Lançada há 14 anos, pela Blue Note Records (notório selo fonográfico americano de jazz, fundado em 1939), com o álbum “Come away with me”, a cantora Norah Jones progressivamente se distanciou de seu estilo original. Country e rock se imiscuíram em sua música, que assumiu ares quase indie em “Little broken hearts”, seu último álbum solo, lançado em 2012 (no ano seguinte, ela homenagearia os pioneiros do rock Everly Brothers, no disco “Foreverly”, feito em dupla com Billie Joe Armstrong, vocalista do Green Day). Mas agora, com seu sexto álbum, “Day breaks”, que sai em 7 de outubro, Norah se entrega ao jazz como nunca havia feito antes.
“Quando participei de festa de 75 anos da Blue Note (em 2014), tive a oportunidade de tocar com (o baterista) Brian Blade, (o saxofonista) Wayne Shorter e (o baixista) John Patitucci. Aquilo me deu vontade de fazer mais algo com eles. Foi o início desse disco, ele começou a tomar forma na minha cabeça ali, embora tenha ficado completamente diferente”, conta a cantora, por telefone.
A proximidade com os grandes músicos de jazz teve um outro efeito em Norah, hoje com 37 anos: ela voltou ao piano, instrumento que andou perdendo sua predileção diante dos apelos rock da guitarra.
“Não toquei muito piano nos meus últimos álbuns” admite. “Acho que, depois da festa, fiquei mais inspirada a tocar em casa. E depois fiz alguns shows solo, para os quais tive que me preparar e praticar piano. Isso tudo acabou me devolvendo o prazer de tocar”, diz.
Nesse processo, mesmo o playlist caseiro da cantora acabou sendo afetado. “Sim, eu ouvi muita música antes de fazer esse meu novo disco. Fui buscar o bom e velho jazz, muita coisa que eu escutava quando era mais jovem, e algumas coisas que eu não ouvia, coisas novas. Foi muito inspirador.”
Raio de sol
Primeiro single de “Day breaks”, a já divulgada “Carry on” denuncia, nos acordes do piano e no acompanhamento, que algo mudou na maneira de pensar sua música.
“Minha forma de composição foi mudando ao longo dos anos, e espero que continue assim. Passei por várias fases ao longo da minha carreira e me deixei influenciar por muitas coisas”, explica-se. “Trabalhar com Danger Mouse (produtor de “Little broken hearts”, que já esteve por trás de discos de U2 e Red Hot Chili Peppers) foi uma experiência muito diferente para mim, ele é um grande compositor, escreve coisas que eu normalmente não escreveria e que me influenciaram.”
Depois de explorar o lado sofrido do amor em seus dois últimos álbuns (muitas das músicas de “The fall”, de 2009, se referiam ao fim de um relacionamento de oito anos com o baixista de sua banda, Lee Alexander), “Day breaks” traz um raio de sol na forma da canção “And then there was you”, relato de um caso positivo de amor. Perguntada sobre a inspiração para a música, Norah dá algumas pistas.
“Você tem que ter alguma inspiração para que a canção seja realmente sentida”, ensina. “Há muita carpintaria na canção, mas parte dela tem que ser inspirada por algo, seja o que você viveu ou o que viu na TV. As canções de amor, ainda mais que as outras.”
Vinda ao Brasil
Muita coisa aconteceu na vida de Norah Jones entre “Little broken hearts” e “Day breaks”. Ela perdeu o pai (o grande astro do sitar e da música indiana Ravi Shankar, em dezembro de 2012 - o que a fez desmarcar shows no Brasil) e teve dois filhos. Se isso tudo teve efeito no resultado do novo disco, ela diz não saber.
“As coisas que acontecem te levam por diferentes caminhos. Você perde pessoas, outras nascem, é a vida. Talvez essas canções se relacionem a isso, talvez não”, diz a cantora, que espera voltar ao Brasil com o show de “Day breaks”. “Fiquei muito triste por ter que cancelar aqueles shows. Acho que no ano que vem eu consigo chegar aí.”
Canções obscuras
Um dos números mais vistosos que Norah deve incorporar ao seu show é a faixa que encerra o novo disco, “Fleurette africaine”, do grande pianista, compositor e bandleader de jazz Duke Ellington.
“Sempre amei essa canção, do disco “Money jungle” (de 1963, com o baixista Charlie Mingus e o baterista Max Roach), e ela ficou na minha cabeça, não cansava de escutá-la. Queria mergulhar nela e acabei aprendendo a tocá-la no piano, queria compor algo que tivesse aquela mesma vibração e energia, mas não consegui. Foi por isso que ela acabou no meu álbum”, conta.
Outra sumidade do piano no jazz, Horace Silver (com “Peace”), e um mito do folk-rock, Neil Young (com “Don’t be denied”), também estão entre os homenageados de Norah Jones em “Day breaks”.
“Gosto de fazer covers, mas de canções mais obscuras”, justifica-se ela. “A canção do Horace Silver é uma forma de dizer que o mundo anda desabando, adoro a letra. E a do Neil Young eu o vi tocar quando abri shows dele, adoro o refrão, e acho que ela fez muito sentido.”
Enquanto o disco não sai, a artista observa a campanha presidencial americana, que tem achado “às vezes frustrante, às vezes enfurecedora”.
“Você tem que ter esperança de que a coisa certa vai acontecer. A política está mudando, e eu não confio em boa parte dos políticos. Não finjo entender a dinâmica do que acontece, mas me parece que o sistema está quebrado nesse país. Estou farta disso, e espero que possamos relaxar depois.”
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