Contar a vida de Waltel Branco é como meter-se a montar no escuro um quebra-cabeça de centenas de peças. É que apesar das incontáveis parcerias com unanimidades – que vão de Dizzy Gillespie a João Gilberto – e de ter transitado por uma infinidade de ritmos – do clássico ao black – o maestro e arranjador permanece à sombra, distante dos holofotes. O músico paranaense completa 86 anos neste domingo (22), vivendo em um hotel modesto nos arredores da Praça Osório, em Curitiba, sem que a História tenha feito justiça à sua história.
Talvez esta lacuna tenha sido a centelha que desafiou este jornalista a se aventurar a resgatar a biografia do músico em livro – que está em fase de produção, com o título provisório é “Waltel, o maestro oculto”, ainda sem editora. Afinal, quem vê aquele senhor de cabelos brancos passando, escorado em sua bengala, não faz ideia do que ele produziu e continua a produzir. Por outro lado, Waltel continua a ser uma incógnita mesmo para quem conviveu com ele e sabe da dimensão de sua obra. Em certa medida, pelo seu jeito discreto, com um quê de “avoado”.
“Apesar de fazer tudo o que fez, ninguém sabe do Waltel. É como se ele tivesse sido uma sombra, só passado por ali, mesmo com todo o talento que sempre teve e que é inquestionável”, disse-me Roberto Menescal, em entrevista para o livro.
Menescal, aliás, foi apresentado a Waltel por ninguém menos que João Gilberto, nos anos pré-bossa nova. Eles dividiam um quarto de pensão em Copacabana, no Rio, e atrapalhavam o sono dos outros hóspedes, dedilhando em plena madrugada. Estabeleceu-se ali uma relação de cumplicidade. O DNA da bossa nova tem muito do Waltel. Anos depois, o paranaense fez arranjos para João Gilberto e regeu apresentações do músico baiano em São Paulo, Roma e Portugal.
“Para aguentar o João, só o Waltel. Os dois vinham de escolas diferentes: o Waltel, mais clássico; o João com aquela coisa muito própria. E os dois se completavam. Trocaram muita informação e aprenderam muito um com o outro”, contou Menescal.
Entrevistar Waltel é tarefa árdua. É preciso quase que lhe extorquir as histórias. Não porque ele se negue a contá-las, mas porque já viveu com tanta gente de quilate, que considera tudo natural. Nós é que nos assombramos. E o Nat King Cole? “Ah, ele era muito legal. Elegante”. E o Ravi Shankar? “Um ótimo músico”. E trabalhar com a Elis Regina. “Comigo, ela sempre foi gente boa. Sempre me tratou bem”.
Já na Rede Globo, Waltel compôs a trilha sonora de novelas e séries, como “O Bem Amado”, “Irmãos Coragem”, “Roque Santeiro” e “Escrava Isaura”. Era habitué da casa dos autores Dias Gomes e Janete Clair. “Nessa época, meu pai trabalhava muito. Escrevia até na cama ou regando as plantas”, disse Jael Branco, filha do maestro.
Entre as décadas de 1960 e 1990, é difícil apontar um músico de renome que não tenha trabalhado com Waltel. De Roberto Carlos a Cauby Peixoto, de Astor Piazzolla a Baden Powell, de Djavan a Alceu Valença, de João Bosco a Zé Ramalho, de Novos Baianos a Cazuza, de Gal Costa a Mercedes Sosa. Destacava-se por fazer seu repertório clássico dialogar com ritmos populares. Isso sem falar no jeito sereno, que foi capaz de cativar até o intempestivo Tim Maia.
Apesar de fazer tudo o que fez, ninguém sabe do Waltel. É como se ele tivesse sido uma sombra, só passado por ali, mesmo com todo o talento que sempre teve e que é inquestionável.
“O Tim tinha um problema sério com arranjadores. Sempre brigava. Com o Waltel, não. O Tim fazia com a boca a ideia central do arranjo e o Waltel transcrevia, lapidava, aprimorava”, disse o jornalista e escritor Nelson Motta.
Fora do Brasil, Waltel se aventurou em Cuba, onde tocou com Perez Prado e Mongo Santamaría, além de ter sido amigo de Fidel Castro. Nos Estados Unidos, trabalhou com Sal Salvador e integrou o estúdio de Henry Mancini, especializado em trilhas para cinemas. Nesta época, o paranaense compôs o tema da Pantera Cor-de-Rosa – aquele do “param-param”. As peripécias no exterior envolvem ainda nomes como Paco de Lucia e Andrés Segovia, entre muitos outros.
Pesquisar a vida de Waltel também é desfazer mitos que já foram publicados e se perpetuam. Ele não descende de alemães – é “crioulo”, como gosta de definir. Leide, sua esposa, não é concunhada de Quincy Jones – é carioca e, ainda hoje, mora em Jacarepaguá. Por outro lado, a história reserva surpresas inimagináveis. Por exemplo, Waltel é primo de Paulo Leminski e chegou a frequentar um seminário.
Fora da Globo, em 1991, o maestro deixou o Rio, onde ficaram a mulher e duas filhas. De volta a Curitiba, trabalhou com uma gama de músicos locais, entre os quais, Kito Pereira, que lhe serve como fiel escudeiro. Nos últimos meses, tinha voltado a ensaiar o melhor do jazz com o pianista Gebran Sabbag – morto no último dia 13 – com quem planejava voltar a se apresentar, como nos velhos tempos de PRB2 e das boates curitibanas. Apesar da dificuldade em ouvir, continua compondo e muito. “É o que me mantém vivo. Eu não posso parar”, diz. Que assim seja, maestro.
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