Rodeado por quatro monitores de computador, mesas de som, instrumentos, livros herdados da mãe (coleções de publicações de Eça de Queirós e Machado de Assis, datados de 1948) e um celular cuja vibração é intermitente, Lobão se organiza dentro do próprio caos.
Vive entre o excesso de informação da web ou naquela bagunça organizada que o circula dentro de uma enxuta edícula transformada em estúdio, e o vazio da solidão e ausência. É ali que passa grande parte das 24 horas que compõem um dia - costuma dedicar apenas três delas ao sono.
Em uma das telas, mantém a página do Twitter aberta para não perder nada que ache relevante (ou sobre ele mesmo), principalmente quando o assunto é política. Lobão vocifera para seus 318 mil seguidores (até a última sexta-feira, dia 1.º) na rede social. Isso quando não o faz presencialmente, em manifestações contra o governo da presidente Dilma Rousseff, ou envia cartas abertas a artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, como o fez no domingo anterior, dia 27.
Nela, pedia “perdão” aos três ícones da música nacional após tantas décadas de uma querela e críticas por parte dele, colocando-se como um igual da classe artística e clamando por uma tentativa de diálogo ideológico e político.
Gil não leu o texto, mas se disse emocionado com a atitude de João Luiz Woerdenbag Filho. Chico, “não leu” e “nem lerá”. Caetano, fora do País, não se pronunciou. “Qualquer resposta que eles dessem, seria um ippon (um “golpe perfeito” no caratê ou mais conhecido no judô) para mim”, gaba-se Lobão.
“Todos temos que admitir que esse governo está falido.” Mas Lobão também está mais manso. “Tanto perdoar quanto pedir perdão é um exemplo a ser seguido. Temos que ser assim. Não podemos chegar e destruir o outro. Principalmente, porque eu senti isso na pele.”
Alvo do que ele diz considerar ser uma “perseguição política”, Lobão tem pago por sua língua. Mesmo com um novo disco já nas prateleiras, chamado “O Rigor e a Misericórdia”, e um livro que conta os bastidores da gravação dele (“Em Busca do Rigor e da Misericórdia: Reflexões de um Ermitão Urbano”), o músico está longe dos palcos.
No fim do ano passado, teve todos os seus shows cancelados. “Aquilo destruiu o meu Natal”, ele confessa, antes de uma risada nervosa. Em 2016, ele não conseguiu marcar nenhuma nova data.
Zerado no ano, Lobão é otimista. “Acho que isso não vai perdurar por muito mais tempo, não”, ele fala, sereno. Lobão, que frisa ser contra qualquer tentativa de novo golpe militar, tem a vida artística diretamente afetada pelo posicionamento ideológico e político - uma escolha pela qual ele entende estar sozinho dentro da classe artística.
Talvez Roger Moreira, líder do Ultraje a Rigor, seja aquele que está mais próximo da linha de pensamento de Lobão. “Estou sozinho”, ele afirma. “Roger está do meu lado, mas ele é mais reservado. Não posso chegar e dizer: ‘Eu e o Roger...’. Seria ridículo.”
Lobão diz ter perdido aqueles que considerava parceiros e amigos. Foram-se Julio Barroso (1984), Cazuza (1990), Renato Russo (1996), Tim Maia (1998), Cássia Eller (2001). “Sempre quis me enturmar”, ele revela. “Quando era mais jovem, achava que a gente conseguiria se juntar para derrubar a Tropicália. Sempre achei a bossa nova uma m....” O alvo, agora, é outro.
“O Rigor e a Misericórdia”, erguido por um bem-sucedido financiamento coletivo, é relevante dentro da obra de Lobão. Aos 58 anos, ele estava há uma década sem lançar um disco de inéditas. Nesse meio tempo, veio um Acústico MTV (2007), o ao vivo Lobão Elétrico: Lino, Sexy & Brutal (2010) e um punhado de singles.
“Estava me preparando para gravar um disco sozinho”, ele lembra. Aprendeu a tocar baixo, viola caipira e se aprofundou nos estudos de guitarra. E se enclausurou no estúdio dos fundos de casa, acompanhado no máximo pelos três gatos, Lampião, Maria Bonita e Dalila, que tinham a insistente mania de se deitarem sobre o teclado dele.
João Puig, sobrinho dele, gravou o solo de guitarra de A Esperança e a Praia de Um Outro Mar. Há canções declaradamente políticas, como A Marcha dos Infames, outras irônicas, caso de Os Vulneráveis. Outras, como Dilacerar e Os Últimos Farrapos de Liberdade, têm interpretações abertas. Há, ainda, aquela doçura ardida, às vezes desesperada, em outras, como Assim Sangra a Mata.
O auge dos cancelamentos dos shows, ele ouviu de sua mulher e empresária, Regina: “Você virou o Simonal, você virou o Simonal”. Ela o comparava com o músico Wilson Simonal, cuja carreira desceu ladeira abaixo quando foi acusado de ser dedo-duro da ditadura militar.
Lobão foi para o seu refúgio, onde criou “Uma Ilha na Lua”, a mais delicada do disco. “Fiz ela para me acalmar”, ele conta. Na sua toca, embora conectado à WEB, Lobão se isola ainda mais.
Ação Fantasmagórica a Distância, a primeira composição para o álbum, é uma conversa que ele nunca conseguiu ter com o pai, com quem viveu uma relação conturbada, e que tirou a própria vida em 2004. Quando a terminou, Lobão sentiu um arrepio percorrer seu corpo e chorou. “Eu me abraçava sozinho”, ele acrescenta. “Ainda estava de luto.”
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