História, música, cinema, literatura, filosofia, ciência, política... Nada escapa ao arsenal de conhecimentos do jornalista carioca Sérgio Augusto, um sobrevivente do tempo em que o diploma não era obrigatório e o requisito básico para ingressar na imprensa era ser culto. Por essas e outras, ele não se faz de rogado na hora de comentar (e criticar) os rumos tomados nos útimos anos pelo jornalismo cultural, sua própria seara.
Nascido em 1942, Sérgio Augusto começou a escrever profissionalmente aos 18 anos, como crítico de cinema do jornal Tribuna da Imprensa. Também foi repórter, redator e editor no Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo, Senhor, O Cruzeiro, Fatos & Fotos, Veja, Opinião, IstoÉ e Folha de S. Paulo. Fez parte da geração de ouro do Pasquim e colaborou nas duas tentativas de ressurreição daquele modelo, Bundas e Pasquim 21. Atualmente, publica artigos no jornal O Estado de São Paulo e na revista Bravo!, de onde saíram os 45 textos compilados em seu mais novo livro, As Penas do Ofício (Editora Agir, 310 págs., R$ 34,90).
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele fala sobre celebridades, reality shows, blogs e, é claro, dispara contra um de seus alvos preferidos: os cadernos culturais dos grandes jornais.
O jornalismo cultural quase sempre é tratado como perfumaria, mesmo dentro das redações. Quando você começou, já era assim?
Não guardo essa sensação. Ao contrário, o pessoal que trabalhava e colaborava nessa área era muito prestigiado na redação. Quando entrei para o Correio da Manhã, em 1962, o cargo de diretor de redação passara a ser ocupado por seu crítico de cinema, o mítico Antonio Moniz Vianna, e não por um editor de economia ou política. O escritor Antonio Callado também foi editor-chefe do jornal no meu tempo. A equipe que se ocupava dos editoriais da casa era toda de intelectuais de alto nível, como Otto Maria Carpeaux, Antonio Houaiss, José Lino Grünewald, Carlos Heitor Cony. Vale lembrar também que a revolucionária reforma gráfica do Jornal do Brasil, no fim dos anos 50, começou, ou pelo menos consolidou-se, no Caderno B, que virou um modelo para toda a imprensa nacional. Havia, ainda, naquela época, rodapés literários, tanto na imprensa do Rio, como na de São Paulo. Os suplementos literários, aliás, eram mais volumosos que os de hoje. Os críticos de cinema dos principais jornais, por exemplo, dispunham de um espaço diário, hoje impensável. Claro que também havia espaço para perfumarias e colunas sociais, mas o respeito à chamada "alta cultura" era grande.
Você é um crítico costumaz da fórmula atual dos cadernos de cultura dos jornais brasileiros, que, na sua opinião, fazem "jornalismo de agenda". Como se chegou a esse ponto? É possível reverter o quadro?
Sou porque a considero o supra-sumo da falta de imaginação, uma capitulação diante da indústria cultural, e tanto mais danosa porque, aparentemente, consumada pelos editores com enorme satisfação. Todos os segundos cadernos se parecem, estampam as mesmas pautas, pressionadas por gravadoras, editoras, agentes de artistas, produtores de filmes e peças de teatro. Há 30, 40 anos, não era assim. E é bom salientar que não era assim porque a indústria cultural não possuía a força adquirida nas últimas décadas, em grande parte por obra da complacência da mídia, pouco a pouco dominada por gente despreparada e, por isso mesmo, sem coragem de impor sua vontade, seus critérios editoriais, seus padrões de qualidade, enfim. Antigamente, as primeiras páginas dos segundos cadernos de diferentes veículos raramente abriam espaço para o mesmo assunto.
Hoje, é na base do viu-um-viu-todos. Hoje, os editores dos cadernos de variedades usemos o termo genérico, para melhor os definirmos parecem escolhidos a dedo para essa função. Devem ser "integrados" e nem um pouquinho "apocalípticos", para usar as categorias do Umberto Eco, ainda válidas. Ou seja, quanto mais adorarem televisão, frivolidades, fofoquinhas, e tiverem uma visão estreita e populista de qualquer tipo de criação artística, mais longo será o seu futuro no cargo. É o nivelamento por baixo. Ou pela média, que, como sabemos, é baixíssima. O étimo da palavra medíocre passa por aí. Só um milagre reverteria esse quadro. Como não acredito em milagres...
Outro de seus alvos é a chamada indústria das celebridades, e eu presumo que você odeia o Big Brother. Por que o Brasil é um dos países onde o programa mais fez sucesso?
O BBB me dá engulhos. É o darwinismo populista em seu mais alto grau de nocividade, um incentivo ao narcisismo, à pasmaceira, ao que na Itália fascista chamavam de "qualunquismo", ou seja, a promoção e a valorização de qualquer um, transformado da noite para o dia em celebridade. Nem a escolha dos participantes é para ser levada a sério porque submetida a estereótipos. Há sempre pelo menos uma loura burra e gostosa para o mercado da carne da Playboy. Seu enorme sucesso no Brasil se explica pela hegemônica estreiteza mental de nossos telespectadores.
Reality show também é cultura?
É um fenômeno cultural, sem dúvida. E bem típico da época em que vivemos, sob o primado do cinismo (o nome Big Brother foi roubado de um clássico literário e sua idéia original totalmente deformada), da competividade sem escrúpulos e da "evasão" de privacidade, que, por sua vez, é fruto de uma patológica vocação narcísica que em certas pessoas fica ainda mais ridícula. Ao tratar da soberba em seu livro revisionista sobre os sete pecados capitais, recém-traduzido pela Ediouro, o filósofo espanhol Fernando Savater pegou de raspão nesse tipo de reality show, em que se colocam câmeras para espiar durante certa quantidade de tempo a meia dúzia de pessoas que se dedicam a fazer coisas tão "interessantes" como trocar calcinhas, fritar ovo, trocar insultos e dormir. Savater diz que pode entender o interesse que Rei Lear, de Shakespeare, chega a despertar, mas não entra em sua cabeça essa hierarquização do medíocre.
Você acredita que os blogs são o "futuro do jornalismo", como muitos prevêem?
Não sei. Não sou profeta e implico com profecias. Só sei de uma coisa: que os blogs são o presente da grafomania ególatra. São tantos blogs alguns bons que não dá tempo de acompanhá-los. Mas a maioria é feita por gente medíocre, vaidosa, semianalfabeta e ressentida com a falta de oportunidade na chamada mídia mainstream. Fora isso, acredito no potencial da mídia eletrônica, nem que apenas como linha auxiliar da mídia impressa.
Na sua avaliação, por que a revista Bundas e o jornal Pasquim 21 não vingaram?
Bundas foi muito prejudicada pelo título, um espanta anunciantes. Fui contra esse nome, mas, como Millôr e Jaguar, voto vencido. O Pasquim 21 foi um fiasco por tentar ressuscitar algo cujo ciclo vital já se esgotara o Pasquim foi um produto típico dos anos 70 e sem um time de colaboradores à altura do produto em que se inspirou. Havia, no Pasquim 21, muitos pangarés e um esquerdismo melancolicamente defasado. Saí bem antes de o navio afundar.
Quem são os herdeiros atuais da geração de Sérgio Augusto, Ruy Castro, Paulo Fracis, Ivan Lessa e companhia?
Imitadores de Francis é o que não falta na imprensa brasileira, mas sem a cultura e o humor dele. Dele só pegaram os defeitos, sobretudo os que se intensificaram nos últimos anos de sua vida. Ou seja, caricaturas do Francis abundam. Ivan Lessa tem um bocado de admiradores ardorosos, como o pessoal do Casseta & Planeta, mas o estilo dele é único, inimitável, assim como o do Millôr e o Verissimo. Da nova geração, o que mais se aproxima dessa turma é o Marcelo Madureira, o principal ghost writer do Agamenon Mendes Pedreira (colunista fictício do jornal O Globo). Quanto a mim, não me lembro de ter lido ninguém que me desse a impressão de ser meu discípulo, seguidor, herdeiro ou algo similar. Não que eu seja único e inimitável. Simplesmente não sou modelar. Meu jeito de ser e escrever não tem "valor de mercado", não rende ibope.
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