A dupla caipira Oswaldinho e Viera acabou de forma trágica. Um acidente de carro matou Oswaldinho, nos anos 1970.
No velório do parceiro, Viera, prometeu ao amigo que nunca mais se envolveria com música. Mas não foi bem assim. Viera era o nome de guerra do representante comercial e cantor amador Antonio José Lino.
Em 1982, já dono do Lino’s Bar, na esquina das ruas Alameda Cabral e Augusto Stellfeld, no centro de Curitiba, o ex-sertanejo foi abordado por um vizinho, o músico Rodrigo Barros Del Rey, o Rodrigão.
O vocalista da banda Beijo AA Força, uma das primeiras bandas punks da cidade, buscava um local para ensaiar. Lino cedeu o domingo, dia de menor movimento da casa, para os jovens moicanos ensaiarem.
Rodrigão conta que o bar não mudou muito. “O bar mais tosco do centro. Nunca teve comida, só rabo de galo e cerveja”.
Ouça abaixo a música “Malandrão” com o Beijo AA Força. Na foto, a formação original da banda e o poeta Marcos Prado, ao fundo.
Do encontro resultou boa parte da música underground produzida em Curitiba nas décadas seguintes. Punk, metal ou psychobilly e outras vertentes.
Os ensaios abertos do BAAF viraram shows. Logo, bandas ocuparam o palco improvisado entre os engradados e a mesa de sinuca. “Aquilo nasceu do nada. Começou a juntar gente. Eu disse tudo bem e eles nunca mais foram embora”, lembra Lino.
Para o músico Mutant (Ricardo Huczok) Cox, de bandas como Sick Sick Sinner e Hillbilly Rawhide, o Lino’s Bar é “o quartel general, a segunda casa dos músicos de Curitiba”. “Eu só entrei de cabeça em bandas por que ia ao Lino’s todo dia”.
Autor do livro “Terapia com Sequela” sobre a cena psychobilly em Curitiba, Márcio Thadeu afirma que os acontecimentos mais significativos música curitibana começaram lá. “Era onde as pessoas se encontravam, para onde as bandas iam depois de ensaiar”.
“Ele dava liberdade para todos, e respeita todo mundo, do jeito dele. Quer tocar aqui? Pode tocar. Isso era impossível nas antigas. Que bar que iria dar espaço para aquele bando de malucos?”, observa Cox.
Para Rodrigão, foi esta permissividade “punk”que tornou Lino referência.
“A falta de interesse dele na nossa arte é que fez dele a figura icônica do underground nos últimos 35 anos. Ele não estava nem aí com a música que rolava, só queria ver o povo se divertindo”.
Além da música, parte importante da literatura produzida na cidade também passou pelo balcão do Lino’s.
Escritores como Marcos Prado (1961–1996), Paulo Leminski (1941-1989) Thadeu Wojchiechowski e Sérgio Viralobos também frequentavam o bar.
“O pessoal que pensava em volta dos punks, que fazia música pras bandas também vivia por ali”, lembra Viralobos. “O Lino é um cara que naturalmente confrontava o sistema e por isso os punks se identificavam. Ele sempre respeitou todo mundo, mas sempre impôs ordem. Ninguém folga com ele”.
De mudança para a Barreirinha
A frequência de tipos estranhos tornou o bar “o inimigo numero 1” da polícia nos anos 1980 e 1990.
“Não precisava nem a polícia mandar a moçada por a mão na parede, tudo mundo conhecia o procedimento”, se diverte Lino.
Veja abaixo um vídeo de show da banda Ovos Presley no Lino’s Bar:
Ele diz que quase se arrepende de sua atitude à época. “Eu era muito atacado pela sociedade e fiquei contra a sociedade por um tempo. Comecei a me preocupar mais e defender a molecada que era minha clientela do que com a sociedade”.
O padrinho do punk conclui, porém, que valeu a pena. “A maioria ali virou engenheiro, advogado, médico, juiz, escritor, jornalista...”
Em 2005, o imóvel do centro foi vendido. Lino tentou renovar o contrato na Justiça. Não teve jeito.
No entanto, desde 2008, o bar se mudou para uma rua meio escondida, na margem do trilho do trem, entre os bairros da Boa Vista e Barreirinha. Hoje funciona nos fundos da casa do dono.
“A “malária”, uma das formas carinhosas como chama seu público, continua fiel e a agenda de shows continua intensa. “O rock me pegou. Eu saí pra vida muito cedo e foi muito bom voltar a viver aquela juventude. É assim, até hoje”.
Picareta de camarão
Lino nasceu de uma família de 13 irmãos na cidade de Imaruí, no litoral catarinense – perto da famosa Praia do Rosa – então uma vila de pescadores de camarão.
Ele conta que viveu como “caiçara” até os 16 anos. “Foi só nessa idade que eu comecei a usar sapato”. “O meu pai era “picareta de camarão” e eu ajudava ele. Comprava o camarão dos pescadores e trazia pra Curitiba e Florianópolis”.
Aos dezoito anos foi convocado para servir o exército no Rio de Janeiro. Após o serviço cumprido com louvor, surgiu a oportunidade de se juntar às Forças de Manutenção da Paz das Nações Unidas, convocada para garantir a nacionalização do Canal de Suez pelo Egito em 1956.
Lino vestiu a boina azul e foi para a faixa de Gaza onde ficou por treze meses. “Foi um sofrimento do cão. Os americanos é que mandavam em tudo lá. A gente era meio escravo deles”.
Ele conta que se manteve firme por conta do soldo de quatro mil dólares que ajudava a sustentar toda a família. “Era complicado, mas o que vale é a experiência que a gente consegue na vida”. Daquela época, só sobrou o hábito de usar óculos ray-ban, modelo aviador.
No ano seguinte veio morar em Curitiba. Casou, teve quatro filhos e nunca mais saiu. Foi vendedor e gerente de loja dos Tapetes Pedroso.
Lino’s Bar
Rua Paula Prevedelo Gusso, 154, Barreirinha.
De terça a domingo, a partir das 18h. Shows de rock todo domingo.
Depois, viveu os “onze anos mais felizes da vida” como representante da marca para a região sul. “Saía na segunda-feira e voltava só na sexta à noite”, lembra. “Foi o melhor tempo. A empresa pagava tudo e o Pedroso era metido, não aceitava que seus empregados ficassem em hotel barato”.
Como as viagens ficaram caras demais, a empresa as cortou. Lino não aguentou voltar para o serviço burocrático, no balcão da loja. Fez um “acerto” com a firma e comprou um bar. Aos 79 anos completados em 28 de outubro, se diz realizado.
“Acostumei com a liberdade. Quando eu viajava sempre olhava os botecos e pensava que um dia eu abriria o meu. Mas nunca imaginei que seria tudo isso”.
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