Na virada da década de 1980 para 90, a fria e cinzenta cidade de Seattle, no noroeste dos Estados Unidos, foi a capital mundial do rock. O antes “alternativo”, som de bandas como Mudhoney e Soundgarden, lançados pela gravadora Sub Pop, se tornou o fenômeno pop mais poderoso daquele período.
Em 1991, o álbum “Nevermind” do Nirvana chegou ao primeiro lugar da Billboard, ultrapassando “Dangerous”, do rei do pop Michael Jackson e a história da música mudou.
Na mesma época, na fria e cinzenta Curitiba, no sul do Brasil algo também estava acontecendo.
Longe do epicentro do terremoto, mas antenadas com o espírito do tempo, surgiram centenas de bandas de diferentes estilos e propósitos, com mais ou menos qualidade, formadas nas salas de aulas, pistas de skate, garagens e esquinas dos bairros da cidade.
Por força de uma série de circunstancias favoráveis, a cena do rock em Curitiba se sustentou com as próprias pernas e viveu uma experiência – nunca repetida – de notoriedade e efervescência criativa.
A imprensa nacional sacou a movimentação e logo (com algum exagero) tratou de comparar com a equivalente americana.
Seattle tropical
Na revista Bizz, o jornalista e produtor Carlos Miranda chamou a cidade de “Seattle brasileira”. O jornalista Jotabê Medeiros fez a mesma comparação no Estado de S. Paulo.
“Eles vem do frio e estão tomando conta do cenário rocker”, escreveu Jotabê, para quem a cena daqui tinha a vantagem de ser mais eclética. “O Curitiba Sound vai do thrash ao forró core”.
Quase vinte cinco anos depois da primeira banda subir no palco do 92°, o espaço icônico daquela geração, o Caderno G foi atrás de quem eram e onde andam alguns personagens daquele movimento.
E também de como se formou a cena que, contra os prognósticos de muita gente, não conseguiu ombrear nacionalmente com os contemporâneos Raimundos, Planet Hemp, Chico Science e Charlie Brown Jr.
11 bandas para entender o rock de Curitiba nos anos 90
“Viralização”
A cena noventista do rock alternativo de Curitiba não se formou de repente, nem de forma espontânea. Na geração anterior, bandas como Beijo AA Força, Os Missionários e Blindagem, entre outras, já faziam sucesso em maior ou menor escala.
Também já existiam espaços como o Berlim, no porão do Hermes Bar, o Hole ou reduto punk Lino’s Bar para dar vazão à música underground.
Porém, poucos hão de discordar que abertura do 92 Graus, em dezembro de 1991, foi catalisador de um novo momento.
“A gente aglutinou um sentimento. Levantou uma bandeira: é uma casa de show e só vai tocar banda com material próprio. Acabou sendo um viral: a cada show, os três meninos da frente do palco formavam uma outra banda” , disse o fundador da casa e também músico JR. Ferreira.
Mas só o 92 não bastaria. Outras condicionantes propiciaram o aparecimento da tal “cena”. O principal, claro, eram as bandas, que estavam por todas as partes.
Como acontece desde os Beatles, era nos colégios e nas vizinhanças que os iguais se reconheciam e montavam os seus próprios grupos.
Profusão de bandas
E o que poderia mesmo um menino de classe média fazer em 1992?
Comprar um skate (ou uma bike), ouvir música relacionada ao skate ou, pra quem ia mais além, fazer música relacionada ao skate.
A outra era reunir os caras a turma, montar uns instrumentos na garagem e fazer barulho. Depois procurar uns lugares pra tocar.
“Acho que Curitiba tinha predisposição a formar bandas de garagem por não possuir opções interessantes de lazer para adolescentes e jovens cheios de energia, em comparação com cidades como Rio de Janeiro”, compara Fernando Andrade, do uv ray. “O Jardim das Américas, na minha época, era um celeiro de bandas de garagem”.
Em seu livro sobre a história do psychobilly na cidade, Marcio Thadeu, ex-vocalista d’ Os Cervejas, fala em cerca de 180 bandas no ano de 1993.
Os arquivos do programa Garage, apresentado pela dupla de produtores Manoel Neto e Digão Duarte na extinta rádio Estação Primeira, entre os anos de 1996 a 2002, registram mais de 450 bandas diferentes.
O espaço nas rádios, aliás, era uma ponta do hexágono que criou uma espécie de “linha de produção” do underground da cidade.
Na Estação Primeira, em diversos programas,ou na rádio Transamérica, a música “feita em casa” ocupava espaço nobre.
Exposição que também chegava à TV no Ciclojam, produzido por Cyro Ridal na TV Educativa. Mais de 300 bandas passaram pelo programa que hoje está redivivo, com o nome de Espaço OFF, servindo de vitrine para a geração atual.
Imprensa
Outro vértice de divulgação foi a cobertura que a Gazeta do Povo passou a dar as bandas a partir de 93, quando uma coluna chamada FUN assinada por Abonico Smith passou a tratar de “cultura jovem”: quadrinhos, filmes com pegada pop e rock alternativo .
O FUN virou um caderno que dava protagonismo a diversidade de bandas locais.
No âmbito nacional, a novidadeira MTV dava espaço para todos e muitas das bandas daqui como Boi Mamão, Resist Control e outras conseguiram emplacar seus clipes na programação do canal que “todo mundo via”.
“A gente que estava dentro da cena nem percebia como tudo era legal. Aquela coisa de ‘santo de casa não faz milagre’. Quem vinha de fora, adorava. A mistura do romantismo do underground com um pouco do mainstream que a gente atingiu aqui”, observa Dudu Munhoz, ex-baterista do Pinheads.
MR. X e a máquina copiadora
Com algumas portas abertas, as bandas começaram a aprender a vender melhor seus peixes. Das artesanais cartas passaram aos fanzines e depois a projetos gráficos melhor pensados. Da distribuição de filipetas e cartazes a releases à imprensa nacional, as bandas viveram mais perto do profissionalismo do que nunca.
Neste contexto, um personagem misterioso deu grande contribuição. O músico Marcio Roberto do Santos trabalhava em uma secretaria de Estado operando a mais moderna máquina Xerox.
Ele percebeu que se repusesse os materiais – papel e tonner da impressão – seus superiores não perceberiam o desvio de uso.
Assim MR. X, como passou a assinar (Marcio Roberto + xerox), produziu milhares de materiais de divulgação para bandas ao preço do custo dos insumos.
“Ele fez mais pela música da cidade do que a secretaria de Cultura em qualquer tempo”, afirma Manoel Neto.
Hoje pesquisador, Manoel administra o Museu da Música Independente, um imóvel no Edifício Tijucas, no centro de Curitiba, que reúne milhares de materiais sobre a música produzida em Curitiba e no Paraná.
A maior parte é material sobre este período, o rock da década de 1990. Na época, Manoel era produtor, um dos sócios ao lado de Digão Duarte da Mais Records, um selo que lançou muitas bandas e coletânea como “Lototol” e “Borboleta 13” registrando o volume criativo do período.
Os lugares
Havia, por fim, palcos onde tocar. Além do inescapável 92º, mais democrático onde com bilheteria módica cabiam todos, havia espaços mais profissionais como o Aeroanta e o Circus, que exigiam maior estrutura e capacidade de atrair público das bandas.
“Curitiba era uma das cidades mais importantes. Tinha muitas bandas diferentes, muitos locais lotados, muita gente louca”, lembra o músico Gabriel Thomaz, da banda Autoramas, que escreveu um livro em quadrinhos sobre a cena dos anos 1990.
Aeroanta escalava bandas com capacidade de levar mais pagantes. Pinheads, Relespública, Woyzeck e Boi Mamão eram as mais requisitadas. Não raro, aconteciam shows para mais de mil pessoas todas as semanas, algo impensável atualmente.
E quem era este público?
“Jovens universitários ou em vias de sê-lo, sedentos por cerveja, sexo e diversão. Era isso que estava no ar. A galera queria a novidade”, lembra Dudu Munhoz.
Reproduzindo este perfil de público 20 anos depois, vê-se que é o mesmo perfil que lota os shows de sertanejo nas grandes casas de Curitiba atualmente. Mudaram os costumes.
Por que ninguém estourou?
Enquanto estava nos palcos e tentando aparecer na MTV, a geração do rock nos anos 1990 ainda não sabia, mas estava espremida entre dois mundos diferentes. Menos de dez anos antes, tinha estourado o rock nacional e as grandes gravadoras apostaram em bandas como Titãs, RPM e Legião Urbana (e ganho muito grana também).
Assim, um contrato com um a grande gravadora era o que todos ainda queriam, mas ninguém suspeitava que em pouco tempo, com a popularização da internet e das trocas de arquivos digitais, o mercado fonográfico iria levar um golpe do qual ainda não soube levantar.
Mesmo assim, os olhos das gravadoras estavam voltados para o “Curitiba Sound”. O auge se deu quando a Banguela Records, selo dos Titãs e subsidiária da major Warner enviou o produtor Miranda para gravar quatro bandas da cidade (Magog, Boi Mamão, Resist Control e Woyzeck) na coletânea Alface, em 1994.
Neste período, cerca de 20 bandas chegaram a assinar contratos ou pré-contratos com grandes gravadoras ou selos menores.
Em 1995, a banda pop Sr. Banana foi lançada pela Virgin dando a impressão do “agora vai”, a cena tão cantada seria acoplada ao eixo Rio – São Paulo.
Porém, apesar de várias tentativas não houve sequer um único caso de alguma banda que tenha sido bem sucedida no trato com as gravadoras. Com exceção, talvez, do Boi Mamão que lançou um álbum pela Paradoxx e da Relespública que conseguiu lançar um álbum pela Universal em 2000.
Maldição?
Condição que desperta inúmeras teorias, e é assunto obrigatório de pautas jornalísticas e conversas de bar desde então.
“Não há uma maldição sobre Curitiba ou algo que o valha. As coisas na música pop são complexas e dependem que muitos fatores, e não só a qualidade do produto, deêm certo ao mesmo tempo”, avalia o radialista e pesquisador do pop nacional Kid Vinil.
Para Manoel Neto, o romantismo da cena não teve força para enfrentar “dois inimigos”. Um interno: o conservadorismo da cidade que não conseguia ver o rock alternativo como “emblema” da cidade. O outro foi a estratégia das gravadoras em congelar com contratos e enrolar com projetos que nunca saíam do papel as bandas curitibanas com maior potencial de público, para que estas não competissem com os produtos que haviam escolhido para fazer sucesso, como Charlie Brown Jr, Jota Quest ou Raimundos.
“Rolou com a gente e com várias bandas. Você tá nessa desde os 14 anos e sempre sonha que algo vai acontecer, mas nunca acontece. Assina contrato e não acontece. Chega uma hora que tem que optar se vale a pena. Eu tive sorte de continuar, mas muita gente parou”, analisa o baterista Renê Bernúncia, ex- Boi Mamão e atualmente no Water Rats.
Tudo ou nada
O vocalista do Resist Control, Daniel Bittencourt, lamenta que a cena rock do Brasil só comportou duas possibilidades: a obscuridade do underground ou o sucesso do mainstream. ”Não sabíamos que poderia haver camadas entre eles e manter uma cena sólida de um tamanho mais adequado. Era ou tudo ou nada”.
Para o jornalista Abonico Smith, a distância que sempre manteve do mercado é o que faz a cena roqueira de Curitiba ainda seja lembrada com reverência.
“Os músicos de Curitiba sempre tocaram por hobby e é por isso que a musica aqui é tão boa. Por que nunca teve que ser a profissão, nunca tiveram que se adaptar ao mercado sempre foi espontâneo e com energia diferente. Por que é um hobby, é tocar para os amigos, as pessoas sempre fizeram o que gostavam em cima do palco”.
O fim
No começo do ano 2000, esta cena se dispersou. Muitas bandas pararam e muitas casas fecharam.
O cenário do rock foi dominado pelas bandas cover de rock clássico. Outras modas como a música eletrônica e o indie-pop se ocuparam o espaço do rock alternativo. Algumas das bandas e lugares, no entanto, se mantiverem vivos.
Outros novos se abriram e pavimentaram o caminho para outra geração de bandas nos anos 2000. Mas aí já é outra história.
Geração 90
Onze bandas que marcaram a cena local dos anos 90
Resist Control
A banda que fez o palco desabar (1992 – 2000)
Em 1994, durante o segundo festival Junta Tribo, em Campinas, a performance explosiva do Resist Control entrou para história. A mistura de hardcore, metal e hip hop contagiou tanto o público e as outras bandas que muita gente subiu ao palco para moshes ou backing vocals. No meio de uma das canções, o palco superlotado rachou. O episódio marcou a geração do rock dos anos 1990 e dá título ao livro “Cheguei A Tempo de Ver o Palco Desabar”, de Ricardo Alexandre. Simboliza a efervescência romântica da década. E também mostra como a banda era uma das importantes no cenário nacional. Um ano antes, o RC tinha lançado a sua primeira demo, uma das que mais circularam no país.No ano seguinte, seu disco independente vendeu 6 mil cópias. Trabalhos que fizeram o quarteto projetar o nome no underground do país. A banda era, talvez, a maior aposta de sucesso nacional, que não veio . Em Curitiba, o publico era grande e fiel. O vocalista Daniel “Azulay” Bittencourt lembra de um período muito intenso a frente do RC. “Tinha sempre uma coisa no ar, uma especulação de que algo ia acontecer”. O Resist Control acabou no auge, após lançar seu segundo álbum. ”A gente tinha com um cachê bom, o som estava ficando melhor. As bandas de rap com metal como System of a Down estavam estourando”, lembra Daniel que hoje vive nos Estados Unidos. “Então o baixista resolveu sair e nós que ficamos nos dividimos: eu não queria mais tocar em bares, só em shows maiores e nem todo mundo concordava. A cena de Curitiba começou a encher de bandas cover e os anos 1990 terminaram.”Misturava hardcore, metal e hip hop.
Pinheads
Onde está a Silver Tape? (1992- 1996)
Os três “pinheads” Dudu Munhoz (bateria), Paulo Kotze (baixo e vocal) e Júlio Linhares (guitarra) moravam no mesmo bairro, estudavam no mesmo colégio e tinham os mesmo amigos. E o principal, gostavam das mesmas bandas. “Era uma fase da vida, na qual uma camiseta com o símbolo da banda favorita e um par de tênis Mad Rats detonado nos pés podia moldar a sua personalidade”, lembra Dudu. Ele e Júlio eram entusiastas do punk rock. Paulo também, mas mantinha um pé na água da surf music. Juntos os três faziam um som rápido e pesado que parecia ser tudo o que um certo público queria ouvir. “Estava surgindo uma nova geração do punk. O Bad Religion, Green Day e Penny Wise aconteciam no mundo inteiro. E a gente era a banda daqui que soava parecido”, diz Júlio. Com um hardcore de musicas grudentas e shows catárticos, o trio era um dos campeões de público na cidade e chegou a ser produzido por João Gordo. A banda acabou por decisão própria também no auge, em 1996, para que cada um seguisse seu caminho. Mas o fez em grande estilo, com um show de despedida no AeroAnta. A pedido da banda, o lendário jornalista China Meneghetti fez a resenha final para a Gazeta do Povo e narrou os últimos momentos:“Para fechar, Paulo proferiu a sentença final e o Pinheads relembrou ‘Stupid Brains’, sua primeira música. Não teve bis, nem aplauso – mas uma multidão atônita permanecendo em silêncio por cerca de um minuto”.Um dos campeões de público na cidade.
Boi Mamão
Ska com pauleira (1992-2000)
“Não seja ateu, reze para o rock. Ele pode te salvar.” Era assim que o vocalista Glerm Pawdphita, do Boi Mamão, sintetizava a atitude da banda no release de lançamento do primeiro disco por uma gravadora “Compre, Grave ou Roube”, lançado pela Paradoxx em 1998. A banda era uma das pontas de lança de cena da cidade com seu skacore que misturava riffs de guitarra, uma bateria com quebradas inconfundíveis e letras insanas. Numa das músicas do álbum, Chico Science faz uma participação especial. A banda já tinha lançado um primeiro CD, o independente “Ska com Paulera” em 96. Com um clipe da música “Krokanildo”, dirigido por José Mojica Marins, o Zé do Caixão, a banda fez muito sucesso na MTV e tocou em festivais do país inteiro. Um dos fundadores da banda, o baterista Renê Bernuncia lembra das primeiras experiências em estúdio. “Parecia que você estava numa nave espacial. Era sofrido e gostoso. Hoje o computador faz tudo por você. Por isso se dá menos valor”, acredita o baterista que hoje mora no litoral de Santa Catarina e ainda toca no Water Rats. “Foi uma fase muito diferente, a gente vestia a camisa da banda, entregava panfleto, botava carta no correio com o telefone de casa e ficava esperando tocar. A gente ficava grudado o dia inteiro, andando pela cidade e fazendo som. Era um romantismo muito massa”.
Relespública
Eles eram realmente mods (1989-)
A Relespública foi uma das poucas que conseguiu furar a barreira e colocar um disco no mercado nacional. No ano 2000, a banda lançou “O Circo Está Armado” pela Universal e parecia exorcizar a “maldição” do boicote das major às bandas de Curitiba. O álbum, porém, foi mal planejado e a “Reles” logo voltou para o underground que ajudou a pavimentar em Curitiba. A banda foi fundada pelos adolescentes Fábio Elias (guitarra) e Emanuel Moon (bateria) do colégio Santa Maria em 1989. “No primeiro ensaio, tocamos várias vezes ‘Envelheço na Cidade’, do Ira”, lembra Fábio. Logo foi convocado o vizinho de Ricardo Bastos (baixo) e a banda passou a ensaiar todos os sábados na casa de Moon, na Vista Alegre. Influenciados pelo rock britânico dos 1960, em especial pelo The Who, a Relespública sempre produziu músicas próprias neste estilo e com a entrada do vocalista Daniel Fagundes em 1993 incorporou também a estética do mod, com parkas e terninhos retrô. Daniel morreu em um acidente de carro em 1995, no momento mais difícil da trajetória cheia de altos e baixos da banda. Famosa por show longos e intensos, pela capacidade de tocar muitas vezes na mesma semana, a Reles mudou de formação algumas vezes, teve fã-clubes numerosos, flertou com o estrelato nacional e sobreviveu à saída de Fábio Elias para uma carreira solo como cantor romântico e sertanejo. A banda segue na ativa. O último show foi na sexta-feira (0) passada no 92°. Só Fábio mantém dedicação integral à música. Moon é funcionário publico em um banco federal e Ricardo é representante comercial.
Os Cervejas
O Psychobilly está por toda parte? (1990-)
Inspirados pela banda pioneira psychobilly Missionários, quatro adolescentes resolveram fazer seu próprio som diabólico. Com Márcio Tadeu (vocal), Germano (bateria) Eric Thomas (baixo) e Vlad Urban (guitarra) a banda foi fundada em setembro de 1990. A banda foi batizada e, de certa forma, apadrinhada pelo poeta Marcos Prado (1961-1996). “Quando a gente tava começando, fomos agraciados com ótimas letras dele, como ‘Anjo da Morte’, que virou videoclipe muito exibido na MTV e nos levou a vários cantos do país”, diz Márcio Tadeu. Os Cervejas fez parte do movimento que criou em Curitiba a cena mais sólida do psychobilly nacional – e uma das mais importantes da América Latina – ao lado de outras bandas como Ovos Presley e Krapulas. “Eu pego a minha jaqueta eu vou para a rua. Eu não dou a mínima. Eu estou indo para beber. Meu grupo está no outro lado da cidade. O Psychobilly está em toda parte”, dizia a letra do hino “Psychobilly is all around”. “Enfim sentíamos que fazíamos parte da cena do rock da cidade. Claro que nem todas tinham uma qualidade ou sequer uma preocupação com isso. Mas muitas tinham sim. Valeu cada segundo, roubada e tudo mais”. Como pontos auge d’Os Cervejas , Tadeu cita a participação em festivais como o segundo Junta Tribo. “Nostalgia deliciosa”.
Magog
Grebol! (1990-1997)
O Magog foi formado em 1990, depois de uma viagem do músico Cassiano Fagundes pelo Reino Unido. Ele trouxe na bagagem discos de bandas de uma cena do underground londrino que era correlata ao que foi chamado pela imprensa de grunge. “Mas o som de Londres era mais sujo e arrastado do que os que a turma de Seattle estava fazendo”. Ele chamou o baixista Jansen Botana e o baterista Márcio Kulik para emular os sons londrinos e o guitarrista de metal e Anderson Cavassim para completar a banda. “Tive a sorte de encontrar as pessoas certas para colocar o projeto em prática, e logo gravamos a música ‘Fun’, que virou hit em Curitiba”. A banda abriu o primeiro festival BIG (Bandas Independentes de Garagem) no 92 ° o quartel general do underground curitibano. A banda ganhou até um bordão que acompanharia todos os shows do Magog até 1997 “Grebol!”. A banda foi incluída na coletânea “Alface”, que foi produzida por Carlos Eduardo Miranda e lançada pelo Banguela Records, selo dos Titãs. Em 1998, Cassiano se mudou para Nova York em 1998 e tentou acertar o lançamento do primeiro do Magog por um selo norte-americano. “Isso chegou muito perto de acontecer no começo de 1999, mas o selo acabou fechando suas portas antes que tudo fosse formalizado”.
Woyzeck
Queridos pela crítica, esquisitos para o público (1991- )
No final dos anos 1990, o guitarrista Rodrigo Stradiotto recebeu em nome da banda Woyzeck uma carta Radio França Internacional (RFI) dizendo que sua banda tinha sido eleita como a melhor banda da América Latina e Caribe. O convite era pra gravar algumas faixas que integrariam um disco triplo em Paris. “O problema é que não dava para pagar sete passagens aéreas que custavam o preço de um carro”, lembra. “A gente nunca teve muito deslumbre com sucesso e estas coisas, mas aí a gente viu que o negócio era continuar tocando o que a gente gostava”. A banda fora criada por amigos que andavam juntos no Colégio Medianeira. Começaram ensaiar juntos em 1991 na garagem da casa dos pais do baixista Denis Nunes, no Bacacheri. Sempre foi numerosa e chegou a ter dez integrantes no perto dos anos 2000. O Woyzeck foi também a banda que melhor pegou no ar tendência de misturar gêneros que marcou a geração do rock nacional dos anos 1990. A gente não tinha notícia de que existiam estas bandas como Raimundos e Chico Science que estavam fazendo estas misturas, mas depois foi legal perceber que estavam todos fazendo coisas, cada um no seu estilo, com o mesmo ponto de partida ao mesmo tempo”. O Woyzeck fazia uma mistura “esquisita, bem de polaco, que tem um pouco a ver com a cara da cidade”. Flertava com programações eletrônicas, emboladas, pós-punk, hip-hop, ritmos negros antigos e contemporâneos. A banda era sempre apontada pela crítica como um das mais interessantes do país. Também integrou a coletânea “Alface”, que mostrou a cara da cena da cidade para o país e foi contratado pela Banguela Records, mas o disco não saiu por lá e só de forma independente em 1998. “Tudo mundo tinha uma consciência do que a gente fazia não era muito fácil de digerir. A gente foi no primeiro MTV Awards e parecíamos uns alienígenas. Ninguém tinha muita ilusão de fazer sucesso nacional ou ganhar dinheiro com música. Éramos esquisitos demais”.
Anões de Jardim
Os punks na “sala-de-estar” (1993 – 2001)
A origem da banda, no final de 1993, é aquela de sempre: amigos e colegas de colégio que dividiam o mesmo gosto musical e a vontade de fazer um esporro. Os Anões de Jardim, porém, não eram uma banda de garagem. Ensaiavam na sala de estar da família Gomes no bairro do Água Verde. “Nosso negócio era o hardcore de Nova Iorque. Aquela coisa mais pesada e politizada de bandas como Agnostic Front. Começamos a tocar só por diversão, mas a coisa ficou séria rapidamente”, explica o guitarrista Fred Gomes. Séria a ponto da banda ser escolhida para abrir os dois shows do Fugazi em Curitiba e tocar na abertura do show dos ídolos Sick Of It All. “Nós abrimos um shows dos Ratos de Porão no Synduicate. Tinha mais de mil pessoas. No palco do Syndicate tinha uma grade. A galera que tava pogando, montou em cima e derrubou tudo”. Fred destaca a o 92º como o principal catalizador da cena. “Foi o nosso CBGB (a lendária casa onde nasceu o punk em Nova Iorque). Formou um público bem eclético, que a gente nem sabia que tinha na cidade. Se a história da formação dos A.D.J foi parecida com muitas, o fim também foi. O vocalista passou num concurso público. Eu comecei a trabalhar e meu irmão mudou de banda. A gente tocou pela ultima vez em 2001. Nem me lembro onde”, disse Fred, que hoje é diretor de uma empresa de tecnologia.
uv ray
Shoegaze no Jardim das Américas (1993 –)
Depois de tocaram em outras bandas, três estudantes de engenharia civil, os irmãos Fernando e Gustavo Andrade e André Scheinkmann se uniram ao baterista Biro (vizinho no Jardim das Américas) para tocar o som que ouviam. A onda eram as bandas do underground inglês como Ride e My Bloody Valentine conhecidas como shoegaze (aquelas em que os guitarristas tocam olhando para o chão por timidez ou para cuidar dos pedais e distorções). “Nós éramos shoegaze e não sabíamos. Nós não conhecíamos a expressão, mas amávamos e queríamos ser como as maiores bandas shoegaze do momento”. No primeiro momento, eles convidaram a [hoje] atriz Guta Ruiz para fazer o vocal. “A ideia eram canções com paredes de guitarras e uma voz feminina suave e melódica dando a letra”. O nome vinha de uma musica homônima do Jesus and Mary Chain. Logo, porém, Biro e Guta deixaram a banda. Com Junior na bateria, o uv ray teve sua formação mais marcante. Em 1994, a banda assinou contrato “de olhos bem fechados” com uma gravadora carioca e preparou lá um álbum de 12 canções. Depois de serem enrolados por meses, descobriram que a gravadora não lançaria o disco (“não era comercial”). No ano seguinte, a banda fez um show em plena rua XV. “Tocamos num sábado no final da manhã ao lado do bondinho, puxando energia elétrica da loja Rei do Disco. O público parou pra ouvir os guitars dos pinheirais”.O último show do uv ray foi em 2006. “A banda não foi extinta. Está hibernando”, diz Fernando. Hoje ele toca e grava sozinho com o nome de Cuco Sarado. Scheinkmann tocou em algumas bandas (Bad Folks, Gente Boa, etc.) e também compõe em carreira solo. Junior toca com o IMOF e Gustavo parou.
Tods
Luto, skate e encrencas (1995-)
Em de 1995, um golpe duro abalou a cena do rock em Curitiba. Num acidente de carro morreu, aos 16 anos, Daniel Fagundes, vocalista da Relespública. No mesmo acidente, o baterista Emanuel Moon ficou gravemente ferido. Grande amigo de Daniel, o baixista Fernando Lobo decidiu homenageá-lo formando a banda que ambos planejavam montar juntos e a batizou com um dos nomes sugeridos por Daniel. Completavam o Tods, Igor Amatuzzi (guitarra), Rodrigo Elias (guitarra) e Rodrigo Thur (bateria). Além de ótimos músicos, o quarteto muito jovem tinha uma postura provocativa e era famoso por arrumar grandes encrencas pela cidade. A influência do som era o shoegaze inglês e o som que ficou conhecido como guitar rock, por usar duas guitarras. “Por mais que a gente quisesse soar britânica a gente soava americano”, diz Rodrigo Elias.Ele lembra que o skate era um ponto de união da cena toda. “Tinha campeonatos e agente fazia show diretos de vários estilos misturados. Era um diferencial que hoje não tem mais”. A banda toda se mudou para a Inglaterra no início dos anos 2000, mas as ambições mudaram. “A gente ainda toca, mas não da pra ter o pique dos vinte anos. Todo mundo tem filho. Eu ainda sou moleque, os caras não são mais”.
Fuksy Faluta
Grunge e bacon no Boqueirão (1994-2000)
A banda formada por amigos adolescentes na região sul da cidade é um exemplo de como a vida era mais desacelerada nos anos 1990, mas as coisas podiam acontecer rápido no mercado da música. “Com as nossas próprias musicas gravamos a primeira demo, embalamos em saquinhos de veludo e distribuímos para todo mundo. Já de cara chamaram a gente para tocar no Ultrassom da MTV”, lembra o baterista André Vlod. Com o hit “Cabelos Crescem”, a banda venceu o programa apresentado pelo VJ Gastão Moreira em outubro de 98 e entrou na coletânea que a MTV lançava com os vencedores do programa. “A gente passou a ser assediado, era convidado para eventos, programas de TV, fizemos reunião com gravadora, lançamos um single. O som da banda, a misturava o balaio da época: grunge, reggae, música eletrônica. A banda tinha um performer, (Luciano de Castro, conhecido como Bacon) que virou um ícone do FF. Era roadie e amigo da banda. Um dia o dj Hermes, do Circus, deu um capacete cheio de espinhos para ele no palco. Bacon nunca mais tirou. “Na época, as bandas independentes inspiradas pelo Chico Science estavam tentando produzir melhor o palco. Nós também”.O nome da banda era uma sacanagem com uma amigo americano. “A gente ensinava ele a falar palavrão e saia esse som. Hoje, o nome seria um terror. Ninguém nunca acharia na web”.
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