O circuito nacional de shows de grande e médio porte por muito tempo renderam mais histórias de fracasso do que exemplos bem sucedidos. Afinal, durante um longo período, investir na contratação de artistas de renome internacional era uma temeridade.
Claro, a prática também deixou alguns poucos ricos, mas casos de sucesso como o de Roberto Medina e o lucrativo Rock in Rio são a exceção. De qualquer forma, a entrada do Brasil neste mercado ocorreu em meados da década de 1970, se consolidou nos anos 80 e 90 e teve seu grande momento no último século. Por isso, separamos algumas grandes apresentações de artistas internacionais que ocorreram no Brasil ao longo da história. Confira:
Alice Cooper (1974)
Um dos primeiros shows internacionais de rock no Brasil inaugurou as turnês no país com grande estilo: música pesada e performances que incluíam guilhotinas levaram um público estimado de 158 mil pessoas no Salão de Exposições do Parque Anhembi, em São Paulo, num 30 de março. Por um cachê de 100 mil dólares, Alice Cooper foi eletrocutado e “guilhotinado” no palco, decapitou bonecas e brincou com sua cobra de estimação. A cobra, aliás, rendeu uma história curiosa: em sua autobiografia, Rita Lee conta que ficou assustada com o número em que Alice chacoalhava a serpente, atirava-a no chão e a pisoteava. Rita revela que deu um jeito de entrar no backstage, fez amizade com um roadie chamado Andy Mills, e em pouco tempo os dois saíram às pressas com a gaiola com as jiboias Mouchie (a mesma que aparece na capa do disco Killer, de 1971) e Angel.
Jackson Five (1974)
Seis meses depois do show de Alice, foi a vez de Jackson Five mostrar que o Brasil estava no mapa das turnês internacionais. Em declínio nas vendas, o grupo vivia uma fase de transição: aos 16 anos, Michael Jackson começava a decolar na carreira solo e, com a mudança de voz causada pela puberdade, os Five tiveram que recorrer ao irmão Randy como vocal infantil. Em São Paulo, o primeiro de sete shows no país deixou a desejar. Segundo Carlos Gouvêa, que cobriu o show para a Folha de S. Paulo, os ingressos caros atrapalharam: “ao invés de crianças e adolescentes, lá estava a elite paulistana, que assiste tanto a um Jackson Five como a um Chico Anisio [sic], com a mesma indiferença”. Mas Michael encheu os olhos: enquanto os irmãos pareciam titubear, o ascendente Rei do Pop carregava o espetáculo nas costas – esteve um “monstro” em cena, escrevia a Folha.
Van Halen (1983)
A turnê do Van Halen foi uma das mais longas que já passaram pelo Brasil: entre janeiro e fevereiro, nove shows mobilizaram fãs em São Paulo, Rio e Porto Alegre. A maratona ajudou a fortalecer o fanatismo de muitos brasileiros pela banda mas, no início, o que predominava era a desinformação. O primeiro show no Ibirapuera ficou marcado por desencontros. Os ingressos haviam sido vendidos como “censura livre”, mas, na hora de passar as catracas, muitos adolescentes foram barrados, pois a classificação indicativa tinha sido alterada para 16 anos de idade. Uma anedota famosa conta que, numa época em que clipes de rock ainda eram raros na televisão do país, muitos curiosos que foram ao show inaugural não sabiam direito como era o Van Halen – e assistiram à banda de abertura, a paulistana Patrulha do Espaço, achando que já se tratava do show principal.
Queen (1981 e 1985)
Em 1981, quando chegou ao Brasil pela primeira vez, o Queen tentou tocar no Maracanã e teve o pedido negado. Freddie Mercury acabou cantando apenas no Morumbi, ao longo de duas noites. O encontro com o Rio de Janeiro precisou esperar outros quatro anos. Quando aconteceu, porém, entrou para a história: a apresentação do Queen foi a mais aguardada (e mais cara: 600 mil dólares, em valores da época) apresentação da primeira edição do Rock in Rio, em 1985. Se no palco houve sucesso, fora dele as memórias são de intriga: Freddie se sentiu incomodado com a presença de artistas brasileiros no camarim – entre eles Erasmo Carlos, Ney Matogrosso e Elba Ramalho – e exigiu que fossem retirados. Indignados, os músicos nacionais o receberam aos gritos de “bicha”. Mas tudo ficou para trás quando, minutos depois, 250 mil fãs cantaram em uníssono os sucessos do conjunto britânico.
The Cure (1987)
Segundo Jeff Apter, jornalista australiano que foi editor da revista Rolling Stone e escreveu um livro sobre The Cure (Nunca é o bastante: a história do The Cure, Edições Ideal, 2015), foi no Brasil que a banda percebeu que havia se tornado um fenômeno. Em março de 1987, Robert Smith desembarcou para oito shows em quatro capitais e ficou espantado com duas coisas: a recepção do público e o calor do país. A alta temperatura e os ginásios abafados fizeram os artistas recorrerem a tubos de oxigênio entre um ato e outro, para combater a falta de ar. A sensação de que a banda havia se tornado gigante veio no Maracanã, não durante o show, mas num jogo entre Vasco da Gama e Bangu. Os membros do Cure foram assistir à partida e, dos camarotes, foram surpreendidos pela mensagem que passava no placar eletrônico: “O Brasil dá boas-vindas ao The Cure”.
Guns N’ Roses (1991)
Aproveitando a fama construída pelo festival anterior, a segunda edição do Rock in Rio aconteceu em pleno gramado do Maracanã. Guns foi a banda mais aguardada do evento, tocando em duas noites, com direito a várias surpresas: além de canções inéditas, o show marcou também a estreia do baterista Matt Sorum e do tecladista Dizzy Reed. Em sua autobiografia, o guitarrista Slash destacou o fanatismo dos brasileiros, que acamparam na porta do hotel e praticamente não deixaram a banda sair de lá. Mesmo as piscinas se tornaram inacessíveis pelo grupo: Slash escreve que, quando tentavam descer para tomar um sol, sempre havia uma multidão disposta a pular o muro para “arrancar um pedacinho” dos seus ídolos. Como resultado, os Guns N’ Roses praticamente não saíram do quarto do hotel.
Nirvana (1993)
Não são apenas os bons shows que acabam se tornando inesquecíveis: para muitos, a vinda do Nirvana em 1993 se tornou memorável justamente pelo contrário – a apresentação no Morumbi, parte do extinto festival Hollywood Rock, é considerada uma das piores da banda. Visivelmente contrariado, Kurt Cobain dava a impressão de que queria estar em qualquer outro lugar. Músicas tocadas fora do tempo com que os fãs estavam acostumados, improvisações fora de hora e instrumentos desafinados fizeram parte do público sair mais cedo, decepcionado. No Rio de Janeiro, onde o show aconteceu no Sambódromo, a parte musical foi um pouco melhor – mas Kurt ainda causou furor ao cuspir nas câmeras e fazer gestos simulando masturbação durante o show que era transmitido ao vivo.
Michael Jackson (1993)
Já consagrado Rei do Pop, Michael Jackson veio ao Brasil pela segunda vez em 1993 – a primeira como cantor solo. Cerca de 200 mil pessoas assistiram ao astro ao longo de duas apresentações no Morumbi, em São Paulo. Vinte crianças saídas de favelas paulistanas foram escolhidas para compor o elenco do show, que tinha um cunho social: era parte do Heal the World Tour, que devia o nome à organização filantrópica mantida por Michael Jackson para ajudar crianças carentes ao redor do mundo. O Rei do Pop voltaria ao Brasil novamente em 1996, desta vez para gravar um clipe: a ideia era vender uma imagem mais positiva das favelas cariocas, e o cantor gravou cenas no morro Dona Marta; mais tarde, outras imagens foram filmadas em Salvador, ao lado do grupo Olodum.
Rod Stewart (1994)
No mesmo ano em que foi incluído no Hall da Fama do rock, sediado em Cleveland, Rod Stewart teve a chance de encerrá-lo com chave de ouro, animando o réveillon em Copacabana com um concerto histórico. A noite da virada de 1994 para 1995 entrou no Guinness Book graças a um recorde até hoje não superado: o maior concerto gratuito da história, reunindo mais de 3,5 milhões de pessoas nas areias da praia mais famosa do Rio. Enquanto aguardavam os espetáculos pirotécnicos, os fãs ouviram Rod cantar vinte e duas músicas, incluindo sucessos como “Maggie May” e “Baby Jane”.
Ray Charles (1995)
Foram duas viagens ao Brasil em 1995, chegando ao total de sete na sua carreira. Em junho daquele ano, Ray Charles bateu o recorde de público para shows no Parque do Ibirapuera, reunindo mais de 150 mil pessoas. “Foi a coisa mais importante da minha vida”, declarou, na época, à imprensa brasileira. Mas a multidão enorme ainda não tinha sido suficiente: o ingresso custava quase 500 reais, uma enormidade numa época em que o salário mínimo valia 100, e muita gente não pôde comparecer. A demanda fez com que Ray Charles retornasse ao país em setembro, para cinco shows em quatro capitais. Essa segunda turnê foi especial por outro motivo: ocorreu justamente quando Charles estava completando 65 anos. No dia de seu aniversário, 23 de setembro, fez um espetáculo a céu aberto no Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte.
Rolling Stones (1995, 1998 e 2006)
A primeira vinda dos Stones ao Brasil, em 1995, foi marcada por uma alteração de última hora: os shows em São Paulo, marcado inicialmente para o Morumbi, teve que ser transferido para o Pacaembu, após a fiscalização encontrar fissuras nas arquibancadas do estádio original. Como o espaço era menor, o que era para ser um par de shows acabou virando três. A banda ainda passou pelo Maracanã. Em 1998, a excursão que fazia parte do Bridges to Babylon Tour ficou conhecida por ter iniciado o affair entre Mick Jagger e Luciana Gimenez, que durou três meses e rendeu o filho Lucas. Mas provavelmente a apresentação mais lembrada dos Stones foi a ocorrida em 2006, nas areias de Copacabana, emulando o histórico concerto de Rod Stewart onze anos antes: mais de 1,5 milhão de pessoas presenciaram o show à beira-mar.
Kiss (1999)
O autódromo de Interlagos presenciou uma corrida diferente em abril de 1999. Em vez de bólidos de Fórmula 1, foram milhares de fãs em busca de ingressos para ver o Kiss tocar: mais de 50 mil compraram ingressos e pelo menos outros 5 mil ficaram sem conseguir bilhetes, mas acabaram entrando mesmo assim, quando a organização do show decidiu abrir os portões para deixar todos passarem. O espetáculo do Kiss se tornou famoso pelos efeitos tridimensionais, e em vários momentos a cena mais marcante veio do público: com óculos 3-D, o público olhava para o vazio a fim de acompanhar o show.
Oasis (2001)
Com a má fama de não fazer bons shows ao vivo, Oasis chegou ao Rock in Rio 2001 (a terceira edição do evento) com uma missão ainda mais complicada: fazer uma espécie de “abertura” para Guns N’ Roses, que havia causado furor em 1991 e era aguardada como maior banda da noite. O show começou difícil, morno, mas em pouco tempo os irmãos Gallagher conquistaram a Cidade do Rock (que voltou a receber o festival, após o Maracanã ter sido o palco dez anos antes). Com direito a cover de Neil Young e música final dedicada a Axl Rose, que se apresentaria a seguir, o Oasis conquistou o público. Ainda assim, teve que lidar com o fato de ser considerado secundário na noite: com pouco tempo, precisou cortar três músicas da setlist, incluindo a clássica “Stand By Me”.
Madonna (2008)
Aos 50 anos, Madonna ainda arrastava multidões para seus shows. Em dezembro de 2008 ela voltou ao Brasil após 15 anos desde sua primeira aparição, para fazer cinco apresentações em Rio e São Paulo. O Brasil marcou o encerramento da turnê Sticky and Sweet, que antes havia passado pela Europa, Estados Unidos, México e Argentina. A maratona rendeu um comentário da diva pop durante o show final: “sou a garota mais sortuda e a mais cansada do mundo”. A vinda de Madonna em 2008 se tornou especialmente marcante pela comparação com a turnê seguinte em que ela passou no Brasil, em 2012: quatro anos mais tarde, em meio à crise, a procura por ingressos acabou sendo muito menor. Mesmo assim, Madonna não havia perdido a majestade: seu show de 2012 concorreu com Lady Gaga, e atraiu quase o dobro do público da nova estrela.
Paul McCartney (2010)
Sem vir ao Brasil desde sua segunda viagem, em 1993, o ex-Beatle Paul McCartney foi responsável por um dos shows mais aguardados por fãs em todos os cantos do país. Foram três espetáculos, um em Porto Alegre e dois em São Paulo – o Rio de Janeiro ficou de fora, por conta das obras do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014. Uma geração inteira que havia crescido ouvindo os pais contarem sobre os Beatles, os Wings ou a carreira solo de Sir Paul fez longas filas para garantir um lugar no Beira-Rio e no Morumbi. Apesar de concorridas, as apresentações não chegaram perto do público registrado em sua primeira passagem, em 1990, que estabeleceu o recorde de maior audiência pagante num concerto musical: na ocasião, 184 mil pessoas cruzaram as catracas do Maracanã.
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