Porta-voz de uma geração. Maior poeta do rock brasileiro. Arauto dos desajustados. Messias. Guru. Renato Russo já era tudo isso quando morreu, na madrugada de 11 de outubro de 1996, aos 36 anos. Vinte anos depois, o culto ao vocalista da Legião Urbana segue firme entre aqueles que o conheceram e tenta fazer sentido para uma geração que parece não ter mais todo o tempo do mundo.
Foi Herbert Vianna quem verbalizou uma sensação conhecida por todos que viviam o auge do rock brasileiro nos anos 1980: a Legião estava mais para uma religião do que para uma banda. À frente dessa igreja, Renato Russo comandava shows tão épicos quanto catastróficos, discursava intensamente e gostava de conceder entrevistas bombásticas, quase sempre pontuadas por boas frases de efeito.
Disco, livros e filme celebram vocalista da Legião Urbana
“E, mesmo trabalhando para isso, negava o rótulo de porta-voz de geração”, comenta o jornalista Arthur Dapieve, responsável por uma das primeiras biografias de Renato, “O trovador solitário”. “Ser contraditório fazia parte da figura pública que ele construiu.”
De fato, pelo menos quando comparado a seus colegas de geração – Cazuza, Paralamas do Sucesso e Titãs, entre outros –, Renato Russo reina absoluto entre os termos mais buscados na internet, segundo o Google Trends. Só perde para a sua própria banda, a Legião Urbana. No Spotify, também fica à frente com folga dos contemporâneos do chamado BRock, com mais de 770 mil ouvintes mensais.
“O que o Renato conseguiu pouquíssimos conseguiram na música pop: foi idolatrado pelas letras e pela performance, pela poesia e pela energia, pela música e pela atitude”, diz Carlos Marcelo, autor da biografia “Renato Russo - O filho da revolução”.
Lugar certo
Estar no lugar certo e ter falado as coisas certas foi o segredo do sucesso de Renato Russo, segundo o jornalista e crítico musical Marcelo Ferla. O momento de efervescência política que o país passava com a redemocratização e o boom do rock nacional, nos anos 1980, também serviram de catapulta.
“Ele surgiu dizendo exatamente o que as pessoas da idade dele queriam dizer. E continuou fazendo isso. Pais e filhos, por exemplo, é o amadurecimento de Geração Coca-Cola.”
“O que o Renato conseguiu pouquíssimos conseguiram na música pop: foi idolatrado pelas letras e pela performance, pela poesia e pela energia, pela música e pela atitude”
Dapieve reforça que a atemporalidade das letras do legionário estão entre os segredos de juventude eterna. “Mesmo adulto ele continuava, de maneira positiva, a escrever sobre angústias juvenis. Essas angústias continuam na molecada de hoje, o que mantém suas letras atuais e acessíveis.”
Mas chegar até essa nova audiência não é tarefa simples. Especialmente quando a própria música não tem mais a mesma força e importância que tinha quando Renato Russo e outros gigantes dominavam o cenário.
“Renato fala muito com o pessoal do século 20. Mas tenho dúvidas se fala com quem tem menos de 20 anos, por exemplo. A garotada, hoje, está mais interessada no youtuber da semana, e esse youtuber sequer sabe quem é o Renato Russo”, opina Ferla.
Fenômeno de vendas
Não que Renato Russo e sua banda estejam esquecidos. Pelo contrário. Na última semana, a Legião Urbana esteve entre os 40 artistas mais ouvidos pelo Spotify no Brasil. Segundo a gravadora Universal, a banda segue vendendo 250 mil cópias de discos por ano. Somadas, as vendas totais dos álbuns solo de Renato e da Legião chegam a 25 milhões de unidades. São números impressionantes para um mercado em franco encolhimento.
Muito do esforço de tentar rejuvenescer o culto de Renato Russo parte da Legião Urbana Produções Artísticas. Comandada pelo filho do músico, Giuliano Manfredini, a produtora desenvolve ações para deixar em evidência a obra do músico. Para esta efeméride dos 20 anos de morte, a empresa promoveu o lançamento de um romance, uma coletânea de releituras de músicas da Legião por novos artistas, a reestreia de um musical no Rio de Janeiro e uma caixa com toda a discografia solo do artista – e ainda trabalha em uma exposição prevista para 2017 no Museu da Imagem e do Som de São Paulo.
Surgir um novo messias nos moldes de Renato, portanto, é algo praticamente impensável. Professor de Jornalismo na PUCRJ, Dapieve atesta que a música é apenas um elemento na vida de seus alunos na faixa dos 20 e poucos anos – e nem é o principal. “A relação com a música hoje é diferente, tem caráter mais utilitário. Acho difícil surgir outra figura como Renato: não há messias sem seguidores”, diz Dapieve.
Carlos Marcelo aponta que o máximo de culto que a música viu nos últimos tempos foi com o Los Hermanos. E, mesmo assim, com ressalvas. “A aura, em Los Hermanos, era de idolatria, não de messianismo. A adoração parecia ser mais à estética da banda do que aos integrantes isoladamente.”
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