Menos de um mês depois de o cantor e compositor Milton Nascimento ter protagonizado um momento embaraçoso e triste, ao ser derrubado no palco do Guairão, quando um segurança tentou desvencilhá-lo de uma fã mais afoita que o agarrou em cena aberta durante um show, o grande teatro curitibano presenciou uma espécie de justiça poética, feita ao músico no último fim de semana. O espetáculo Nada Será como Antes, musical criado pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, considerados os atuais mestres desse gênero teatral no país, foi consagrado pelo público, que se não lotou, encheu a casa de espetáculos nas três apresentações da montagem em Curitiba.
Construída como uma revue (revista) modalidade do teatro musical na qual não há uma trama, mas uma costura de canções dentro de uma proposta cênica , Nada Será como Antes proporciona ao público uma emocionante viagem pelo universo criativo de Milton: são 50 canções, em referência ao meio século de carreira do compositor, nem todas criadas por Bituca (apelido do artista), mas que remetem de maneira significativa ao imaginário a ele relacionado, a sua música, seus temas mais caros, discos e, é claro, às montanhas das Minas Gerais, onde cresceu o músico é carioca de nascimento.
Um time impressionante de talentosos atores/cantores, alguns deles também hábeis instrumentistas, dá vida a uma montagem que pretende dar protagonismo, sobretudo, às músicas, divididas em grandes blocos temáticos em torno das quatro estações do ano: primavera, verão, outono, inverno. Canções solares, mais líricas, relacionadas a temas como amizade, amor, companheirismo e infância, à medida em que o espetáculo avança, vão cedendo lugar a temas mais áridos, como o racismo, até culminarem, no segmento "Inverno", à faceta política da obra de Milton.
Como não há uma proposta de abordagem biográfica, e portanto nenhuma pretensão de seguir uma linha cronológica, canções do antológico álbum Clube da Esquina, como "Cais", "San Vicente", "Paisagem na Janela" e "Nada Será como Antes", estão salpicadas ao longo de toda a montagem.
O belo cenário se remete a uma velha casa mineira, que lembra uma propriedade de fazenda, encravada nas montanhas, de pé direito alto e ares barrocos. Os figurinos, criados por Möeller, são contemporâneos, com um toque de anacronismo proposital, de inspiração hipster, segundo contou o diretor.
Longa, afinal são 50 canções, a montagem pode ter sido um pouco arrastada para quem não é versado no repertório de Milton. Mas, quem o conhecia mais a fundo se deliciou, tanto com o virtuosismo dos intérpretes quanto diante da inventiva costura que entrelaça as músicas como se fossem contas de um belo colar. GGGG