invés de questionadas. “Acredito que muitas pessoas sentem falta de ouvir música com mais atenção e os discos de vinil nos obrigam a fazer isso, de certa maneira”, afirmou, acrescentando que “outras gravadoras não estão disponibilizando o dinheiro necessário para todo o processo de gravação de um disco de vinil”.
Assinatura
Em seu foco nos discos de vinil e nas capas com estilo marcante e coerente, a Newvelle representa um retorno às glorias do jazz em meados do século XX. Entretanto a estética também é atemporal. Os discos de vinil estão se tornando o item de luxo ideal para um indústria musical em transição. E em todos os setores, pequenas empresas como a Newvelle estão utilizando serviços de assinatura para vender produtos de nicho.
“Para Elan, a forma do vinil realmente representa essa ideia de uma sonoridade pura, de alta qualidade e que todos os artistas apreciam. Por isso, minha ideia era dizer: ‘OK, vamos tratar o disco de vinil e a música como um produto de luxo’”, afirmou Morisseau.
Para os músicos da Newvelle, o estúdio não serve como caminho para um público mais amplo, mas como um espaço de celebração de sua arte. A gravadora não se esforça para imitar os coretos, que já foram o terreno onde o ritmo se desenvolveu, mas sugere sua sobrevivência técnica nos tempos de vacas magras. Além disso, também mostra que, quando o jazz se converte em um item de luxo, o produto é mais importante que o populismo.