Não é por acaso que o apelido do Hangar Bar é templo do rock. A casa foi, durante 24 anos, um dos principais espaços da cidade dedicados ao estilo, abrindo as portas para (se não todas) a maioria das bandas curitibanas.
A trajetória do bar, porém, não foi contínua. Depois que o ‘primeiro’ Hangar fechou em 1998 — época que representou o auge para muitos, o “verdadeiro” Hangar para os mais tradicionais —, a energia rock’n roll que se formou em torno do nome foi tanta que, anos depois, o recriaram outras duas vezes, com o propósito de reviver a casa dos anos 90.
A história do Hangar é, mais do que a de um espaço físico, a do amor ao rock contada em três atos – como numa peça de teatro – que acabou em 2014.
Prólogo
Antes de se mudar para a Al. Dr. Muricy, o Hangar Bar não tinha pretensões musicais. Localizado no bairro Jardim Social, o boteco funcionava como ponto de encontro de jovens e músicos, no início dos anos 90, antes que partissem para outros locais continuar a noite. “Parecia que todo mundo se encontrava lá”, relembra Marcelus dos Santos, vocalista da banda Motorocker.
1º ato
Em 1993, Luiz Manzi Neto propôs às irmãs Angelita e Rose, fundadoras do Hangar, transformar o pequeno boteco em um bar de rock. “Eu tinha o ponto da Dr. Muricy, 1111. Nós o reformamos — abrimos um deck, pintamos as paredes de cinza escuro e preto — e criamos toda uma estrutura para o rock”, conta Luiz. Nessa época, o rock de Curitiba vivia uma forte influência do grunge de Seattle, por meio de grupos como Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains.
No final dos anos 80, cabelos compridos e roupas rasgadas eram pretexto para tomar geral da polícia, para as pessoas saírem de perto no ônibus. E, de repente, abre um local no centro em que todo mundo estava vestido como eu. O Hangar foi um presente
Desde o início, os finais de semana eram de bandas como Motorocker e Gipsy Dream — que se tornou banda residente da casa — e atraíam, em média, mil pessoas por noite. Por outro lado, a casa abria às quartas-feiras para reggae, em geral com a African Band, e às quintas para o pop-rock. Os maranhenses Tribo de Jah, os catarinenses Dazaranha e o U2 cover de São Paulo foram bandas que também passaram por lá.
“Com o tempo, foi natural que diferentes vertentes ganhassem espaço e foi quando o bar consolidou uma identidade mais forte, com sons mais pesados”, comenta Rodriggo Vivazs, ex-Gipsy Dream e há sete anos vocalista do Blindagem, que, com a formação original, passou várias vezes pelo palco do Hangar.
Quem ajudou nessa mudança foi Carlos Papa, técnico de som do bar na época, que alterou a programação da quinta-feira para criar o primeiro festival de bandas do Hangar. “A competição deu espaço para bandas como Os Catalépticos, Os Cervejas e Relespública, por exemplo, mostrarem seus trabalhos autorais, e inspirou o surgimento de outros festivais na cidade”, afirma Papa, hoje proprietário do Hermes Bar.
O espaço era a paixão dos verdadeiros fãs de rock. Muitas bandas e frequentadores ficaram órfãos
Outra característica marcante do bar, já próximo do fechamento, como afirma Papa, foram os tributos e covers – de Metallica, Pantera, Iron Maiden, Led Zeppelin, The Doors, entre outros. Em uma dessas noites lotadas, em 1997, enquanto o Motorocker tocava ACDC, um pedaço do chão perto do palco desmoronou. “Nós estávamos tocando Moneytalks quando aconteceu. E a gente não parou a música; as pessoas foram se levantando dos escombros e o show continuou”, recorda o vocalista Marcelus dos Santos.
Apesar da devoção do público, que consumia 100 caixas de cerveja nos dias mais movimentados, Luiz Manzi decidiu fechar a casa em 1998. “Eu estava envolvido com outras casas — o Zimbabwe e o Moinho São Roque — não tinha mais como continuar com o Hargar Bar”, explica Luiz.
2º ato
Na metade dos anos 2000, a rede social Orkut já era uma febre. E foi no fórum da comunidade “Hangar Bar” que surgiu a ideia de fazer uma festa para relembrar as noites no templo do rock. A primeira edição da ‘Hangar Remember’ aconteceu em agosto de 2006, e seu sucesso abriu precedente para que o publicitário Rafael de Oliveira planejasse outras duas, em homenagem ao bar dos anos 90.
Mesmo o rock não ser um dos gêneros mais em voga, Curitiba continua sendo uma das capitais do estilo. E o Hangar contribuiu para isso. Não foi só o momento, a história fica e as novas gerações vão ficar sabendo
“As festas mostraram que a marca ainda tinha força. Aí fui pesquisar e vi que o nome Hangar Bar não estava registrado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial)”, afirma Rafael, que, diante da repercussão das festas, (re)abriu o Hangar Bar, curiosamente, na mesma Al. Dr. Muricy, no número 1091— um imóvel abaixo do antigo endereço.
Como o propósito era reviver o Hangar dos anos 90 —apesar de colocar mesa de sinuca, projetor e montar um camarim — a casa manteve o ambiente com pista escura, além dos bancos e mesas de madeira.
Das bandas que fizeram show nessa época, estão Velhas Virgens, Marcelo Nova, Matanza, além de bandas covers e outras curitibanas já firmadas no cenário nacional. Marcelus dos Santos se lembra quando Dinho Ouro Preto subiu ao palco para cantar com o Motorocker, em 2009. “Ele cantou nossa música e até pulou do palco na galera. Foram alguns meses antes do acidente no qual ele caiu de três metros no show do Capital Inicial”, recorda.
O bar dava muito espaço para quem tava tava começando; era fácil para as bandas tocarem lá. Tenho muito orgulho de ter feito parte da história do Hangar
No início de 2010, Rafael de Oliveira planejava acalmar sua vida pessoal, e a vontade de ter filhos fez com que colocasse a casa à venda. Mais uma vez, o Hangar Bar chegava ao fim. Mais uma vez, não era definitivo.
3º ato
Quem assumiu foi o comerciante Anderson Silva. Mantendo o mesmo endereço e dando continuidade ao estilo da casa, com poucas mudanças na decoração, optou por alterar o nome do bar para Hangar Music & Hall. Era, então, a terceira geração da casa.
Nos anos 90, eu tinha 15 anos e trabalhei fazendo coquetéis com o Roy. Em 2007, virei gerente e DJ da casa. Com certeza, foi um dos ícones de bar de rock na história e foi parte marcante na minha vida e na de muitos outros. Fiz até uma tatuagem da logo do bar no meu aniversário de 18 anos
Novamente, o bar abriu as portas para novatos e calejados, autorais e covers, curitibanos ou não. O último proprietário da casa lembra do maior público que viu, durante essa fase. “Foi num show do Dead Fish. Tinha em torno de mil pessoas. Nós vendemos quase 6 mil latas de cerveja nesse dia”, calcula. Raimundos e Ratos de Porão também lotaram a casa, que chegou promover noites como a Festa do Raul Seixas e uma (sacrilégio!) dedicada à música gospel.
Uma das bandas que acompanhou todos os momentos do bar foi o Motorocker. “Nós tocávamos lá, no mínimo, três vezes por mês. Desde 1993. Deve ter passado dos 200 shows”, estima o vocalista Marcelus dos Santos.
O bar abria espaço para as bandas praticarem, investirem na carreira. Foi o nosso caso. Ajudou a divulgar o Motorocker e outros músicos. Foi o bar mais foda dos anos 90
Em 2014, depois de algumas solicitações de reforma na casa, o corpo de bombeiros pediu que ampliassem a saída de emergência. “Quando eu enviei o pedido para a Prefeitura, eles disseram que parte da pista não constava no documento deles e que teria de ser reformada também”, explica Anderson. Sem condições de realizar as alterações, e não achando outro espaço que coubesse no orçamento, optou por fechar o bar. Pela terceira e —por enquanto — última vez, o Hangar encerrava suas atividades.
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