O poder do controle remoto
Desde seu surgimento, a televisão sempre foi a grande vitrine da publicidade nacional. Mas a chegada da tecnologia digital promete revolucionar os "reclames do plim-plim" e das outras emissoras. Além de possibilitar outros formatos que fogem do clássico comercial de 30 segundos, a interatividade e a convergência de mídias serão as palavras-chaves da nova era.
Invasão popular no intervalo comercial
Procure lembrar quantos comerciais aos quais você assistiu nos últimos tempos traziam um apresentador famoso de programa de auditório, uma cantora de axé ou um ex-BBB. Até o hit chicletão do último carnaval botou esponjas de aço e o cachorrinho da Redecard para rebolar, respectivamente, nas versões Assolation e Faturation.
Quando a mídia é digital
Embora a tevê aberta detenha 63% de todo o bolo publicitário e a internet apenas 5%, no ano passado a web foi a mídia que mais cresceu em investimentos: 25% em relação a 2008, enquanto o aumento de publicidade na televisão não chegou a 8%, segundo dados do Interactive Advertising Bureau (IAB).
Só a ideia pode salvar
Impossível tratar da propaganda brasileira sem mencionar aquele que é o seu maior ícone. Eleito publicitário do século e premiado 49 vezes no Festival de Cannes, Washington Olivetto, 58 anos, viveu as últimas quatro décadas da produção publicitária no país e foi responsável por alguns de seus momentos mais memoráveis.
Houve um tempo em que uma boa propaganda era suficiente para vender um produto. Bastava um comercial ousado ou um anúncio minimamente original para catapultá-lo ao sucesso. Hoje, a publicidade vive uma nova fase, marcada sobretudo pela diversidade de mídias, públicos e abordagens. Há a constante necessidade de promover o envolvimento do consumidor, cada vez mais crítico, com as marcas.
"Até 1990, tudo se resolvia pela propaganda. Ela era uma atividade mágica, meio misteriosa até, que foi desmistificada pelas pessoas, tornando mais difícil encantar o público e manter com ele um relacionamento de qualidade", afirma Eloi Zanetti, consultor em marketing e comunicação corporativa.
Outro ponto fundamental é que agora o acesso das pessoas à informação é maior, o que aumenta sua percepção crítica da publicidade e lhes confere poder. "O consumidor é um revolucionário que te faz um piquete em dois segundos: não compra e pronto. Ele nunca teve tanto poder quanto hoje, em dois minutos sabe tudo sobre você. É uma época alucinante para estar nessa profissão", confessa Joaquin Molla, sócio e diretor de criação da agência La Comunidad, com escritórios em Miami e Buenos Aires.
A função da publicidade, em seus primórdios, era apresentar produtos à população, calcado em informações detalhadas sobre eles. Mais tarde, a ordem era aliar entretenimento à construção de marcas. Hoje, além de apresentar, informar e entreter, é preciso engajar, "as empresas não querem apenas consumidores, mas fãs para as suas marcas. Gente que, além de usar os produtos, defenda seus valores", afirma Victor Afonso, diretor de criação da agência curitibana Master.
E a melhor maneira de se conseguir isso é surpreender o consumidor, oferecendo a ele conteúdo e experiência de forma pertinente.
"Custa cada vez mais caro não ser relevante, interessante ou não ter um ponto de vista como marca", analisa Joaquin Molla. Para ele, hoje há duas vias abertas: o conteúdo indo em direção às pessoas e as pessoas em direção ao conteúdo. "Se você não é interessante como marca, te evitarão e jamais irão te procurar", garante.
A agência inglesa Saatchi & Saatchi é um exemplo de como gerar proximidade, experiência e engajamento entre verdadeiras multidões e um grande anunciante, como a operadora de telefonia celular T-Mobile.
Em uma manhã de janeiro de 2009, ela realizou sua primeira ação de flash mob (mobilização-relâmpago), fazendo milhares de pessoas dançarem ao som de hits da disco-music em uma estação de metrô de Londres. Meses depois, conseguiu a façanha de reunir 13 mil na Trafalgar Square para cantar, em estilo karaokê, o clássico dos Beatles "Hey Jude". Mas não apenas os londrinos foram impactados pela marca. As ações, naturalmente, foram filmadas, lançadas na internet e já somam mais de 35 milhões de visualizações, se convertendo em um dos virais mais assistidos da história.
Revolução digital
Uma das características da publicidade contemporânea é o fim da ditadura das mídias tradicionais. Hoje, nem tudo o que é anunciado precisa seguir os formatos pré-determinados, como o espaço de 30 segundos no rádio e na televisão e os anúncios de página inteira nos jornais e revistas. "Praticamente tudo virou mídia, de painel de bicicleta ergométrica a tatuagem na careca", brinca o publicitário Eugênio Mohallem, presidente da agência Mohallem/Artplan.
Para o professor de marketing digital da Universidade Positivo e do Centro Europeu, Renato Buiatti, a mensagem publicitária fora dos meios tradicionais ganha longevidade, relevância e passa a ser trabalhada como um seriado ou um game, de forma contínua e multinível. Mas esse cenário só se torna possível com o fortalecimento da internet, a quem ele atribui as principais transformações no setor. "Nos próximos anos, veremos uma grande migração da verba publicitária para a web, o que já vem acontecendo em países como a Inglaterra, onde os investimentos em publicidade on-line já ultrapassam os valores investidos em tevê", garante.
Eugênio Mohallem discorda que os meios tradicionais venham perdendo terreno para as mídias alternativas. "O grande indicador de sucesso de ações na web ou nas ruas costuma ser, justamente, a capacidade de gerar centimetragem gratuita nos jornais e segundos grátis na tevê, ou seja, de repercutir nas mídias tradicionais. Afinal, quantos gatos pingados realmente veem uma ação que acontece por alguns minutos na rua?", questiona. Para ele, as mídias alternativas servem mais como gatilhos de ações de relações públicas do que propriamente propaganda.
Fim da era de ouro
O consultor Eloi Zanetti sugere um experimento curioso: medir os decibéis do intervalo comercial durante o horário nobre. Para ele, a propaganda se converteu em uma gritaria infernal depois do surgimento das grandes redes de varejo, nos anos 1990, que hoje dominam o mercado pelo preço, e não mais movidas por uma construção inteligente de marca.
O publicitário, que no passado atuou na comunicação do Bamerindus e do Boticário, cita os anos 1970 e 1980 como uma época de extrema criatividade nas artes, que se refletia na publicidade. "Os profissionais eram desenhistas, escritores, artistas que experimentavam mais. Percebo que a nova geração está resgatando aquele tempo, mas se por um lado eles são rápidos na idéia, não se aprofundam nos conceitos. Em publicidade vale primeiro a técnica, depois a arte, e o pessoal mais jovem quer inverter essa lógica", opina.
Eugenio Mohallem, um dos profissionais mais premiados do país, não disfarça seu pessimismo: "O que vemos, pelo menos no Brasil, são fórmulas repetidas à exaustão: uso excessivo de celebridades e subcelebridades, varejão gritado, varejização do que deveria ser tratado como construção de imagem de marca e clips pseudoemocionais com pessoas de braços levantados para o céu. A boa propaganda vive tempos tristes", critica.
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