Não é por acaso que algumas músicas “grudam” na cabeça das pessoas, gostem elas ou não. Os “hits”, que muitas vezes batem simultaneamente em vários lugares do mundo, são projetados para terem este tipo de resultado. No sentido industrial, mesmo: a fabricação da música pop envolve times de pessoas, métodos de produção e expedientes com eficiência já testada. Bem diferente da ideia do compositor solitário e “inspirado”, que capta ideias no ar.
No livro “The Song Machine” (ainda sem tradução no Brasil), o jornalista americano John Seabrook explica que esta lógica foi criada nos anos 1990, na Suécia, e continua eficiente até hoje (veja como funciona o método predominante nos EUA no infográfico). Tanto é que dezenas de hits dos últimos anos são criações de produtores de alguma forma ligados ao estúdio Cheiron, fundado nos anos 1990 pelo sueco Denniz PoP, morto em 1998.
É o caso do produtor Max Martin – que poucos conhecem pelo nome, mas que só perde no número de canções no topo da Billboard para Lennon e McCartney. Desde “...Baby One More Time”, de Britney Spears, em 1999, até a recente “Can’t Stop the Feeling”, que chegou ao primeiro lugar com Justin Timberlake, em maio deste ano, o sueco emplacou 22 músicas no topo. Martin é aprendiz de Denniz PoP. E Dr. Luke, que assinou mais recentemente hits de Ke$ha e Katy Perry, aprendeu com Martin.
Como fabricar um “hit”
O músico e produtor Vadeco Schettini aplicou algumas fórmulas de sucesso para criar um “hit por encomenda” para a Gazeta do Povo; ouça o resultado. Leia a matéria completa
Repetição
A ciência explica, em parte, o que faz estas canções pegarem. Uma das razões não tem a ver com a música em si, mas com a frequência com que ela toca. Gostem da canção ou não, as pessoas acabam criando vínculo emocional com as faixas depois de ouvi-las muitas vezes. Quando já sabem o que vem a seguir , os ouvintes ativam uma espécie de audição engajada, que dá uma sensação de participação. Seabrook cita pesquisas com ressonância magnética que comprovam isso.
Fácil assimilação
Depois, há características comuns a todos os gêneros de pop no Ocidente que tornam este tipo de música fácil de apreciar, explica o músico, educador e pesquisador Jorge Falcon, coordenador do curso de licenciatura em música da PUCPR. Ela é normalmente simples, baseada em divisões rítmicas binárias e combinações agradáveis de notas a que todo mundo já está familiarizado. Isso facilita o trabalho do cérebro humano, que tem uma capacidade limitada de processamento de informação. “Como o ouvinte já imagina como a música vai ser, o prazer de ouvir tem a ver com as expectativas serem cumpridas ou não”, explica Falcon, que pesquisa cognição musical.
Receita
Além destas características mais gerais, existem “ingredientes” mais específicos que vêm funcionando – e que marcam os produtos criados nos laboratórios de produção musical criados a partir dos anos 1990.
Para começar, diz o músico e compositor paranaense Vadeco Schettini, as introduções são curtas – porque ninguém mais acha que tem tempo para ouvir coisas longas.
“Writer camp”
Várias gravações começam em “writer camps”, que são uma espécie de fábrica temporária montada para fazer trabalhos específicos. “As gravadoras fazem times que têm desde beatmakers até músicos de todo tipo, letristas, intérpretes e engenheiros de som que gravam a música antes de apresentá-la a uma Rihanna ou Justin Bieber”, explica o produtor e DJ Zegon. “Eles escutam o material pronto e escolhem o que vão gravar ouvindo a música já 100% pronta e produzida.”
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As músicas são criadas com estruturas simples, de poucos acordes (que é como se chamam as combinações de notas musicais que formam o acompanhamento, ou a harmonia). Como esta base é repetitiva, os produtores criam “ganchos” ao longo de toda a música para manter o ouvinte fisgado. Segundo Seabrook, o padrão tem sido de um gancho a cada sete segundos – o tempo médio que o ouvinte de rádio leva para trocar de estação se não for pego. “A psicoacústica explica. É como se o cérebro recebesse uma recompensa e ficasse atento para ganhar outra”, complementa Schettini.
Rick Bonadio, produtor de algumas das bandas mais lucrativas do mercado brasileiro nos anos 1990 e 2000, diz que não existe receita ou fórmula matemática nesta área, já que o “fator artista” tem que ser levado em consideração. Mas ele também cita algumas “regras”. Segundo o produtor, as músicas precisam ser objetivas e curtas. “A mensagem tem que chegar logo e ser contundente. Letras com gírias espertas têm funcionado e o refrão tem que chegar logo. De preferência antes de 1 minuto e 30 segundos”, explica.
Como é feito no Brasil
O carioca Umberto Tavares é um dos produtores e compositores com melhores resultados hoje quando se trata fazer hits em série no Brasil. Ao lado do sócio Mãozinha, com quem tem desde 2008 a gravadora UM Music, e do também compositor Jefferson Jr., ele vem emplacando alguns sucessos no funk carioca de sonoridade radiofônica que vem fazendo as vezes de pop brasileiro nos últimos anos. São dele hits recentes como “Bang”, de Anitta, “Bom”, de Ludmilla, e “Não Me Deixe Sozinho”, do Nego do Borel, além de sucessos já antigos, como “O Baile Todo”, do Bonde do Tigrão (2000).
Gueto
Uma das marcas da música pop contemporânea é o uso de gêneros criados em periferias – caso do hip-hop americano e os ritmos jamaicanos que têm estado presentes nas paradas. Segundo Rick Bonadio, a indústria brasileira trabalha de maneira semelhante à americana – “potencializando estilos que estão fortes no gueto para torná-los mais comerciais e com potencial de sucesso pop em todo país”. Um exemplo é o funk carioca, que ganhou uma sonoridade pop e um verniz mais comportado.
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Mesmo figurando entre medalhões da música brasileira em rankings de arrecadação do Ecad, Tavares se mostra confortável em seu relativo anonimato e faz pouco caso da fama de hitmaker – que é como produtores e compositores com este tipo de resultado são chamados na indústria.
“Quem faz ‘sucesso’ são os artistas e minhas músicas. Eu fico dentro do estúdio. Sou um peão da música”, explica o produtor, que diz não ter fórmulas predeterminadas: seu método é o trabalho “empírico”, inspirado no que está dando certo nas paradas internacionais e desenvolvido exaustivamente em 12 a 14 horas por dia de estúdio. “Honestamente, não parei para pensar se a gente tem a mão”, diz. “Nem sempre acertamos. Os êxitos aparecem muito mais que os erros. Erramos pra caramba”, diz.
Método
Diferentemente da música pop feita nos Estados Unidos, Tavares diz que suas músicas não nascem de uma base instrumental. Mas que costuma criar as canções já pensando em como cai ser a produção. “Aqui, a maioria faz a música e depois produz. Lá fora é o inverso, mas isso não existe no samba, no sertanejo, ou no funk”, explica.
O produtor explica que o objetivo é sempre fazer músicas que cumpram bem suas funções, independentemente de beleza ou complexidade. Ela pode ter a missão de emplacar em rádios específicas, bater na pista ou viralizar na internet, por exemplo. “Meu gosto não importa. O que importa é funcionar com o público, que é o nosso mercado. O público é o nosso cliente, e o cliente sempre tem a razão”, explica. “Já passei da fase do juízo de valor há muitos anos.”
DJs e beatmakers invadiram as paradas
Zé Gonzales, o Zegon, é produtor musical e integrante do Tropkillaz com o também DJ e produtor curitibano Laudz. O duo é um dos projetos de trap music mais elogiados do mundo e está produzindo com artistas bem diferentes entre – de Karol Conka e MC Guime a Thiaguinho e Projota, com quem fez “Alma e Coração”, tema oficial dos Jogos Olímpicos do Rio.
Contra o jabá
Segundo o produtor e DJ Zegon, a consolidação de hit makers no Brasil ainda não aconteceu. “Quem dita os hits ainda são as rádios, jabá e gravadoras”, diz. “O que eu tenho visto ainda são meio que os mesmos produtores de sempre, que produzem de sertanejo a pop, tentando ser modernos – tentando colocar um toque de trap e EDM nas produções para modernizar”, critica. Para o produtor, no entanto, o cenário está mudando. Uma das novidades da música pop atual é a possibilidade de um hit maker surgir de dentro de um quarto – o chamado “bedroom producer”. “As rádios podem querer ditar um hit, mas a força do artista na internet tem o mesmo peso. Existem hits gigantes que surgem organicamente, sem dinheiro investido – como os funks ‘Bumbum Granada’ e ‘Baile de Favela’. O Haikaiss lançou um clipe e música há um mês e teve dois milhões de views no primeiro dia, sem rádio, sem gravadora. As gravadoras estão de olho nisso e percebem que as coisas mudaram”, conta Zegon.
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Este tipo de parceria, em que expoentes da música eletrônica colocam seus nomes juntos aos dos astros pop, vem funcionando no mainstream americano e Europeu. Diplo, com os projetos Major Lazer e Jack Ü, emplacou hits com Justin Bieber e MO; Calvin Harris está entre os mais tocados com “This is What You Came For”, feita com Rihanna.
Zegon reconhece a “invasão” de DJs e beatmakers, mas diz que o método não é tão diferente. “Para produzir um hit como o do Chainsmokers [“Don’t Let Me Down, com Daya] e o Jack Ü [“Where Are Ü Now”, com Bieber], tem muita gente envolvida”, explica, por e-mail. O produtor também reconhece algumas fórmulas nos htis atuais: beats fortes , “kicks” (bumbo) e “graves predominantes, só que limpos”, andamento perto dos 95/100 batidas por minutos e “drops” de vocal. “Existem muitas fórmulas que já estão virando clichê. Prefiro não seguir e tentar inventar a próxima”, diz.
Zegon conta que o Tropkillaz vem sendo procurado por artistas pop para este tipo de parceria. “A gente vem trabalhando nesses ‘writting camps’ na América há quase dois anos. Assinamos como compositores na BMG e pegamos bastante desse método de produzir. Com o Guime e com a Karol não foi exatamente assim, porque são amigos nossos e rolou naturalmente. [Mas] gravamos recentemente um dos temas olímpicos para a Som Livre, que teve o Thiaguinho e Projota – uma roupagem totalmente pop, mas com nosso estilo. Já é um começo”, diz. “Mas ainda não tivemos tempo de nos jogarmos nessa área. Estamos muito na estrada e nosso trabalho autoral próprio toma muito tempo.”
Por trás do pop
Times de hitmakers – ou fábricas de hits – existem nos Estados Unidos desde o início do século 20, com o Tin Pan Alley, que reuniu compositores Irving Berlin e George Gershwin. Nos anos 1950 e 1960, o som do “Brill Building” teve grade sucesso comercial, pouco antes do famoso Phil Spector fazer escola e da Motown se tornar sinônimo de sonoridade. Elas geralmente duram pouco, explica o jornalista John Seabrook no livro The Song Machine. Veja os principais nomes da era atual do pop
Denniz PoP
Alcunha de Dag Krister Volle, o DJ sueco começou a testar seus próprios remixes e músicas nas pistas em que tocava, e acabou achando um filão de ouro produzindo gravações pop. Ele fundou o Cheiron, estúdio com modus operandi totalmente coletivo que se tornou uma espécie de meca dos hits nos anos 1990. Ele morreu em 1998, vítima de câncer, aos 35 anos.
Ouça: “All That She Wants” e “The Sign”, do Ace of Base.
Max Martin
Aprendiz de Denniz Pop, Max Martin deu continuidade ao estilo de composição e produção iniciado no Cheiron: uma mistura do talento dos suecos para criar melodias com acordes e texturas do ABBA, grooves do R&B americano dos anos 1990 e refrões de rock de arena.
Ouça: “I Want It That Way”, do Backstreet Boys; “...Baby One More Time”, de Britney Spears; “Can’t Feel My Face”, de The Weeknd; “Can’t Stop the Feeling!”, de Justin Timberlake.
Stargate
É uma produtora liderada pelos noruegueses Tor Erik Hermansen e Mikkel Storleer Eriksen. Especialistas em pop, R&B e hip-hop, também ficaram conhecidos pela capacidade de fazer melodias e músicas grudentas. São adeptos do chamado método “track-and-hook”, em que diferentes compositores fazem melodia e letra sobre bases pré-fabricadas pelos produtores.
Ouça: “Rude Boy”, de Rihanna; “Firework”, de Katy Perry.
Dr. Luke
Músico, compositor e produtor americano, Lukasz Gottwald começou a fazer sucesso ao trabalhar com Max Martin, com quem se tornou um dos hitmakers preferidos da segunda metade dos anos 2000.
Ouça: “Since U Been Gone”, de Kelly Clarkson; “TiK ToK”, de Kesha; “Roar”.
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