Sexta-feira à noite e o Toscana Restaurante Show é toda cidade. Com um salão abarrotado de mesas — a ocupação máxima é de 800 pessoas sentadas — e a grandiloquência de espaço, luzes e garçons que só Santa Felicidade permite, o palco e a pista de dança que recebe três casais dançando coladinho parecem se apequenar ao som da banda da casa. Ledo engano. Nada, nem o espaço físico, é capaz de falhar na noite em que o restaurante – descrito por um frequentador no Facebook como “um dos melhores lugares em Curitiba para dançar para aqueles que têm mais de 40” — receberia das profundezas dos anos 90 o grupo Double You, que estourou nas paradas no começo da década retrasada com “Please Don’t Go”, “She’s Beautiful” e “Looking at my Girl”.
De volta ao passado
Representante romântico e brando do movimento amplamente generalizado como poperô, o Double You engrossava, lá por 1992, as colunas de uma contrarreforma reducionista da música eletrônica, que respondia à grandiloquência e ao lirismo do electropop oitentista com uma batida mais repetitiva e reta, e que não se furtava em corresponder aos anseios da geração X.
A falta de ambição e a busca por movimentos artísticos menos esforçados, que aproximasse indivíduo e artista, acabou por sepultar bandas como Duran Duran e Information Society, profissionais e distantes do homem comum. A saturação do estilo anterior deixou o campo aberto.
É bom lembrar que, na música pop, em especial na eletrônica, a qualidade intelectual da obra nunca foi tão relevante quanto balançar o esqueleto, o que talvez explique a carreira de sucessos estrondosos do 2 Unlimited, que não passava nenhuma mensagem que fosse além de “é isso aí, vamos dançar”.
Era o segundo de um total de três shows que o Double You faria na cidade neste ano. Ainda tocaria, no dia onze, um show na Danceteria Sistema X. Antes disso, já havia se apresentado no mesmo Toscana Restaurante Show em maio desse ano. E antes disso, duas vezes no ano passado.
Uma simbiose aparentemente nociva entre uma celebridade internacional de décadas passadas e a cidade onde marca três shows por ano que ao fim, não deixa de sugerir uma decadência mútua — um tanto acentuada do lado da última, que já leva a fama de ser um cemitério de elefantes musical que permite que uma banda como Nazareth seja ovacionada dentro da Sociedade Abranches.
Quem ganha com isso são mesmo os fãs de dance e o próprio Toscana Restaurante Show, que fideliza não só o público, mas também o artista internacional. Antonio Alves, o gerente da casa que existe há 41 anos, diz que o show do Double You não é rentável. “Chamamos eles tantas vezes a pedido do público, mas é um show grande e não temos estrutura para abrigar tanta gente, a ponto de dar um retorno. Fazemos a festa mesmo para os clientes fiéis”.
O show
Em um instante, a banda da casa encerra sua apresentação e a apreensão do público cresce no ar. Os músicos são tão eficientes quanto o resto do restaurante. Em pouco tempo o som ambiente é cortado e o que eu vou contar agora só vai poder ser acreditado por quem de fato esteve lá: uma música fúnebre começa a ressoar acompanhado pela luz estroboscópica. Trata-se de Requiem, do Mozart, a sequentia Dies Irae (Dia da Ira), que dura tempo demais para que seja encarada como uma brincadeira qualquer.
Finalmente, sobe ao palco William Naraine, a cara do grupo. Com um colete preto, camisa branca do Muhammad Ali, uma munhequeira personalizada onde claramente se lê “Double You” e 50 anos muito bem vividos, o artista é só sorrisos e parece ter uma predileção estranha de se comunicar com seu público por meio de joinhas.
Naraine, que é inglês filho de pai indiano e mãe italiana, parece que não sai do Brasil. Além de trabalhar com o guitarrista brasileiro Gino Martini há 20 anos (o músico mais longevo do grupo), declarou, em entrevistas anteriores, vir duas vezes por ano ao país e ficar em turnês que duram até três meses. Ou seja: por meio ano o Double You se apresenta apenas em cidades do Brasil. Antes de chegar a Curitiba, o grupo passou por São Simão (GO), Itu (SP), Manaus (AM) e Itaituba (PA), entre outras cidades.
Naraine e sua gangue não se enganam. Aproveitam o começo para tocar todos os seus sucessos. A partir da quinta canção, o Double You é uma banda baile das mais eficientes, que faz pot-pourri com suas próprias músicas e insere no meio delas Pink Floyd, Snow Patrol, Rolling Stones e Black Eyed Peas. Um cover de “Heart of Glass”, da Blondie, foi executado na íntegra.
Invasão de palco
Na execução e na performance do setlist, o Double You mostra porque deveria receber royalties de David Ghetta e companhia e não o contrário, como mais provavelmente deve acontecer quando uma versão de “Feel So Close” do Calvin Harris começa a ser ensaiada e a noite toda ganha ares de formatura. Eis que o palco é invadido por uma fã tresloucada que tenta roubar um beijo de Naraine. Munido da despretensão da idade, ele mais dá risada do que parece preocupado. Faz chifrinhos com as mãos e grita “Rock n roll!” enquanto o guitarrista puxa o riff de “Satisfaction” e a noite segue.
No público não falta nada. A fila do gargarejo se levanta em um tropel de celulares para gravar a apresentação, enquanto outros ensaiam selfies com o músico ao fundo. Um casal de idade avançada trocava beijos de língua ardorosos em um canto, um engraçadinho grita “toca Raul!” e os trajes finos dos presentes era um dos poucos elementos a separar música e público de uma aula de spinning.
Ao final, mais uma vez “Please don’t go”, em versão lenta e romântica. A interação com o público não vai além de pedir palmas, uns gritos de “Toscanaaa” e mais joinhas disparados a torto e a direito, mas para o público isso basta. Algo na recepção das pessoas faz crescer em mim a convicção de que ninguém saiu insatisfeito daquele quarto show do Double You no Toscana Restaurante Show em menos de dois anos. Fãs de poperô não negam o gosto pela repetição.
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