
Nova Iorque - Enquanto avaliavam o espetáculo teste pré-Broadway do novo musical American Idiot na Califórnia durante o ultimo outono, o diretor, Michael Mayer, e sua equipe de criação ainda tinham uma mesma pergunta em mente: deveriam eles adicionar mais diálogos com o intuito de encorpar a jornada atormentada dos três personagens principais ou continuar apenas se apoiando nas canções da banda Green Day para contar a história?
Talvez, aos 95 minutos, o musical devesse ser mais claro, adicionando mais falas aos protagonistas: Johnny, cuja busca pela vida numa grande cidade é amarrada pelo vício em drogas; Tunny, cuja intoxicação por patriotismo e guerra tem conseqüências devastadoras; e Will, que é deixado pra trás com uma namorada grávida e seu velho cachimbo de fumar maconha.
Mas para Mayer, menos é mais, como afirmou em uma recente entrevista. Desde que ouviu pela primeira vez as 13 faixas do singular disco de 2004 da banda Green Day, American Idiot, seu sonho sempre foi poder adaptar daquelas canções uma ambiciosa ópera rock. Em sua opinião, não há diálogo que consiga melhorar o hino de alienação do álbum, "Jesus of Suburbia":
Theres nothing wrong with me (Não há nada de errado comigo)
This is how Im supposed to be (É exatamente assim que eu deveria ser)
In the land of make-believe (Na terra da fantasia)
That dont believe in me. (Que não acredita em mim).
American Idiot chega agora à Broadway como um dos espetáculos mais aguardados da temporada, com data de estréia prevista para o dia 20 de abril, e com a crença de Mayer no poder das melodias explosivas e letras angustiantes do Green Day sendo colocadas à prova. Recentemente, ao término de duas apresentações de pré-estréia, vários membros da platéia vibraram em voz alta após várias músicas e até aplaudiram em pé ao final delas.
Mayer diz que o espetáculo que chega a Broadway tem ainda menos diálogos do que a apresentação teste no Repertory Theater em Berkeley (Califórnia), um sinal de sua fé não apenas no formato opera rock como no potencial do punk rock em tocar plateias de todas as idades ou gostos musicais.
"As 13 canções em American Idiot contém uma jornada emocional completa" , diz Mayer, acompanhado durante a entrevista pela própria banda, sua equipe de criação e o elenco. "Minha idéia sempre foi manter as 13 canções em sua ordem original e interrompe-las ocasionalmente com outras músicas do Green Day e diálogos curtos, por não querer acrescentar falas externas."
"Adoro o modo como os atores recitam suas falas", acrescentou, "mas a voz do espetáculo é mesmo do Green Day."
Tradição
Para criar uma opera rock na Broadway que seguisse a tradição de The Whos Tommy (1993) e que também atendesse às expectativas da banda foram necessários dois anos de trabalho cuidadosamente executados. Mayer, vencedor do premio Tony de melhor direção por Spring Awakening (Despertar da Primavera, cuja versão brasileira está em cartaz em São Paulo), musical de 2006 que falava sobre o despertar sexual de uma juventude amargurada, iniciou o processo com certa vantagem: Billie Joe Armstrong, vocalista e guitarrista do Green Day, nutria uma afinidade pelo teatro, tendo aprendido quando garoto a cantar junto com musicais como Oliver! e 42nd Street.
"Contar histórias sempre fez parte da minha música", diz Armstrong. Consultando a si mesmo e a seus outros dois colegas de banda, o baixista Mike Dirnt e o baterista Tré Cool, ele prossegue: "Quando começamos a trabalhar no disco American Idiot, nós falávamos sobre fazer algo como uma mini-ópera, e cada um de nós escreveu canções de exatos 30 segundos sobre aquele momento de nossas vidas. Eu estava na delegacia porque havia sido preso por dirigir embriagado, Mike estava sozinho no estúdio, e Trés estava discutindo com sua ex-mulher. Então começamos a vislumbrar o arco dessa história que queríamos contar."
Retrato da América na Era Bush
O fio condutor da narrativa do disco entrelaça dois personagens díspares, chamados respectivamente Jesus of Suburbia e St. Jimmy, mas Mayer achava que a música e as letras retratavam uma história ainda maior sobre uma juventude insatisfeita e enojada com o governo de George W. Bush, a mídia jornalística e figuras autoritárias. Ele decidiu construir o musical em volta de três amigos muito próximos parcialmente inspirado pela longa amizade dos membros do Green Day, diz ele, embora ainda tivesse partes ficcionais para os personagens Johnny, Tunny e Will.
Mayer já tinha o esboço do espetáculo em mente quando convidou Armstrong, através de conhecidos mútuos, para assistir a uma apresentação de Spring Awakening no outono de 2007. Durante a festa que se seguiu após o espetáculo, Armstrong foi só elogios tanto para a peça quanto para seu protagonista, John Gallagher Jr., que retratava o emocionalmente torturado estudante alemão Moritz e que Mayer tinha em mente para o papel de Johnny em American Idiot.
Gallagher diz que o Green Day foi uma das bandas que mais influenciaram seu jeito de cantar e de ouvir música; ele tocava guitarra em uma banda de punk rock na escola e ainda se apresenta ocasionalmente em Nova Iorque.
"Quando American Idiot foi lançado, era uma época em que eu nunca ouvia a verdade no rádio," diz Gallagher, fazendo alusão ao período que antecedeu a reeleição de Bush em 2004. "Caso se tratasse de um tipo de música inferior, teria sido realmente difícil desenvolver um musical a partir dessas canções. Mas esse álbum contava uma história real a respeito da raiva e frustração que tantos jovens sentiam em relação à guerra e a política da época."
Na primavera de 2008 o Green Day deu a Mayer direito de exclusividade por seis meses para desenvolver um conceito para o musical. Tom Kitt, que entrou no projeto para fazer a orquestração, se recorda de proceder com muita cautela ao explorar a maneira de dividir as melodias e letras entre um elenco numeroso (agora 19) enquanto se mantinha sensível a como a banda esperava ver suas canções interpretadas.
"Em nosso primeiro workshop com o Green Day em 2008 quis mostrar a eles que se realmente queriam ver seu disco em cima de um palco como ele é, poderíamos fazer isso, mas também existiam outras possibilidades presentes", diz Kitt. A primeira canção que ele apresentou foi "Whatsername," planejada para ser o tema do final do musical (como no álbum). Enquanto a versão do Green Day tem um som mais metálico e intenso, Kitt criou um arranjo no piano e violoncelo que capitaliza um vigor mais emocional.
"Eles enlouqueceram quando ouviram o resultado", diz Kitt sobre os membros da banda, "e eu disse para o Michael: Isso é um ótimo sinal. Podemos abrir o disco e nos arriscar mais."
Os membros da banda alegam terem dado ampla liberdade aos criadores do musical, embora existam algumas diferenças criativas, geralmente no tocante ao som. Mayer e Kitt recordam que a banda questionou se um violão acústico não seria a melhor maneira de começar a canção "Shes a Rebel," que celebra a vivacidade da personagem chamada apenas de Whatsername (Qualonomedela). Ao invés disso, os criadores optaram por um trio de cordas que, dizem eles, adiciona extravagância e leveza.
E embora o arco narrativo do musical seja bastante amargo, Mayer escolheu não ser cruel demais com seus personagens. No mínimo dois deles poderiam ter facilmente morrido, mas o diretor diz que preferiu evitar tal fim após ter dois de seus personagens principais mortos ao término de Spring Awakening.
Tradução de Miguel Nicolau Abib Neto.
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