Se hoje os discos de vinil são uma das poucas esperanças em relação a vendas de produtos físicos no mercado de música, no começo do século passado os bolachões eram a grande novidade, ainda nem feitos com o material plástico característico, que passou a existir nos anos 1940. As chapas anteriores eram gravadas em cera de carnaúba e goma-laca, em 78 rotações por minuto. Eram mais pesadas e frágeis.
Os jornalistas e pesquisadores Biancamaria Binazzi e Ronaldo Evangelista exploram, desde 2011, o repertório de música popular brasileira destes discos, no projeto Goma-laca. Neste ano, lançaram o álbum Afrobrasilidades em 78 rpm, com direção musical de Letieres Leite e participações de Lucas Santtana, Juçara Marçal, Karina Buhr e Russo Passapusso. O disco faz releituras de temas dos anos 1920 a 1950 ligados à música africana.
Para o álbum, a dupla selecionou gravações em 78 rpm de músicas como "Ogum" e "Exu" (registradas pelos Filhos de Nagô, em 1931), cantadas em iorubá. Na nova versão, ganharam interpretação de Juçara Marçal. "Do Pilá", conhecida pela citação de Tom Jobim em "O Boto", foi achada em registro de 1938, do trio vocal Jararaca, Augusto Calheiros e Zé do Bambo. Mais ligada ao coco, a música é interpretada pela pernambucana Karina Buhr. "Nosso recorte inclui não só ritmos africanos ritualísticos, mas também embolada, coco e maracatu", diz Evangelista. Originais Goma-laca, coletânea lançada com o disco, reúne as versões antigas que serviram de base para o trabalho.
Texto de 1929 no jornal O País diz: "Batuque é monumental (...) revemos os tempos em que o negro nas suas reuniões privadas, às vezes de caráter algo religioso, dava expansão à sua revolta contra a tirania dos brancos". "Batuque" é interpretada por Russo Passapusso. Ele mistura os versos fortes atribuídos originalmente ao Quilombo dos Palmares no século 17 ("Folga nego, branco não vem cá/ Se vier, pau há de levar"), ao dancehall e ragga típicos da Baiana System, sua banda.